Roger Waters: uma conversa sobre ameaças reais à humanidade
A nova turnê norte-americana de Roger Waters, “This Is Not A Drill”, que começou em Pittsburgh dia 6 de julho, não tem uma mensagem — é uma conversa. O show é um convite de Waters para se sentar ao lado dele como num bar e ter uma conversa séria sobre o amor, a vida, o desespero e como as pessoas no poder estão destruindo a humanidade. O poder, aqui, não é discutido em termos de partidos políticos, os democratas estadunidenses não são poupados do escrutínio, e todos os líderes mundiais das superpotências são pintados no mesmo tom: criminosos de guerra.
Para um artista com uma carreira de meio século, Waters mostra que acompanha o cenário mercurial do entretenimento e da tecnologia, ao mesmo tempo que está abertamente desinteressado em usar essa capacidade para seguir tendências. Ele forja seu próprio caminho musicalmente, visualmente e politicamente — sem pé atrás — como tem feito desde os anos 60. Este caminho autêntico não é uma imposição ou uma palestra. Em vez disso, ele pede ao público que se envolva em séria reflexão e debate sobre ameaças brutais à raça humana e à dignidade humana.
Como em amizades às vezes há discordância, o vínculo entre ele como artista e seu público não é baseado em ter as mesmas opiniões, mas em compartilhar sentimentos profundos, especialmente diante da miséria. Se você não está disposto ou disposta a conversar sobre a tragédia a qual a humanidade é submetida, e os indivíduos e instituições responsáveis por essa tragédia, não apareça.
Dito isto, a opinião política explícita não exclui membros da audiência com visões divergentes. Na verdade, é explicitamente inclusivo, e não acolhe apenas os fãs do Pink Floyd. Mesmo que você nunca tenha ouvido Pink Floyd (sei que é difícil imaginar isso, mas é possível), ou não saiba nada sobre eles, aqui está uma oportunidade para uma introdução. O show abraça e celebra pessoas de todas as raças, etnias, gênero e identidades sexuais, além de defender ferozmente o direito de cada grupo marginalizado de viver e prosperar. Por causa desse equilíbrio entre nostalgia e questões contemporâneas cruciais, essa performance fala com pelo menos três gerações, de jovens adultos a seus pais e avós.
A crítica social não é sutil quando aborda questões de colonialismo, violência policial, sanções, mídia social, nacionalismo, racismo, disparidade de riqueza, patriarcado e assim por diante. Mas como crítico, Roger faz mais do que detonar — ele procura construir comunidades, unidade e respeito pela vida humana em toda a sua diversidade. Embora algumas pessoas possam ser vistas fechando a cara ao ler “Direitos Reprodutivos” no telão, você pode ter certeza que os verá emocionados cantando Eclipse poucos minutos depois.
Não é novidade que a política de Waters tem incomodado muitas pessoas, ele sabe disso e aborda a questão abertamente. Aqueles que pensam que a falta de apoio de Roger a Israel significa que ele é anti-semita, por exemplo, verá que esse show não apenas reforça sua posição pró-Palestina, mas também mostra como sua postura não é nada além de radicalmente hostil ao fascismo. Se você estiver aberto ou aberta para essa conversa, verá que há um acordo sobre como combater o fascismo é imperativo, e questionará não só como essa ideologia se manifestava, mas também como ela se manifesta agora.
Hoje, quem detém o poder e massacra, vigia e desmoraliza pessoas inocentes? Se você se permitir participar dessa conversa, verá que a opinião imutável dele sobre essa pergunta é: o Exército dos EUA, a polícia, os políticos encarregados deles e os ultra-ricos que manipulam esses políticos.
Numa tentativa de evitar spoilers, o visual e a configuração única do palco só podem ser descritos como espetaculares, e momentos “uau” são introduzidos continuamente ao longo do show, mantendo milhares de pessoas todas as noites à beira de seus assentos. Os solos de guitarra e cantoras de back-up gratificam qualquer fã obstinado do Pink Floyd e os inspira a cantar junto. Enquanto os fluxos dinâmicos da set list, sem mencionar os fantásticos solos de saxofone, fazem qualquer pessoa interessada em música dançar.
Acima de tudo, a presença icônica de Roger Waters no palco é feroz e calorosa. Ele é íntimo e sincero, mas também severo e autêntico. Prepare-se para os extremos entre afeto e merecidos “foda-ses”, e especialmente, para sua voz maravilhosamente familiar compartilhando algumas das músicas mais adoradas de todos os tempos.