Rumo a um novo crack?
A economia norte-americana sofreu uma reestruturação fundamental. Computadores e telecomunicações contribuem para um terço desse crescimento. Da Internet à televisão, novas empresas surgem da noite para o dia para tirar proveito das tecnologias de vanguardaMarc Laimé , Akram B. Ellyas
Uma empresa que comercializa seus produtos através da Internet, um homem de negócios que vigia a evolução das cotações das bolsas pelo seu telefone celular, uma multinacional que utiliza a Web (a rede mundial de computadores) para todos os tipos de comunicações entre suas filiais — eis algumas ilustrações deste novo paradigma de nosso tempo que está constituindo, ao que parece, a “nova economia”.
Sua definição, como observam Bernard Maître e Grégoire Aladjidi numa obra que já se tornou referência, [1] implica “precisar seus três elementos fundadores: uma matéria-prima, uma fonte de energia e um meio de transporte”. Assim, a informação, mais freqüentemente sob a forma digital, é a matéria-prima da “nova economia”. A energia indispensável para “tratar, transformar, organizar” esta matéria-prima não é a elétrica, mas “a eletrônica, e especialmente a indústria de semi-condutores”. Por fim, “as redes digitais no centro das quais a Internet desempenha um papel determinante” constituem o indispensável meio de transporte destinado a encaminhar a informação sob todas as suas formas, incluindo aí o som e a imagem. É no dia 6 de dezembro de 1996 que o conceito de “nova economia” aparece ao grande público, ganhando a capa da revista norte-americana Business Week, que se extasiava então com um verdadeiro milagre que estaria ocorrendo: “Desde o início de 1995, o mercado experimentou um crescimento de 65%. O mercado está louco? Definitivamente, não.” E destacava “a emergência de uma nova economia baseada nos mercados globais e na revolução informática. Desde o início da década de 80, e de maneira acelerada nestes últimos anos, a economia norte-americana sofreu uma reestruturação fundamental. Os investimentos em computadores e as telecomunicações contribuem para um terço desse crescimento. Da Internet à televisão, novas empresas surgem da noite para o dia para tirar proveito das tecnologias de vanguarda”.
Uma economia dos novos tempos
O vocábulo, que definiria uma economia fluida, movida por redes eletrônicas, floresceu. Para além do crescimento de poder das novas tecnologias de informação, ele passou a definir um verdadeiro projeto de sociedade, uma economia dos novos tempos, considerada capaz de acabar com a alternância de ciclos de crescimento e de recessão. Graças a uma produtividade auto-sustentada, apresentava um real potencial de crescimento, combinando inflação fraca e desemprego baixo com taxas recordes de investimento e expansão, que provocariam o encadeamento virtuoso de um “hiper-crescimento” sem precedentes na história. Mas, como mostrou magistralmente Anton Brender em Le Nouvel Âge de l’économie américaine, [2] a expansão recorde da economia dos Estados Unidos nos últimos dez anos deve-se, antes de tudo, a uma hábil estratégia micro-econômica, desenvolvida em um ambiente excepcionalmente liberal, cada vez mais flexível e desregulamentado.
Nas palavras de seus sacerdotes, esta “nova economia” sem inflação vê o crescimento substituir o lucro como conceito central das empresas. Doravante, é o cliente que deterá todo o poder, em detrimento do fornecedor. Nela, a concorrência torna-se universal, especialmente na Internet. A “nova economia” é global, ela privilegia os objetos imateriais como, por exemplo, a informação, e é intensamente interconectada. Informática, globalização e flexibilidade estariam, assim, no coração de uma terceira revolução industrial: os sistemas em rede são capazes de produzir em função das exigências particulares de cada cliente, multiplicando portanto o mercado potencial.
Um acelerador de crescimento
Essa nova bíblia tornou-se senso comum no conjunto dos países industrializados. Como o prova, entre mil discursos similares, esta intervenção de Bruno Vanryb, presidente do fabricante francês de programas de computador BVRP Software: “A nova economia, é mais em todos os sentidos: mais de finanças e de Bolsa, de concorrência, de equipes, de crescimento, de serviço, e menos tempo e distância. As empresas da nova economia conhecem crescimentos de 200%, 300%, mesmo 600% por ano. Na medida em que um produto aparece, os concorrentes acompanham o lançamento em dois ou três meses. Mais finanças e Bolsa: as empresas podem levantar capitais nas bolsas e utilizar estes fundos para fazer aquisições. É também um acelerador de crescimento: pode-se multiplicar mais rapidamente suas cifras de negócios e sua presença no mercado. Mais serviço: se vendemos assinaturas, devemos satisfazer os assinantes, e o modelo econômico pode portanto ser colocado em causa a cada mês. Mais equipe: os assalariados representam um verdadeiro time. São associados à riqueza da empresa através das stock options (opção de compra de ações oferecida aos empregados). É esta equipe que desenvolve a empresa, e não somente um dirigente. A Internet é um booster, um acelerador. A nova economia existia antes de sua chegada, mas a Internet permite agora a jovens start up tornarem-se empresários muito rapidamente, em escala mundial.” [3]
Para Manuel Castells, [4] um de seus gurus, a nova economia reestrutura o capitalismo. Ela é o ápice de um movimento iniciado há vinte anos. As novas tecnologias favorecem especialmente a expansão do comércio eletrônico, a automatização das ordens de produção e de abastecimento e o recurso maciço à terceirização. Uma evolução de fundo que é acompanhada por uma reestruturação do mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, o gargalo de estrangulamento do mercado de emprego é superado por uma política de imigração aberta, com a importação maciça de trabalhadores qualificados. “Para consolidar a nova economia, os Estados Unidos têm todo o interesse em desenvolver uma verdadeira política de imigração destinada especialmente a jovens diplomados. Nós vivemos uma ocasião única para aumentar a densidade do capital humano de nosso país”, declarou Gary S. Becker, prêmio Nobel de Economia, em 1992.
Uma prosperidade mundial sem precedentes?
Mas a “nova economia” é também para seus apologistas o empowerment — uma maneira de dar mais vida à iniciativa individual. Manuel Castells prediz assim a chegada de um “capitalismo individualizado e descentralizado”: “Com a Internet, todas as pessoas podem tornar-se capitalistas individuais. O modelo de Silicon Valley pressupõe este movimento: a maior parte da remuneração efetua-se sob a forma de stock-options, de partes da empresa. O empregado considera-se mais um acionista do que um assalariado. E, se revende suas ações, pode em seguida lançar-se em novos investimentos, mais facilmente na medida em que a Internet lhe permite movimentar seu dinheiro de forma on-line, de uma empresa à outra.” [5]
Numerosos são os que permanecem prudentes quanto a esta nova revolução industrial. O diretor do Projeto de Política da Internet do Instituto Aspen, Andrew Shapiro, estigmatiza assim este entusiasmo transbordante: “É preciso olhar para além dos indicadores que os campeões da nova economia apresentam, afirmando que se trata de uma economia pós-industrial baseada na informação. Tudo isso é verdade. Mas será suficiente para provocar uma prosperidade mundial sem precedentes? (…) O resultado é também a criação de uma esfera onde o governo é enfraquecido, onde o poder individual cresce muito pouco, e onde o peso das empresas, que ditam a legislação e a regulamentação, é gigantesco.” [6]
A transformação da comunicação em mercadoria
Fazendo eco a estas palavras, André Gauron, economista e antigo conselheiro de Pierre Bérégovoy, enfatiza uma dimensão geralmente ocultada no debate sobre a nova economia: “Seu principal problema tem a ver com a característica exclusivamente tecnológica da abordagem. Pois, ao fazer isso, perde-se o essencial: o que há de novo nas tecnologias de informação não é a tecnologia digital, mas a transformação em mercadoria de toda uma dimensão da atividade humana: a comunicação. A invenção do telefone, do rádio, do disco, da televisão, esboçou este processo ao longo do século. A novidade não reside somente na convergência destas tecnologias, mas no empacotamento e na redução ao estado de mercadoria de toda comunicação. Apoderando-se dela, o mercado se apropria de uma relação propriamente humana. Ultrapassa sua fronteira interna e apropria-se de um território imenso, até aqui virgem, ou quase, de toda relação monetária”. [7]
A outra grande crítica que muitos especialistas dirigem à nova economia reside nos riscos que as sociedades envolvidas nela trazem à economia real. Desde 1997, uma verdadeira bolha especulativa financeira cresceu em torno das empresas baseadas na Internet. Ainda longe de serem rentáveis, apresentando muitas vezes déficits recordes, elas ostentam, porém, importantes níveis de valorização nas bolsas. Na história econômica, é a primeira vez que, em larga escala, sociedades acionárias têm suas cotações valorizadas, às vezes em níveis superiores a 100%, em apenas algumas semanas, enquanto suas performances econômicas são negativas.
“Milhões de dólares vão virar fumaça”
“Estas sociedades oferecem aos investidores promessas de ganhos para os anos futuros. Nós partimos todos do princípio de que, entre elas, está a Microsoft de amanhã. Mas não escondamos a realidade: dezenas de empresas vão desaparecer e milhões de dólares de poupança vão se esvair como fumaça”, explica um analista da Goldman Sachs. Na medida em que — e este é um fato já revelado — as classes médias norte-americanas não poupam mais e consomem na base de seus ganhos virtuais na Bolsa. Mas, se as cotações da Bolsa vierem a cair de forma maciça e por um tempo longo, hipótese que pode ser admitida após o mini-crack ocorrido em abril, o atual crescimento do consumo norte-americano será rapidamente travado. Confrontados com o seu endividamento, os negócios colocariam um fim a esta euforia de consumo, penalizando ao mesmo tempo as economias do resto do mundo industrializado.
É neste contexto que alguns economistas se preocupam cada vez mais, desde o outono de 1999, com um possível retorno da inflação. Por três vezes já, ao longo do ano passado, o presidente do Federal Reserve Bank (Fed, o Banco Central norte-americano), Alan Greenspan, foi obrigado a elevar a taxa de juros para tentar prevenir uma deriva excessiva dos preços. Os riscos de derrapagem se multiplicam na medida em que o crescimento ganha a Europa, a Ásia e a América Latina. Os investidores podem ser tentados a realocar seus capitais, o que provocaria uma queda do dólar e uma retomada da inflação. A hipoteca pesa cada vez mais pesadamente sobre mercados e praças financeiras fragilizados e desestabilizados pelas incertezas que pesam doravante sobre o futuro e a confiabilidade dos faróis da nova economia.
“Ciclos econômicos vão continuar existindo”
“De um ponto de vista financeiro, é uma situação sem precedentes”, enfatiza Catherine Mann, do Instituto das Economias Internacionais, de Washington. “Vemos surgir da noite para o dia empresas start up cujas ações levantam vôo, mesmo que elas gerem muito pouca riqueza. Estas empresas podem muito bem desaparecer em apenas alguns meses, o que só agravaria o clima de instabilidade dos mercados financeiros.”
“Eu acho que os ciclos econômicos existem sempre. Se os investidores não estão preparados para isso, se não estão com os olhos abertos para as mudanças estruturais, vão sofrer”, declarou ao jornal Le Monde, no último dia 21 de abril, Stephen Roach, o economista-chefe do Banco Morgan Stanley Dean Witter. Para ele, a transformação da antiga economia (por oposição à nova economia) permanece ameaçada pela retomada da inflação.
Mas, ao mesmo tempo que a saúde insolente da economia americana começa a suscitar dúvidas e a abalar o conjunto das bolsas mundiais, um estudo da Associação Nacional dos Economistas Americanos (Nabe), publicado no último dia 19 de abril, destaca que as empresas norte-americanas estão engajadas em uma profunda modificação de suas estruturas, modelos econômicos e estratégias para responder à concorrência acirrada da Internet.
Uma empresa em cada cinco tem Internet
Levando em conta 107 empresas, o estudo estabelece que uma quarta parte delas já efetuaram mudanças na organização interna de seus serviços. E que 19% entre elas modificaram radicalmente seus projetos econômicos. Além disso, 24% das empresas pesquisadas já reestruturaram suas práticas de venda e revisaram seus procedimentos de comercialização para fazer face ao crescimento de poder do comércio eletrônico. Perto de um terço dos dirigentes de empresas interrogados avaliam que a Internet os tornou “bem mais” competitivos e 43% “um pouco mais”. Uma empresa em cada cinco utiliza a Internet para suas compras e vendas, e uma em cada cinco tem a intenção de fazê-lo em breve. Por fim, um pouco mais de um terço das empresas afirmam que a Web as tem ajudado a melhorar seus números de venda, e 47% seu volume.
Se o ano de 1999 ficará para a história como aquele em que a Internet invadiu a economia norte-americana, a análise de Kevin Kelly — autor do livro New Rules for the New Economy, para quem a nova economia não substituirá a antiga, mas se mesclará a ela por uma infiltração progressiva dos estratos inferiores — parece bem próxima de se concretizar. Mas há outros riscos ainda. O desenvolvimento da nova economia aparece freqüentemente como sendo incompatível com a proteção da vida privada. Milhares de informações sobre a vida das pessoas circulam na rede, são vendidas e trocadas, quase sempre sem que as pessoas envolvidas o saibam e sem que os governos se preocupem seriamente com isso. Por fim, a velocidade de propagação da net-economy está longe de ser a mesma em todo o mundo. Enquanto que os países do Norte investem bilhões de dólares em infraestrutura (fibras óticas, telefonia móvel, generalização da utilização de informática nas escolas e administrações públicas etc.), os do Sul, em razão da escassez de recursos, permanecem a reboque. Após te