Salvador tem direita para todos os gostos
Com o sucessor do prefeito ACM Neto na liderança, a direita tem ainda um candidato bolsonarista e outro que está na base de apoio do governador Rui Costa, do PT
Não se pode dizer que Salvador esteja mal servida de direita nestas eleições. Após dois mandatos de ACM Neto (DEM) na prefeitura e catorze anos do Partido dos Trabalhadores à frente do governo estadual, são três os candidatos que dividem a atenção desse eleitorado que se fortaleceu e elegeu, pela primeira vez, um presidente da República de extrema direita: Bruno Reis, atual vice-prefeito e candidato do Democratas à prefeitura da cidade; Cezar Leite, médico que se elegeu vereador pelo PSDB na onda do Movimento Brasil Livre e do bolsonarismo; e pastor sargento Isidório, o fundamentalista que defende a cura gay, candidato da base do governador petista Rui Costa.
A direita liberal de ACM Neto e Bruno Reis
Representando a direita (ultra)liberal na disputa, Bruno Reis é cria direta de ACM Neto, do DEM. Foi assessor do atual prefeito, depois eleito deputado estadual pelo PMDB dos irmãos Vieira Lima em 2010, contando com a força do prefeito da capital. Neto viu nesse movimento a possibilidade de atrair o partido para sua base.
Em 2016, coube a Bruno o papel de vice de seu padrinho político, em um movimento que colocou para escanteio a então vice, uma mulher negra, Célia Sacramento. Em 2020, após ocupar diferentes funções na administração do DEM e contar com a máquina, ele é o escolhido para suceder a Neto depois de oito anos da volta dos carlistas à Prefeitura de Salvador.
Apesar de o PT ser vitorioso em eleições estaduais e nacionais na capital baiana há muitos pleitos, a cidade foi governada pela esquerda apenas uma vez durante todo o período pós-redemocratização. Entre 1993 e 1996, o ciclo do carlismo foi interrompido por Lídice da Mata, hoje deputada federal pelo PSB, mas na época filiada ao PSDB. Lídice teve seu mandato boicotado pelo então governador ACM. Era uma relação bem diferente da atual cordialidade que marca a relação entre Rui Costa e ACM Neto.
Essa postura conciliadora talvez seja a principal diferença entre Bruno Reis e os outros dois candidatos de direita. Sua defesa das liberdades individuais não pode ser desatrelada das posições econômica e sociais. O apoio dele, junto a outros grandes nomes do DEM, como o próprio ACM Neto e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a projetos como o Teto de Gastos e a Reforma Administrativa, representa uma clara opção pela restrição dos investimentos públicos em áreas essenciais, como a saúde. Se no mar de conservadorismo atual ele pode parecer ter uma posição moderada, não se pode minimizar o impacto que esse tipo de modelo de sociedade tem, em especial sobre os mais pobres.
O bolsonarismo ganha vertente médica em plena pandemia
Diferentemente da atuação dos democratas, Cezar Leite, vereador do PRTB, se apresenta como legítimo defensor do bolsonarismo. Em uma cidade onde Bolsonaro perdeu em todas as zonas eleitorais e atualmente, segundo o Ibope, tem a menor aprovação entre as capitais, o posicionamento visa, na verdade, alçar espaço em outras casas legislativas. Ex-militante do Movimento Brasil Livre e ex-filiado ao PSDB, Leite tentou uma vaga, em 2018, como deputado federal, mas não foi eleito.
Conservador nos costumes e liberal na economia, é assim que Cezar Leite (PRTB) se declara, assumindo um tom que provavelmente seria capaz de agradar tanto à ministra Damares Alves como ao ministro Paulo Guedes. Do partido do vice-presidente Hamilton Mourão, Leite não tem direito a inserções no Horário Eleitoral Gratuito, o que não deveria ser um problema se ele seguir os passos de seu maior exemplo: o presidente Jair Bolsonaro, eleito utilizando amplas estratégias – diversas vezes denunciadas como ilegais – nas mídias digitais.
Não deixa de ser interessante acompanhar o desenrolar de candidaturas médicas em pleno cenário de pandemia. Assim como o ex-juiz Sérgio Moro ganhou proeminência como figura política em meio a um suposto combate à corrupção, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e seus inúmeros sucessores nos diversos níveis da administração ganharam visibilidade no contexto da crise sanitária. Sempre apontados como figuras técnicas e especializadas – diferentes, portanto, da tradicional imagem dos políticos –, eles tendem a ser vistos como salvadores da pátria, como se a salvação política estivesse em posicionamentos apresentados como apolíticos. A ver como isso se refletirá nestas eleições.
Na pesquisa eleitoral realizada pelo Ibope e divulgada no dia 5 de outubro, Leite apareceu empatado tecnicamente com as candidatas do PT e do PCdoB, Major Denice Santiago e Olívia Santana. Elas com 6% e ele com 3%, respectivamente. A margem de erro foi de 4 pontos percentuais.
O pastor sargento que é base do governo petista
Dividida em muitas candidaturas, a base do governador Rui Costa (PT) também tem um postulante de direita para chamar de seu: o pastor sargento Isidório (Avante). Além dele, são candidatas governistas major Denice (PT), Olívia Santana (PCdoB) e João Carlos Bacelar (Podemos). A estratégia política do governador em fomentar a divisão de sua base foi buscar, segundo ele, forçar a realização do segundo turno.
Para tanto, parece valer a pena inclusive incentivar a candidatura de um personagem que, de maneira contraditória, surfa na onda da direita fundamentalista e conservadora afirmando ser ex-gay e, portanto, a prova viva de que a cura gay existe. Pastor e sargento, Isidório mistura dois campos bastante complexos: o militar e o religioso.
Isidório tem na Fundação Dr. Jesus, sua clínica de reabilitação no interior do estado, o ponto de aproximação com os petistas. Com passagens pelo PT e PSB, Isidório expõe as contradições da política nacional, tendo se reaproximado dos petistas após a decisão do governador Jaques Wagner de apoiar sua clínica, sobre a qual recaem acusações de maus-tratos.
Deputado federal mais votado do estado em 2018, com mais de 300 mil votos, e com o apoio e estrutura do PSD, partido dos senadores Otto Alencar e Ângelo Coronel, Isidório não é apenas o candidato folclórico (ele próprio se apresenta como o “doido”); é a direita conservadora buscando governar a prefeitura de uma das maiores cidades do país. Ele ocupa atualmente a segunda posição nos levantamentos eleitorais. Declarando-se eleitor de Fernando Haddad, o pastor sargento pede agora reciprocidade do PT caso passe para o segundo turno.
Terá de combinar com os russos: a militância de esquerda, em um eventual segundo turno entre a cruz fundamentalista e a espada ultraliberal, já considera dar seus votos para o candidato de ACM Neto, temerosa com a experiência de Marcelo Crivella no Rio e a força da Bancada da Bíblia no Congresso. Em um estado considerado reduto da esquerda, essa parece uma perspectiva nada menos que desoladora.
*Nina Santos é pós-doutoranda no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e pesquisadora associada do Centre d’Analyse et de Recherche Interdisciplinaires sur les Médias (Université Paris II); Thiago Ferreira é jornalista, pesquisador associado ao Centro de Pesquisa em Estudos Culturais e Transformações na Comunicação (Tracc-UFBA) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo Póscom-UFBA.