Sangue latino no coração do Império
Cada vez mais numerosos e necessários à economia dos EUA, os imigrantes “hispânicos” estariam aderindo ao “american way of life”?Jean-François Boyer
Tudo cresce aqui entre as montanhas ocres que delimitam o vale verde: legumes, frutos, vinhas. Salinas Valley é uma dos canteiros que fazem da Califórnia um dos primeiros produtores agrícolas do mundo. O ultra-sofisticado sistema de irrigação estende seus tubos por quilômetros. Ajoelhados nos campos, os trabalhadores terminam a colheita. Os capatazes que os supervisionam 60 horas por semana são, como eles, mexicanos – mas experimentam algumas dificuldades para se fazer entender. A maioria dos empregados não fala espanhol. São índios triquis e mixtecos, originários do estado de Oaxaca, os mais pobres dos camponeses do México. Ganham aqui cerca de sete dólares por hora, dez vezes mais que no seu país. “Para nós, os indígenas, não há meio para viver lá”, torce o nariz Ramiro, 20 anos, metido num traje esportivo com o logotipo da equipe de futebol americano Fortyiners, de São Francisco. “Você deve escolher: ou permanece com o pueblo, com sua família e a vê morrer de fome, ou vai embora, vem aqui ganhar o dinheiro para eles sobreviverem.”
Os símbolos da sua nova vida se alinham ao redor do campo: automóveis de ocasião, em bom estado, que compram por menos de 1.000 dólares. Na hora do intervalo – não mais do que meia hora – tiram o telefone celular do bolso para tagarelar com os amigos.
Num espanhol aproximado, ou por meio de um tradutor, eles se queixam dos contratistas. Esses intermediários latinos [1], encarregados de recrutar a mão-de-obra para as fazendas norte-americanas, embolsam de 15% a 20% do fruto do seu trabalho. Assim, triquis e mixtecos não se juntam ao sindicato que negocia com as companhias agrícolas e lhes garantiria melhores condições de trabalho, um salário melhor, ou mesmo um seguro saúde. José Manual Morán, membro da Union of Farm Workers, o sindicato agrícola fundado nos anos 1960 pelo mítico mexicano-estadunidense César Chavez [2], lamenta:”Tudo que eles querem é um trabalho, poder comprar um automóvel, comer e enviar alguns tostões para os seus familiares. Eles vivem em oito ou dez pessoas numa casa de três cômodos ou pagam às vezes a metade do salário para viver em casal num só cômodo…”
Ilegais e discriminados – mas indispensáveis…
Noventa por cento dos trabalhadores agrícolas da Califórnia são imigrantes mexicanos ou centro-americanos clandestinos e sem documentos. Em plena expansão, a agricultura local não pode passar sem eles porque aqui não há quem queira trabalhar a terra nessas condições. Poucos são os que têm um parente munido de um título legal ou que se casarão com um cidadão norte-americano e poderão obter, ao fim longas de diligências burocráticas, uma licença de trabalho e um endereço, o famoso green card.
90% dos trabalhadores rurais da Califórnia são mexicanos ou centro-americanos, clandestinos. A agricultura não vive sem eles: ninguém mais aceita trabalhar nessas condições
Há vários anos, no entanto, os serviços de imigração não aparecem mais nos campos. Milhares de mexicanos, dos quais 4 mil indígenas, chegaram na povoação próxima de Greenfields, no fim dos anos 1990. Com exceção de alguns pequenos delinqüentes, nenhum foi deportado. “Business is business… Esse sistema é hipócrita”, conclui Morán.
Dom Andrés Cruz é o chefe dessa pequena comunidade indígena. Samuel Huntington? Não conhece, certamente. Também não sabe que o autor do Choque das Civilizações [3] desempenha um papel decisivo no debate atual sobre o tema da imigração latina nos Estados Unidos [4]. O famoso universitário não afirmou no seu último livro (Quem somos? [5]) e em numerosos em artigos, que os latino-americanos são inassimiláveis “na América que ele conhece e que ama”? De acordo com ele, “os fundamentos da cultura angloprotestante fundadora são: a língua inglesa, a cristandade (…), uma concepção inglesa da superioridade da lei, a responsabilidade dos líderes, o direito dos indivíduos (…), os valores protestantes do individualismo, a ética do trabalho e a crença de que os humanos têm a capacidade e o dever de criar um paraíso sobre terra…”
Nos EUA, como os estadunidenses
Impelido a prever se poderia cair nas graças de Huntington, dom Andrés responde sem provocação: “Sim, se nos derem a possibilidade, podemos nos tornar bons americanos!” Morán exagera. Greenfields provou, de acordo com ele, e por muito tempo, que os mexicanos são assimiláveis. A cidade aloja quatro vezes mais habitantes do que há trinta anos e 95% são mexicanos, incluindo o prefeito, os conselheiros municipais e os responsáveis escolares. A metade deles são cidadãos norte-americanos ou dispõem de um green card, respeita escrupulosamente as leis e paga religiosamente os impostos e as pesadas dívidas contratadas para adquirir os símbolos materiais do sonho americano.
Certamente, falam sempre em casa o espanhol. Mas todos se esclarecem em inglês. Particularmente as crianças nascidas aqui. Ao contrário de outros estados, como o Texas, por exemplo, não há mais escolas bilíngües na Califórnia. O ensino se dá unicamente em inglês. Quanto à capacidade de trabalho dessas pessoas vindas do sul, pede-se aos proprietários que pensem nisso!
“A maioria dos novos recém-chegados criará raiz aqui”, diz Morán. “Todos dizem a mesma coisa ao chegar: trabalho três ou quatro anos, faço economia e volto ao meu país para montar um pequeno comércio.” O tempo passa e se acostuma: ganha-se bem nos Estados Unidos, gasta-se muito também. Sobretudo quando se comprar uma casa. Mesmo se são ilegais, os trabalhadores que demonstram rendimentos regulares podem obter créditos. “E depois se casam, têm filhos. Crianças americanas! E aí está… Trinta anos depois continuam lá… Para pessoas como nós, o país é a terra onde se parte!” Mas o caminho é árduo…
A população de Greenfields quadruplicou em trinta anos e 95% são mexicanos. Metade é de cidadãos norte-americanos ou com green card. Respeitam escrupulosamente as leis e pagam religiosamente os impostos e as pesadas dívidas
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A alguns blocos dos arranha-céus do centro de Los Angeles, um restaurante anuncia num grande cartaz: Pupuseria [6]. Na perspectiva da avenida, para o leste, alinham-se centenas de letreiros: Tiendas Mariposa, El Palacio Centroamericano, Llantas Nuevas Zamora, Ropa para la Familia…. A paisagem não se alterará ao longo de 30 quilômetros até os confins da East Los Angeles. No caminho, o Plaza Olivera oferece um altar dedicado à Virgem de Guadalupe, padroeira do México, apoiado contra um monumental mural que reproduz as bandeiras dos Estados Unidos e de todos os países da América Latina. Os sem-documentos vêm aqui rezar à Virgem para que ela lhes ajude a fazer a sua boquinha nos Estados Unidos.
Vindo do Estado de Mixoacán, radicado na Califórnia desde os cinco anos, com a mãe e os irmãos, Carlos permaneceu 11 anos sem documentos e exerceu todos os pequenos ofícios possíveis, antes de se estabelecer como técnico em raios-X. Um percurso estafante. Os empregadores podem contratar trabalhadores, por hora ou por dia, sem lhes pedir documentos. Mas, para oferecer a eles um emprego remunerado mensal exigem o número do seguro social e a identidade norte-americana. Os imigrantes recentes não possuem esses documentos. Eles aprendem muito rapidamente que os patrões aceitam sem hesitar os falsos cartões de seguro social e as falsas carteiras de motorista, que se compra por 70 dólares em todos os mercados das pulgas do sul dos Estados Unidos.
Milhões de falsos documentos circulam assim, sem que o governo federal se importe muito. Munido dessa documentação precária, contratado como jardineiro, lavador de pratos num restaurante ou temporário numa empresa de limpeza, o trabalhador latino poderá viver durante anos como clandestino, num país que não pode prescindir da sua força de trabalho. Os norte-americanos rejeitam os pequenos ofícios urbanos tanto quanto o trabalho rural. De fato, 53% dos mexicanos que vivem nos Estados Unidos não dispõem de nenhum documento legal.
Aos 25 anos, Carlos é cidadão norte-americano graças ao procedimento de ajuntamento familiar promovido por um tio legalmente instalado. “Ainda não atingi o meu objetivo: uma casa e a estabilidade econômica para as minhas três crianças e minha mulher… Mas certamente permanecerei nos Estados Unidos…” Para economizar, ele trabalha à noite como manobrista no estacionamento de um restaurante.
Munido de documentos falsos – jardineiro, lavador de pratos ou temporário numa empresa de limpeza – o imigrante viverá anos como clandestino, num país que não pode prescindir da sua força de trabalho
Entre o orgulho e a reverência
A metade da população do condado de Los Angeles é latina: 4,5 milhões de pessoas. Os bairros onde ela se concentra – East L.A., em especial – difundem um ambiente pequeno burguês de aparência enganosa. A maioria das famílias que habitam esses lugares vive com menos de 20 mil dólares por ano, soma que, nos Estados Unidos, permite apenas fazer frente ao quotidiano [7]. E esses bairros alojam gangues temidas no oeste norte-americano.
Jovem político de 37 anos, nascido no estado de Zacatecas, no México, José Huizar passou a maior parte de sua vida adulta aqui, num chalé de madeiras velhas que dá para uma auto-estrada. Com cinco anos iniciou os estudos na escola pública até ganhar uma bolsa para se juntar a uma das melhores universidades do país: Princeton (New Jersey). Atualmente membro do patronato da sua universidade, este militante do Partido Democrata bateu-se durante vários anos por justiça na escola, à cabeça dos serviços de educação pública da grande Los Angeles. Faz campanha para se sentar no conselho municipal da cidade. Uma success story digna das melhores séries. O pai de José era um camponês iletrado.
No coração deste bastião mexicano, Huizar fala espanhol com dificuldade. É, no entanto, um migrante de primeira geração. Dizendo-se unido a uma cultura mexicana de conteúdo fluido – “uma maneira específica de se comportar, vestir-se… uma música… uma cozinha diferente…” – ele não se considera sempre como “assimilado”. No entanto, quando lhe perguntam o título do último romance que leu em espanhol, sorri e responde: “Tem razão, eu sou um pouco pocho…” Na gíria mexicana, o termo designa o imigrante que perde a sua língua natal e se derrete na cultura americana. “Eu sou orgulhoso de ser mexicano”, conclui ele, “mas agradeço aos Estados Unidos pelo que me deram: educação, trabalho… Tudo o que não existia nas montanhas zacatecas”.
O último recenseamento federal mostra que, no conjunto do país, 41 milhões dos residentes são de origem latina (14% da população) [8]. A metade nasceu fora das fronteiras, 65% tem ascendência mexicana. Em 2045, de acordo com o Pew Hispanic Center, o número de latinos girará em redor de 103 milhões. O espanhol já é a segunda língua do país. Os Estados Unidos são o segundo país de língua espanhola do mundo – após o México, à frente da Espanha e da Colômbia… Os jornais e programas noturnos das estações locais de Univisión, a gigante da televisão hispânica, têm freqüentemente mais audiência que os da ABC, CBS ou NBC, em Miami, Nova York ou Los Angeles.
O espanhol já é a segunda língua do país. Os Estados Unidos são o segundo país de língua espanhola do mundo – após o México, à frente da Espanha e da Colômbia…
Quando a imigração não atrai apenas os pobres
La Opinión, em Los Angeles; LaVoz, em Houston; Rumbo, no Texas; La Raza, em Chicago mostram a cada dia uma notícia de success story aos seus leitores: uma família de Mixoacán fundou sua própria vinícola, após a colheita das vinhas do Napa Valley durante uma geração… Um rapaz de 29 anos, nascido em Tijuana, acaba de lançar uma linha de camisetas… Por muito tempo pejorativo, o termo latino está na moda. A estrela mexicana de Hollywood Salma Hayek ou Jorge Ramos, apresentador-celebridade do jornal da Univisión, são modelos para a juventude urbana, todas de origens misturadas. Cantores bilíngües, como o mexicano Alejandro Fernandez e os Portoricains Chayanne, Jennifer Lopez, Ricky Martín, invadem as rádios e televisões, em espanhol ou inglês.
Vicente del Rio oferece com prazer tequila sobre o terraço de Frida [9], seu restaurante em Beverly Drive, não distante da montanha marcada com as letras gigantes Hollywood. Seu estabelecimento tornou-se o lugar de encontro dos yuppies do bairro, do show business latino e da comunidade judaica de Beverly Hills. Cada vez mais mexicanos de classe média ganharam os Estados Unidos nesses últimos anos. De acordo com pesquisa do Pew Hispanic Institute, dois em cada cinco mexicanos se dizem prontos a viver ali, mesmo sem documentos. A intenção de emigrar “não se manifesta mais apenas entre os pobres. Esse desejo é presente na classe média e mesmo nos círculos formados na universidade”, afirma o diretor da sondagem, Roberto Suro [10].
A velha idéia segundo a qual a imigração nasce da miséria não é mais suficiente para explicar o fenômeno. Instaurado no sul do Rio Grande, o modelo neoliberal se traduziu num aumento do número de pobres e do empobrecimento da pequena burguesia. Também tornou a juventude, atingida pela publicidade e pela televisão, mais sensível ao sonho americano.
A cultura híbrida dos imigrados
Assiste-se assim, de Chicago a San Antonio, ao nascimento de uma cultura híbrida: a juventude hispana dos bairros populares abandona a salsa e a cumbia tradicionais para um novo ritmo made in USA, o reggaeton, mistura indefinida de hip hop, rap e ritmos latinos. Pode-se, porém, encontrar aleatoriamente, numa balada californiana, quadros superiores mexicano-estadunidenses de terceira geração, falando mal sua língua original e contudo apaixonados pelo teatro chicano em espanhol.
A grande mídia latina derrama sobre o seu público uma programação embrutecida feita de publicidade, talks shows estúpidos e informações tendenciosas. Entretanto, do norte ao sul, um pouco por todo o país, emitindo em inglês, espanhol e diferentes dialetos indígenas mexicanos, a Radio Bilingue propõe programas de qualidade e se esforça para salvar a cultura original dos hispânicos da dissolução no melting pot comercial.
O mundo político ganhou espaço nos representantes da segunda comunidade nacional. Dois dos principais ministros de George W. Bush – o secretário de Justiça, Alberto Gonzalez, e o secretário do Comércio, Carlos Gutierrez – são latinos. Vinte e cinco deputados e senadores (mexicanos, cubanos e porto-riquenhos de origem) têm assento no Congresso. Mais de vinte prefeitos hispânicos gerem cidades com mais de 100 mil habitantes na Califórnia, Texas, Flórida e Connecticut. Para muitos, a eleição de Antonio Villaraigosa, mexicano de segunda geração, para prefeitura de Los Angeles, em 2004, constituiu uma surpresa ou mesmo um choque.
40% dos mexicanos estão prontos a viver nos EUA, mesmo sem documentos. A intenção já não se manifesta apenas entre os pobres: atinge a classe média e os círculos formados na universidade
O american dream é evidentemente o maior objetivo de um grupo de pressão constituído pelas principais personalidades latinas. Pesquisador na Universidade Jesuíta Californiana Loyola Marymount, David Ayon batizou-a de Rede Latina. Nascido há 48 anos no Texas, de pai mexicano engajado no exército americano durante a segunda guerra mundial, Ayon explica que essa rede se apóia nos altos funcionários de origem latina e nas grandes associações dirigidas por mexicano-americanos como a League of United Latino American Citizen (Lulac), o Mexican American Legal Defense and Educationnal Fund (Maldef) ou o Consejo de la Raza, organizações largamente abertas aos latinos de todas as origens.
Redes pró-imigrantes e identidade cultural
Simultaneamente, eles trabalham para uma integração rápida e apóiam no Congresso os projetos de leis que tendem a regularizar a situação dos sem-documentos e dos programas sociais dos quais os migrantes podem se beneficiar. Debatem igualmente para facilitar a progressão escolar das crianças que falam inicialmente apenas o espanhol, e para fazer respeitar os direitos dos trabalhadores hispânicos. Sobretudo, distribuem milhões de dólares em bolsas para permitir o acesso à universidade dos filhos de imigrantes.
Essa rede latina situa-se globalmente no movimento do Partido Democrata. Henry Cisneros (ex-presidente da câmara municipal de San Antonio e ministro de Bill Clinton), Bill Richardson (governador do Novo México) e Robert Menéndez (deputado democrata de New Jersey, cubano-estadunidense), desempenharam papel decisivo na sua constituição. Eles financiaram, por exemplo, as campanhas de Antonio Villaraigosa em Los Angeles e do senador Ken Salazar no Colorado. No entanto, certas personalidades da Rede Latina aproximaram-se, nos últimos anos, do Partido Republicano. Carlos Olamendi, proprietário de uma cadeia de 50 restaurantes, juntou-se à equipe de Arnold Schwartzeneger, o governador direitista de Califórnia.
A Rede Latina privilegia o trabalho de lobby realizado junto às autoridades federais. Ela se mostra menos receptiva às tentativas dos governos mexicano e centro-americanos que solicitam seus serviços para defender seus interesses em Washington. Seria falso crer, sorri Ayon, “que a comunidade latina nos Estados Unidos é a América Latina transplantada aqui”.
Uma rede menos influente, que Ayon nomeia de Rede Mexicana, opõe-se mais ativamente à assimilação. De Chicago a San Antonio, organiza-se localmente em clubes de oriundos, pequenas associações que reúnem mexicanos naturalizados e imigrantes originários de um mesmo lugar que se agrupam em federações. Os mais ativos são dos estados mexicanos de Zacatecas, Mixoacán e Guanajuato, de onde saíram, desde a segunda guerra mundial gerações sucessivas de imigrantes. Os clubes financiam projetos sociais e a construção de escolas ou de centros esportivos nos seus municípios de origem, no México.
Mais do que a “fibra patriótica” são a falta de opção e as precárias condições de vida que empurram os jovens latinos para o exército
Para angariar fundos eles organizam bailes ou banquetes, animados por um mariachi ou um grupo de música norteña. A Rede Mexicana mantém relações muito estreitas com os consulados mexicanos e o Instituto dos Mexicanos do Exterior, criado pelo presidente Vicente Fox para apoiar o seu governo nas negociações com Washington. Mas os clubes de oriundos recrutam pouco nas grandes cidades. Os latinos parecem mais preocupados em se estabelecer no país do que instituir sua nação de origem nos Estados Unidos.
“Patriotismo” ou falta de opções?
A análise do comportamento dos latinos feito por Harry Pachon, presidente do Instituto Político Tomás Rivera da Universidade da Califórnia Sul, vai nesse sentido. Caracteriza-se, diz ele, “por uma forte ética do trabalho e pela renovação do ideal norte-americano de que o labor intenso e a perseverança conduzem a uma vida melhor”. A idéia de que os Estados Unidos são uma terra de oportunidades, acrescenta ele, explica também que os latinos sempre tenham manifestado “um grau elevado de patriotismo”: 300 mil norte-americanos de origem mexicana participaram na segunda guerra mundial e 130 mil latinos foram recrutados sob a bandeira norte-americana no início da segunda guerra do Iraque.
Primeira deputada federal de origem nicaragüense, Hilda Solis ameniza esse julgamento. O distrito de Los Angeles, no qual foi eleita, lamenta a morte de 11 latinos no Iraque. Mais do que a fibra patriótica, explica ela, são a falta de opção e as precárias condições de vida que empurram os jovens latinos para o exército. E a esperança de obter documentos verdadeiros, pagos pelo preço do medo e do sangue, após cumprir o serviço militar.
Solis confirma igualmente que embora votem majoritariamente no Partido Democrata, uma vez naturalizados, os latinos tendem “a passar para a direita” logo que acedem à classe média. Trinta por cento deles deram a preferência a Schwartzeneger e 40% a Bush. Os cubanos de Miami não são mais os únicos a apoiar o presidente George W. Bush. Brilhante advogado mexicano-estadunidense de segunda geração, nomeado ministro da Justiça em 2004, Alberto Gonzalez, por exemplo, defendeu as políticas prisionais de Abu Graib e Guantanamo. Em total contradição com os princípios (pelo menos afirmados!) das democracias latino-americanas: respeito aos direitos humanos e não-intervenção.
Muitos clandestinos, poucos eleitores
A sub-representação política dos latinos não preocupa menos o Partido Democrata. Dos 41 milhões que vivem nos Estados Unidos, apenas 7 milhões têm o direito a voto, e é pouco provável que em curto prazo possam pesar no futuro político do país. No México, Carlos Gonzalez, diretor do Instituto dos Mexicanos no Exterior, mostra uma das chaves do problema: “A estrutura da economia americana não permite mais ao imigrante recente atingir rapidamente, como nos anos 1950 e 1960, um estatuto de classe média. É essencialmente uma economia de serviços, que privilegia as elites do conhecimento e gera subclasse sem possibilidade de promoção vertical”. Muito restritiva, a política migratória dos Estados Unidos condena por longo tempo esses setores ao estatuto dos sem- documentos, à parte das disputas eleitorais.
Existe um verdadeiro business da nostalgia. As cadeias de supermercados latinos faturam milhões. Os hispânicos penetram mais facilmente no mercado que no mundo político…
Na Califórnia, em todo caso, a arquitetura e o urbanismo evoluem ao ritmo da imigração, como atesta a fachada neocolonial do hipermercado de São José, a capital do Silicon Valley. Os proprietários de Mi Pueblo vieram do México há menos de trinta anos. As vitrinas mostram tortillas de milho, molhos picantes, feijões pretos em conservas e pimentas de todas as espécies… Inúmeros produtos levam a marca El Mexicano, a dos irmãos Márquez, imigrantes de primeira geração, que instalaram suas fábricas na entrada da cidade. “Existe aqui – diz Bruno Figueroa, cônsul geral do México em São José – um verdadeiro business da nostalgia”. As cadeias de supermercados latinos faturam cifras milionárias. Em resumo, os hispânicos penetram mais facilmente no mercado norte-americano do que no mundo político…
O poder de compra anual da comunidade latina beira 700 bilhões de dólares – 200 bilhões a mais que o PIB da Argentina… As grandes redes de varejo investem somas consideráveis em marketing e publicidade para se introduzir neste mercado. Dois milhões de empresas hispânicas geram cerca de 250 bilhões de dólares de negócios anuais e mais 2 milhões de empregos: cadeias de supermercados e restaurantes, empresas de limpeza, mídia, agências de publicidade, companhias de transporte e de embalagem…
Ser um pouco México, para ser sempre EUA
Na internet, as câmaras de comércio hispano-americanas mostram listas intermináveis de pequenas e médias empresas. Os latinos criam mais que os brancos ou negros norte-americanos. O US Bank e a US Hispanic Chamber of Commerce (USHC; 40 câmaras na Califórnia, 20 no Texas) levantaram, há pouco, um plano nacional de financiamento das empresas latinas de 1 bilhão de dólares. Essa integração econômica se traduz, sem surpresa, em termos políticos. O USHC, por exemplo, apoiou publicamente a nomeação, por Bush, do juiz ultraconservador John Roberts à presidência da Corte Suprema, em 2005. É verdade que, em matéria de família, aborto ou homossexualidade, a maioria dos imigrantes recentes – católicos praticantes – não cedem uma polegada aos ultras norte-americanos.
Em Houston, Juan Alvarez, um dos numerosos militantes centro-americanos – mais politizados que os mexicanos -, que se debatem para defender os direitos dos migrantes, faz diariamente um tour pelas esquinas – estações, supermercados e cruzamentos – onde os trabalhadores sem documentos divulgam seus serviços de diaristas às empresas de construção. Haveria 100 mil jornaleros em todo o país e 6 mil em Houston. Em meados de outubro, curiosamente, as esquinas estão quase vazias. Alvarez dá a explicação: “Quatro mil partiram nesses últimos dias para trabalhar… em Nova Orleans.”
Desde o fim setembro de 2005 milhares de latinos sem documentos participam da limpeza da cidade destruída. Pouco lhes importa que os sal?