Saúde precária
O plano de Tony Blair para “recuperar” o sistema hospitalar parece perdido em privatizações e cortes de direitosMartine Bulard
Desde Julho de 2002, os pacientes que esperavam mais de seis meses para submeter-se a uma cirurgia do coração com tórax aberto, podem recorrer a uma clínica particular, sem precisar desembolsar dinheiro (exceto para os serviços de recuperação). Este é um dos resultados mais palpáveis da reforma lançada pelo governo Tony Blair, ao chegar ao poder em 1997. O que não constitui nenhum motivo para se orgulhar, tendo em vista que este tipo de cirurgia é realizado freqüentemente em caso de emergência – em todo caso, a curto prazo. Antes os pacientes podiam esperar duas ou até três vezes mais, sem, no entanto, terem garantia de ser atendidos. Para uma operação de catarata, há espera de duzentos dias em média1 . Segundo a revista Clinical Onkologiy, 20% dos britânicos portadores de câncer pulmonar, não podem mais ser tratados de maneira adequada. Em decorrência dos prazos de espera, a doença atingiu um estágio demasiado avançado2 . Os pacientes que dispõem de recursos dirigem-se a clínicas particulares ou vão para o exterior.
O candidato Tony Blair havia prometido remediar o desmoronamento do sistema de saúde britânico que, originariamente, fornecia tratamentos gratuitos a toda pessoa residente no Reino Unido. Os governos conservadores haviam reduzido os financiamentos públicos para, em seguida, impor critérios de rentabilidade e incitar à privatização latente3 . Em 1999, o Reino Unido dedicava 6,9% de seu Produto Interno Bruto (PIB) à saúde. Era uma das taxas mais baixas da União Européia. Na França, a porcentagem era de 9,3%; na Alemanha, de 10,3%4. No Reino Unido, o número de médicos por 10 mil habitantes é de 1,7: duas vezes menos que na Alemanha (3,4) ou na França (3,2).
Privatização sorrateira
Blair não questionou a privatização sorrateira dos hospitais, cujos custos de funcionamento se elevaram
Em 2002, o governo Blair lançou um plano de reforma5 destinado a compensar o atraso britânico. As despesas começam a ser efetuadas e as contribuições previdenciárias aumentam: tanto as pagas pelos assalariados (de 10% para 11%) quanto por empregadores (de 11,8% a 13,8%). As verbas liberadas permitiram a construção e a modernização das unidades de tratamento e o recrutamento de 30 mil pessoas, entre 2001 e 2004. As despesas globais (7,7% do PIB em 2003) permanecem muito abaixo das metas. O patamar de 9,5%, previsto para 2005, não será atingido. Aliás, mesmo tratamentos antes pagos pelo serviço público, passam a ser assumidos apenas parcialmente (custos para ótica e dor de dente). Tony Blair não questionou a privatização sorrateira dos hospitais, cujos custos de funcionamento se revelaram, no entanto, mais elevados (de 5% a 12%)6 . Contentou-se em mudar a denominação: estes hospitais tornaram-se fundações e não mais trusts.
Enfim, a desaceleração do crescimento britânico, desde o início do ano, a disseminação dos pequenos empregos em tempo parcial (três mulheres assalariadas entre dez) e salário parcial se traduzem por uma baixa relativa dos recursos públicos.
São os orçamentos sociais que sofrem cortes prioritariamente. Sempre disposta a uma má batalha, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) alertou, recentemente, contra o aumento das despesas no âmbito da saúde e da educação7. Parece que a mensagem foi recebida.
(Trad.: Simone Pereira Gonçalves)
1 – “Causas da Disparidade dos Prazos de Espera Tratando-se de Cirurgia não-urgente nos Países da OECD”, Relatório da OECD, Paris. 2004.
2 – Citado por Odile Join-Lambert e Florence Lefresne, “O National Health Service: uma instituição perene em plena transformação”, Chronique internationale de l?IRES, nº 91, Noisy-le-Grand, Novembro de 2004.
3 – Resumindo, os médicos generalistas tornaram-se compradores de serviços (general practitioner fundholders) nos hospitais (para os tratamentos que necessitam de especialistas). Estes hospitais são atualmente independentes e autorizados a fazer lucros e aplicá-los (national health trusts).
4 – A soma dos recursos dedicados à saúde nem sempre representa uma garantia de eficiência (os Estados Unidos dedicam 13,6%), mas existe um limite mínimo a ser atingido.
5 – Relatório Wanless, Securing Our Future Health: Taking a long Term View, Ministério das Finanças, Londres, abril de 2002.
6 – Ler Allyson M. Pollock, NHS plc, The Privatisation of Our Health Care, Verso, Londres, 2004.
7 – OECD, Estu
Martine Bulard é redatora-chefe adjunta de Le Monde Diplomatique (França).