Ser oposição
O que temos pela frente é o desafio de aprender novamente a ser oposição, debater e participar das mobilizações da sociedade civil que expressam suas necessidades e demandas do dia a dia. É a disputa pela qualidade de vida que importa.
Para enfrentarmos o governo Bolsonaro, fazermos o debate público sobre as reformas neoliberais e os cortes nas políticas sociais, denunciarmos a espoliação dos trabalhadores e organizarmos a resistência à destituição de direitos, precisamos em primeiro lugar identificar o lugar de nossas falas.
Se durante mais de dez anos exercemos a pressão e o diálogo com o governo federal, e nos envolvemos na discussão das políticas públicas e nos mecanismos de gestão participativa, agora a situação mudou. Se não há como influir no governo, não há por que discutir programas de governo e políticas públicas.
O que temos pela frente é o desafio de aprender novamente a ser oposição, debater e participar das mobilizações da sociedade civil que expressam suas necessidades e demandas do dia a dia. É a disputa pela qualidade de vida que importa.
As pesquisas de opinião voltaram a ter a saúde e a educação como os principais problemas dos brasileiros e brasileiras. O desemprego e os baixos salários estão também em destaque. A segurança pública preocupa. Esses são os principais problemas identificados na última pesquisa Datafolha,1 e é com essas questões que temos de lidar – denunciando, por exemplo, as isenções tributárias dadas a setores da indústria, do comércio e do agronegócio, que em 2017 somaram R$ 270 bilhões. O que não daria para fazer se injetássemos R$ 40 bilhões no atendimento do SUS e outro tanto na Educação? A crise das universidades públicas e dos institutos técnicos federais veio de um corte/contingenciamento em seu orçamento que não chegou a R$ 4 bilhões.
O momento político de destruição da democracia e destituição de direitos é global. Por toda parte os neoliberais e a extrema direita atacam direitos em nome do argumento de que as políticas sociais não cabem no orçamento público. A estratégia é reduzir os custos de reprodução da força de trabalho, deixando maior margem para os lucros.
Essa redução de custos envolve a precarização das relações de trabalho, o aumento da informalidade, o aumento do desemprego, o congelamento dos salários, os cortes na Previdência e na Seguridade Social, a redução dos gastos com saúde e educação, entre outras políticas. Tais iniciativas são escolhas, não são inevitáveis. Elas aprofundam a espoliação de todos os que vivem do próprio trabalho.
E há também formas de resistência que surgem no cenário internacional contra essa destituição de direitos.
Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista inglês, cobra publicamente dos conservadores que estão no governo as vagas para as crianças nas escolas públicas e onde foram parar os recursos destinados à educação.
Bernie Sanders, senador democrata nos Estados Unidos e pré-candidato à presidência desse país, criou um movimento na sociedade civil chamado Nossa Revolução (Our Revolution), que em três anos já organizou mais de seiscentos comitês locais por todo o território norte-americano e tem como plataforma política dobrar o salário mínimo e oferecer ensino e saúde públicos e gratuitos a todos.
Jean-Luc Mélenchon, líder do movimento França Insubmissa, se propõe a enfrentar a desigualdade, taxar fortemente os ricos e as finanças, aumentar os gastos em políticas sociais e ampliar os direitos dos trabalhadores, o que inclui o aumento do salário mínimo para 1.700 euros. No campo dos valores, defende o direito ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na questão das mudanças climáticas, propõe que a França passe a ser protagonista na defesa do meio ambiente.
Esses líderes da resistência cidadã à voracidade das grandes empresas têm uma linguagem comum: eles apresentam soluções para os problemas cotidianos das maiorias. Propostas bem concretas, que todo mundo entende. E vão ganhando cada vez mais espaço na cena pública.
Se quisermos aprender com essas experiências exitosas de ser oposição, de mobilização em defesa de direitos, temos de mudar nosso discurso, sair da posição de sugerir novas políticas, novos programas de governo, e ganhar o espaço público, promover manifestações nas ruas, debates públicos, apoiar aqueles que apresentam suas demandas, promover uma maior articulação entre os inúmeros grupos formais e informais que vão se criando para reagir e defender seus direitos.
As possibilidades começam a ser discutidas: promover campanhas com o pedido de impeachment de ministros; judicializar a política para travar projetos de destituição de direitos no Congresso; cobrar a independência e o respeito à Constituição de poderes como o Congresso, o STF, o TSE e o Exército; pressionar jornais e instituições empresariais a se posicionarem; abrir diálogo com os setores conservadores, com as igrejas, sobre uma agenda de direitos que garanta um mínimo de qualidade de vida, sobre meio ambiente, sobre segurança pública.
As oposições têm o desafio de enfrentar as eleições municipais do ano que vem. A questão do desenvolvimento no território, dos circuitos curtos de produção e consumo, passa a ser central se quisermos nos somar aos descontentes. Precisamos assumir como bandeiras eleitorais a solução dos problemas concretos locais que expressem as demandas e necessidades dos trabalhadores do município.
Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
1 “Datafolha aponta que 18% dos brasileiros consideram saúde como principal problema no país, 15% dos entrevistados estão mais preocupados com educação, e outros 15% com o desemprego”, G1, 5 set. 2019.