Siga o líder?
Para o professor Lenz, embora os cidadãos avaliem os políticos com base em seu desempenho, suas posições políticas importam pouco para os eleitores. Na sua teoria, os cidadãos primeiro escolhem um político e depois adotam as opiniões políticas desse político
A última pesquisa de opinião do Datafolha saiu e surpreendeu críticos do governo Bolsonaro. Nela, o apoio ao presidente resiste às falas e ao comportamento irresponsável do chefe do Executivo federal brasileiro. Muito acontecimento grave já ocorreu desde que Bolsonaro foi eleito. Dois ministros com grande popularidade, o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Justiça, Sergio Moro, por exemplo, foram constrangidos a sair do governo. Não me interessa, aqui, enumerar tudo o que já vivemos, mas, sim, refletir sobre a resiliência (para usar a palavra da moda) de apoiadores, que têm se mostrado capazes de aceitar quase tudo de seu líder. Também não me alongarei demasiadamente nas características que levam um chefe de estado como Bolsonaro servir de exemplo de liderança, mas cabe uma reflexão curta.
O presidente tem tido uma bem-sucedida capacidade e uma habilidade quase intuitiva de construir e reconstruir narrativas que permitam, em qualquer situação em que esteja, ganho político ao final. Isso pode ocorrer mesmo que esta narrativa esteja totalmente divergente da realidade e dos fatos. Bolsonaro parece ser capaz de encontrar pequenos detalhes em uma situação na qual se vê em conflito, explorando-os até surgir a sua verdade. Seria como se operasse numa dinâmica na qual exercesse, não uma liderança tradicional de governantes carismáticos, mas um tipo de anti-liderança, na qual, curiosamente, está a sua maior força.
Pensando em paralelo, poderíamos explicar a sustentação de sua base por uma mudança da metodologia da pesquisa, que tem sido feita de maneira inédita por telefone em razão da epidemia do novo coronavírus no Brasil. O instituto ainda estaria se adaptando a novas questões metodológicas. Existe também a possibilidade de haver um erro amostral ou até mesmo uma pergunta apressada, acarretando, eventualmente, um resultado muito divergente do que parte da sociedade tem sentido a sua volta. Sim, todas essas são possibilidades plausíveis, ainda que pouco prováveis, mas não creio na hipótese de um erro de grandes proporções do DataFolha, segundo o qual deixaria de ser captado um enorme contingente de insatisfeitos no Brasil.
Outras pesquisas apontam para outra direção, em que se contabiliza uma piora sistemática da base de apoio a Bolsonaro. Creio que o momento atual é realmente difícil para aferir desembarques ou manutenção da base bolsonarista, até porque estamos em plena mudança do perfil de apoiadores do presidente. O meu argumento aqui é mostrar que ainda está viva uma base de sustentação do governo Bolsonaro ainda que esta mesma base esteja diminuindo ou que talvez não tenha sofrido completamente os estragos de sua administração extremamente irresponsável em relação aos efeitos da pandemia na saúde das pessoas e na economia. Finalmente, é importante pensar nesta persistente resistência da base bolsonarista a fim de entender para onde vamos. Tento contribuir com essa ideia a partir daqui.
Siga o líder
Roubei o título deste artigo do livro do professor Gabriel Lenz, da Universidade de Berkeley, Califórnia. Fiz isso porque ele explica de algum modo a persistente base de apoio do presidente da República. Conheci o trabalho do professor Lenz em 2018, quando fui PhD fellow na UC Berkeley. Durante alguns dias da semana, eu dava expediente no CLAS (Center for Latin American Studies – UC Berkeley) e seguia as aulas do professor em um anfiteatro que cabiam mais de 500 pessoas. A aula era ministrada com microfone e um telão de cinema ao fundo, tinha alunos do mundo inteiro.
Foi nesse período que eu li o seu Follow the Leader? How voters respond to politicians policies and performances. Este livro pode ser uma chave importante para o ambiente político brasileiro. Primeiro porque sua tese tem uma importância fundamental para a construção de ambientes democráticos, uma vez que lança luz sobre essas questões centrais do pensamento democrático. Depois, porque ela toca em um ponto de vista muitas vezes encoberto na Ciência Política e que diz respeito ao estudo de opinião pública e comportamento eleitoral.
Parte da literatura política contemporânea dá conta de que, numa democracia, geralmente presumimos que os eleitores conhecem as políticas que preferem e, consequentemente, elegem políticos que pensam de acordo com elas. Sendo assim, os eleitores esperam que esses políticos somente as executem. Robert Dahl disse algo parecido. Para ele, as eleições em um ambiente democrático seriam fundamentalmente sobre eleitores expressando suas preferências em políticas públicas.
A partir de uma análise realizada em diferentes casos nos Estados Unidos e na Europa, Lenz se pergunta se essa ideia realmente se aplica na prática e parte para os seguintes questionamentos: durante a escolha dos candidatos, os eleitores consideram as posições políticas de cada um deles em suas preferências de voto? O desempenho desses políticos no cargo influencia a decisão de votação? Os eleitores consideram a competência e a honestidade características importantes dos políticos?
Talvez parte importante das respostas para a resistência da base bolsonarista esteja nessas ideias. Para o professor Lenz, embora os cidadãos avaliem os políticos com base em seu desempenho, suas posições políticas importam pouco para os eleitores. Na sua teoria, os cidadãos primeiro escolhem um político e depois adotam as opiniões políticas desse político. Sendo assim, os eleitores utilizam as informações ao seu redor para construir ideias e avaliações de seus políticos eleitos e, mesmo quando uma questão política se torna muito importante, raramente transferem seus votos para o político cuja posição está em maior consonância com a sua. Isto é, they follow the leader.
Performance
Segundo o autor, o eleitor se fixa mais e de maneira mais atenta à performance do político do que à política pública que este defende. Isso se daria por algumas razões, entre elas, porque é mais fácil para o eleitor atentar mais para a performance do que para as políticas públicas. Tendo em vista do que estamos vivendo, a teoria de Lenz nos joga num cenário incerto e ruim, pois indica que, em geral, os eleitores – de forma cega – seguem políticos que já preferem, o que se torna um obstáculo para a mudança de comportamento eleitoral.
Nas palavras de Lenz, “questões políticas requerem conhecimento das posições dos políticos sobre determinada política e exigem que os eleitores tenham opiniões próprias sobre essas políticas (…). Outras explicações sobre por que os problemas de desempenho parecem ter mais importância do que os problemas de política. Os eleitores podem ter falhado em julgar tanto os políticos quanto às políticas, não porque as questões políticas são de difícil compreensão, mas porque os políticos podem anular mais facilmente o impacto das questões políticas por meio de várias estratégias, incluindo a mudança se suas próprias posições em direção a posições mais populares ” [livre tradução da autora]. O exemplo americano segundo o qual Trump sugere a ingestão de detergente em combate ao coronavírus, o qual foi seguido por alguns eleitores, ilustra bem a ideia.
Essas ideias não nos levam a um cenário melhor, obviamente, mas o que me faz querer compartilhá-las é que, por um lado, as teorias não são totalizantes e, portanto, não dão conta sozinhas 100% de um mesmo fenômeno. Sendo assim, o trabalho de Lenz, embora fundamental para compreender esse comportamento da opinião pública, talvez não deva nos levar ao total pessimismo e nos tirar a esperança por mudanças. Por outro lado, ele chama atenção para questões fundamentais sobre a natureza do comportamento do eleitor e da opinião pública. Talvez, no momento em que estamos, um bom ponto de partida seja aceitarmos que o bolsonarismo ainda tem uma base forte, que vive apartada do mundo real e que se mantém sempre capaz de sustentar qualquer atitude do governo porque viu em Bolsonaro uma liderança e seguirá apoiando. Esta é a parte triste da história.