Sindicalistas de segunda classe
Além de não serem consideradas iguais em sua vida profissional, as mulheres também não são valorizadas nos sindicatos. Uma coisa talvez explique a outra.Martine Bulard
Quantas mulheres são delegadas sindicais, representantes dos funcionários e outras eleitas nas Comissões de empresas? Ninguém responde. Nem o Ministério do Trabalho, nem os outros organismos oficiais, nem os sindicatos. Imagine o escândalo se tal ignorância se desse no mundo da política. Saber que só há 10% de eleitas na Assembléia Nacional (Congresso) não modifica fundamentalmente a condição feminina no Parlamento ou no país. Mas a revelação desta marginalização acabou sacudindo a França, a ponto de impor uma revisão de sua Constituição.
No ambiente das empresas, não chegamos ainda a isto, mesmo que as estatísticas e as pesquisas comecem a avançar. [1] No plano sindical, ainda existe um biombo de chumbo, embora o governo tenha finalmente exigido que sejam revelados dados de acordo com o sexo. [2] Por enquanto, somente um estudo recente sobre o Conselho Econômico e Social, composto essencialmente por delegados nomeados pelas direções sindicais, pode dar uma (pequena) idéia da situação na França. As mulheres representam 19% dos 231 membros, contra 12% cinco anos atrás. E este pequeno avanço ainda se deve ao governo Jospin, que designou personalidades qualificadas no outono de 1999.
Desafios do poder são frágeis
Quanto aos sindicatos, definitivamente não têm a fibra feminista. O Medef não designou nenhuma mulher, a FEN e a CFTC também não. A CGC só designou uma (entre sete membros delegados); também a FO, só uma (entre dezessete delegados), a CGT, quatro, e a CFDT, [3] cinco (entre dezessete). [4] Só temos uma mulher na direção desta douta assembléia. E sem qualquer responsabilidade.
O fato é que os desafios do poder ainda são bastante frágeis: o Conselho só exerce um papel preventivo e de consulta. Imagine-se o resultado, quando se trata de ratear o poder de negociação. Na realidade, no campo econômico e social, as mulheres são ainda cidadãs de segunda categoria. Além de não serem consideradas iguais aos homens em sua vida profissional, também não são valorizadas na vida sindical. Uma coisa talvez explique a outra.
Negação da feminilidade
Seria exagero dizer que nada mudou. Entretanto as mudanças são lentas, mais lentas que a feminização dos empregos. Mais lentas do que se poderia supor, vendo as mulheres exercerem responsabilidades de primeiro plano dentro de suas organizações. Nicole Notat mantém as rédeas da CFDT há anos; Monique Vuiallat as da FSU e, daqui para a frente, Josette Charuel estará à cabeça do SUD. Do outro lado do balcão a situação é menos atraente. Em primeiro lugar porque todo mundo sabe que não basta ter uma mulher à frente de uma empresa, de um serviço ou de um sindicato, para que a posição do pessoal feminino na empresa, no serviço ou no sindicato seja revertida. Pelo contrário.
Para conseguir sucesso, as pioneiras freqüentemente tiveram de se adaptar aos moldes masculinos de integração. Esse tipo de “negação da feminilidade”, no dizer de uma militante, repercute às vezes sobre sua maneira de comandar, bem como sobre a imagem que transmitem: as novas gerações querem compartilhar o poder sem abrir mão do que elas são enquanto mulheres. Ainda mais grave, os efeitos visíveis podem esconder o vazio da ação e da reflexão. O que Lydia Brovelli, secretária da CGT, traduz da seguinte forma: “Podemos nos sentir perfeitamente tranqüilas, acreditando ter dado um passo decisivo, quando na realidade não muda nada, ou quase nada”. No seu sindicato, participam da diretoria da Confederação e a Comissão Executiva (o parlamento, de certa forma) o mesmo número de homens e mulheres. Uma conquista.
Mas na base, a CGT não sai de 30 a 33% de filiadas, embora as mulheres representem cerca da metade da população ativa. [5] Nos escalões intermediários (uniões departamentais [6] ou federações profissionais) registra-se até um recuo. Na CFDT, as filiadas representam 42% do total de assalariados, mas sua presença é menor nas direções (duas dos sete da Comissão Executiva, um pouco menos de um terço da direção nacional), e elas são quase marginalizadas nas organizações profissionais e departamentais. O SUD aponta um número quase idêntico na base (40% de filiadas) e no seu estado-maior nacional (35%), mas apresenta o mesmo vazio nos departamentos.
Na FO, o número de mulheres nas direções é ainda menor (12% na Comissão Executiva) e o sindicato nem mesmo sabe o número de suas associadas. O que não tem absolutamente nada de surpreendente se lembrarmos as intenções duvidosas de Marc Blondel, manifestadas por diversas vezes com relação a Nicole Notat, e repetidas por alguns dirigentes federais (como os que insultaram, em 1999, Laure Adler, num programa da “France Culture”).
O muro invisível
Todos os sindicatos estão diante das mesmas dificuldades, apesar de histórias e práticas muito diferenciadas. Deveríamos então concluir que existem dados objetivos, que apesar de lamentáveis são incontornáveis? É claro que ninguém ousa dizer que as mulheres não têm “queda para sindicatos” como se diz de alguém que não tem “queda para a matemática”. No entanto é freqüente ouvir dizer que elas são “mais individualistas que os homens” e que são “um freio à ação coletiva”. Ocupando na maioria das vezes empregos precários, elas são certamente mais sensíveis às chantagens de suas direções: as tradicionais jornadas de ação e as grandes manifestações sindicais não lhes parecem definitivamente muito necessárias.
Mas da ação das enfermeiras à dos fiscais de renda, no início do ano, há uma longa lista, nos últimos anos, de conflitos sociais majoritariamente femininos — e no final de contas, muito feministas. [7] Menos espetaculares mas tão importantes, as atuais lutas pela efetivação da jornada de 35 horas mobilizam bastante as mulheres, primeiras vítimas da flexibilização à moda patronal. Elas lutam, filiam-se às vezes a um sindicato, mas não ultrapassam as escalas hierárquicas dentro das organizações. O famoso “teto de vidro”, esse muro invisível que impede as mulheres de terem acesso às responsabilidades, não existe somente nas empresas.
O obstáculo viria, dizem, da dificuldade de utilização do tempo. Já absorvidas pelo trabalho profissional e as tarefas domésticas, as mulheres não poderiam ser submetidas a “uma tríplice jornada”, militando num sindicato. A constatação não é inteiramente falsa e “o tempo das mulheres não é igual ao dos homens”, como diz Irene Théry. O tempo delas seria valorizado se fossem feitos esforços reais para derrubar os obstáculos. E principalmente porque esta realidade só é parcial: todos os estudos comprovam o aumento contínuo da participação das mulheres na vida associativa. [8]
Para explicar esta discrepância, podemos mergulhar no passado do movimento sindical. Os militantes operários foram por muito tempo hostis ao trabalho das mulheres; a história é cheia de declarações machistas. Isso deve marcar fundo as consciências. Por ocasião de um congresso em 1898, um dirigente da CGT constatou que “como a mulher é muito frágil e não destinada a viver nas fábricas e nas lojas, é inumano exigir dela (…) que permaneça em pé”. Ou ainda, “o trabalho da mulher é anti-social… O lugar da mulher é em casa”. [9] Bem mais tarde, nos anos 60, a chegada de mulheres militantes à CFTC valeu-lhes o apelido de “virgens vermelhas”…
O caso de Emma Coriau
Entretanto, a presença das mulheres no mundo sindical não tem nada de novo, contrariamente ao que se ouve. Segundo a historiadora Michèle Perrot, o índice de sindicalização de mulheres assalariadas chegava a 10% no início do século (em 1906). [10]
Nas fábricas de tabaco, por exemplo, registravam-se 90% de operárias, 75% delas sindicalizadas. E se muitas trabalhavam esperando se casar, suas lutas pela emancipação começaram nessa época. Foi assim que conquistaram o direito de voto nos Conselhos dos prud’hommes, [11] em 1907, e um ano mais tarde o de serem eleitas. Feministas e sindicalistas se apóiam.
Emblemático foi o caso de Emma Coriau, nome de uma operária tipógrafa. Em 1913, quando ela entrou numa gráfica de Lyon, foi excluída do sindicato junto com seu marido, culpado por não ter convencido sua “Dulcinéia” a ficar em casa. Depois de uma formidável campanha em todo o país, a direção nacional da CGT desautorizou os operários gráficos e os obrigou a rever sua decisão.
Um lado feminino do sindicalismo
Ainda na década de 20, um outro sindicato, a CFTC, teria aproximadamente metade de mulheres entre seus militantes. Estas mulheres cristãs, que lutavam principalmente pela proteção às mulheres grávidas e pelo direito ao trabalho das mães de família, ocuparam então entre um quarto e um terço dos postos de trabalho da direção nacional do sindicato. [12] Esse número iria decrescendo até chegar a zero, a exemplo do que se passa no restante das centrais sindicais, depois da segunda guerra mundial. Certas organizações até denunciam “o feminismo burguês” que faz passar a “luta de sexos na frente da luta de classes”.
Seria necessário esperar pelo fim da década de 60 para que novamente o sindicalismo assumisse seu lado feminino. A CFDT compreendeu rapidamente a importância da luta das mulheres pela interrupção voluntária da gravidez e pela contracepção. Nascido de uma cisão da CFTC, com rico passado feminista, ela atua principalmente entre os servidores públicos, onde as mulheres são maioria. A CGT, que se desenvolve muito mais a partir de empregos qualificados da indústria, predominantemente masculinos, perde o bonde, avaliando que se trata de questões estritamente privadas. As duas centrais só se reencontram em 1974. Subscrevem então, pela primeira vez, um texto comum sobre a emancipação das mulheres. Mas, após um período de abertura, a CGT recua e fecha seu jornal Antoinette, símbolo da luta feminista. A luta de classes não transige. A CFDT também abandonaria, progressivamente, o terreno, as militantes seriam afastadas… e uma parte delas fundaria o SUD.
Anos 80 e 90, décadas de chumbo
Os anos 80 e 90 foram incontestavelmente décadas de chumbo. Pois além do balanço quantitativo, a carência das mulheres nas direções sindicais tem conseqüências sobre o próprio conteúdo das reivindicações. Decretando que a luta contra o desemprego era mais importante que a da luta pela igualdade profissional, os sindicatos (e a população) deixaram o trabalho em tempo parcial se impor, o que levou à formação de guetos para as mulheres. Também subestimaram o assédio sexual e moral. Desprezando toda a luta feminista, aceitaram que somente 30% das empresas de mais de cinqüenta assalariados acatassem a lei Roudy, que desde 1982 obriga as empresas a apresentarem perante a Comissão de Empresa um balanço comparado entre homens/mulheres, sobre salários, contratações e formação.
No entanto, uma batalha dos sindicatos por medidas para corrigir as desigualdades entre os homens e as mulheres viria a ter sérios impactos. A começar pela questão dos salários inferiores em média de um quarto ao dos homens. A lei que formalmente proclama “a trabalho igual, salário igual” está ameaçada. Muitas vezes admite-se a diferença por força do hábito. E a prova da discriminação é difícil de constatar, pois há profissões ocupadas essencialmente por mulheres: a comparação é quase impossível. Mais ainda: basta mudar com uma palavra a definição de um posto para que ele deixe de ser tão “igual” ao ocupado por um homem. Seria melhor trabalhar para estabelecer “equivalências”, como no Canadá.
Reivindicações precisam ser repensadas
Por iniciativa dos sindicatos, já foram impetradas ações na justiça que forçaram a definição de um certo número de critérios (diplomas, responsabilidades, esforços, condições de trabalho…) aplicados a todas as profissões. [13] Por este método, uma enfermeira tem agora uma qualificação reconhecida como equivalente à de um policial federal, até então melhor pago. Os empregos de caixas nos supermercados foram julgados com o mesmo valor que os dos “contadores de estoque” e depois de anos de batalha judiciária, algumas delas conseguiram cerca de 1.500 dólares de aumento ao ano. Por que os sindicatos franceses não se lançam nessa aventura? Poderiam muito bem reivindicar medidas de reciclagem para a formação de mulheres: com trinta e cinco anos, elas têm duas vezes menos possibilidades de se beneficiar de um estágio de requalificação que um homem. Em suma, uma série de reivindicações precisa ser repensada, para que mudem as condições de trabalho do sexo feminino e suas condições de vida sindical (mas também associativa, cívica ou pessoal).
Nos próprios sindicatos, como na política, talvez a paridade não seja a panacéia, mas ela tem o mérito de fixar regras e obrigar a criar as condições para uma participação ativa das sindicalizadas, em todos os níveis. Isto pode passar, como preconiza Georgette Ximenès, “senhora Mulher” da CFDT, por reuniões mais curtas, menos tarde e mais eficazes, ou ainda pelo pagamento das despesas de creche das crianças (na CFDT, há uma verba específica para essa finalidade). Como seus co-irmãos das outras centrais, a CFDT também insiste na formação das mulheres, como na dos homens, tanto na base como nos escalões intermediários.
Condições culturais de mudança
Mais radical, Lydia Brovelli julga urgente colocar em discussão, nos sindicatos, a questão da divisão das tarefas entre os casais para contribuir para a evolução das mentalidades. De fato, as mulheres consagram em média 3 horas 48 minutos ao trabalho doméstico (um minuto a menos que há treze anos) e os homens 1 hora 59 (oito minutos a mais). Isto diz respeito à vida pessoal mas, ressalta a dirigente cegetista: “Houve uma época em que também o aborto e a contracepção faziam parte da vida privada, e nós continuamos sendo medrosos nas questões delicadas da sociedade.” Parece indispensável criar condições culturais de mudança, principalmente pelo debate.
Assim como o voto universal na República é sexualizado (prova disso é o longo período durante o qual as mulheres foram privadas do direito do
Martine Bulard é redatora-chefe adjunta de Le Monde Diplomatique (França).