Sob a pressão da nova ordem
Enquanto suas relações com Washington foram abaladas pelos atentados de 11 de setembro, a monarquia saudita é desafiada a enfrentar, por um lado, o islamismo fundamentalista e, por outro, as aspirações por reformas e por aberturaAlain Gresh
As relações entre os EUA e a Arábia Saudita eram sólidas e calorosas. No entanto, o príncipe herdeiro enviou ao presidente norte-americano uma mensagem bastante franca: “Em seu lugar, eu tomaria a iniciativa de pôr fim à sua base militar em nosso país. Em caso de necessidade, nos colocaremos à sua disposição”. Já há vários anos, a presença de uma base norte-americana em Dhahran, na região oriental da Arábia Saudita, vinha sendo objeto de violentas críticas em todo o Oriente Médio. Estávamos no final do ano de 1960, quando o presidente John F. Kennedy recebeu a missiva do príncipe Faiçal. Alguns meses depois, os Estados Unidos decidiram sair de Dhahran.
Mencionado por um membro da família real, esse episódio histórico visa a explicar uma decisão que acaba de ser anunciada e que todos os observadores tentam interpretar: a retirada, antes do final de 2003, dos soldados norte-americanos estacionados na base Príncipe Sultan. Seria o sinal de uma reavaliação radical nas relações entre os dois países?
Nada disso, diz o nosso interlocutor prosseguindo sua explicação. “Em 1991, apesar de derrotado, Saddam Hussein representava uma ameaça. Além disso, fora tomada uma decisão de criar zonas de exclusão aérea no Iraque. Três países participavam dessas operações de vigilância: os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França. Assinamos, portanto, o acordo de Safwan, que permitia a esses aviões decolarem de nosso território. Não se tratava de uma ?base? na acepção específica do termo.” “Porém”, acrescenta o príncipe com um sorriso, “nós gostamos de segredos. Não demos explicações sobre nossa decisão. Muita gente acreditou, de boa fé, que tínhamos instalado uma base norte-americana permanente.”
Alvo de hostilidades
Se, na década de 50, a base de Dhahran fora objeto de críticas dos nacionalistas árabes, tais como o Egito de Nasser, a presença, na Arábia Saudita, de cerca de 4.500 soldados norte-americanos após a guerra do Golfo de 1990-1991 tornou-se o alvo das organizações islâmicas radicais e de Osama bin Laden. Dois atentados, em novembro de 1995 e em junho de 1996, seriam realizados contra esses soldados1.
Uma prova da conivência entre os dois países foi a ajuda – discreta, mas eficaz apesar dos desmentidos oficiais – dada por Riad aos EUA durante a invasão do Iraque
Após a queda do regime de Saddam Hussein, Washington e Riad tiveram que se conscientizar da crescente hostilidade contra a presença norte-americana por parte da população saudita, agravada pelo sentimento de solidariedade para com o povo palestino desde que foi desencadeada a segunda Intifada. A retirada, portanto, não significa de forma alguma o fim da colaboração militar entre os dois governos. Muito pelo contrário. A base continuará à disposição dos Estados Unidos; a presença de instrutores militares norte-americanos será aumentada; e as reuniões da Comissão do Estado-Maior conjunto, suspensas desde o verão de 20012, serão retomadas no próximo verão. Afinal, até 1990 – é a explicação que se dá em Riad – não existia qualquer base norte-americana e somente sua presença militar “além do horizonte” garantia a segurança do reino3.
A discreta ajuda de Riad
Uma prova da conivência entre os dois países foi a ajuda – discreta, mas eficaz apesar dos desmentidos oficiais – dada por Riad aos Estados Unidos durante a invasão do Iraque. Nas semanas que precederam a operação, o número de soldados norte-americanos em território saudita chegou a quase 10 mil, o que permitiu à base Príncipe Sultan servir de centro de operações e comando de todos os ataques aéreos4. Paralelamente, tropas de elite instalaram-se nas bases aéreas de Arar e Tabuk, no noroeste do país, de onde foram enviadas para cumprir missões dentro do Iraque. “Jamais conseguiríamos conduzir a guerra contra o Iraque como o fizemos sem a ajuda da Arábia”, resume um diplomata norte-americano sediado em Riad.
A participação de quinze sauditas nos atentados do 11 de setembro abalou a opinião pública norte-americana e desencadeou uma onda de acusações contra o reino
Esta contradição entre a posição oficial do reino – condenação a qualquer agressão contra o Iraque – e sua ação concreta explica a ambivalência saudita em relação à posição francesa. No momento em que a opinião pública saudava, entusiástica, a recusa de Paris em se dobrar ao diktat norte-americano, os dirigentes distribuíam críticas. “Ao se recusar a votar uma segunda resolução sobre o Iraque”, explica um deles, “a França empurrou os Estados Unidos a realizarem uma ação unilateral. Eles se livraram da camisa de forças das Nações Unidas. Ninguém os controla mais.” O que esse dirigente saudita não explica é que uma resolução do Conselho de Segurança teria dado ao reino cobertura legal para sua ajuda aos Estados Unidos. Sem isso, o país teve que ceder a uma política de subserviência.
Os riscos abertos pelo 11 de setembro
Não existiam alternativas. A margem de manobra da família real foi restrita a partir do dia 11 de setembro de 2001. A participação de quinze sauditas nos atentados contra o World Trade Center e o Pentágono abalou a opinião pública norte-americana e desencadeou uma onda de acusações contra o reino, suspeito de se ter tornado o principal foco de exportação do terrorismo islâmico. Após um minucioso trabalho de investigação, os jornalistas norte-americanos descobriram, estupefatos, que a Arábia Saudita não era uma democracia, que os direitos humanos não eram respeitados naquele país, que as mulheres eram obrigadas a usar véu. Vozes influentes, próximas dos meios neoconservadores e fundamentalistas cristãos, exigiam que a Arábia Saudita fosse o próximo alvo, após o Iraque; que o país fosse desmembrado, com a criação, por exemplo, de uma “república xiita” na região petrolífera do Leste (
Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).