Sobre o Oriente e o Ocidente
Três escritores – um italiano, um paquistanês e um libanês – discutem e analisam, em três livros distintos, os “mistérios” que separam as civilizações oriental e ocidental, dos “misticismos” islâmicos à “modernidade” do neoliberalismo globalGilbert Achcar
Em meio à leva de comentários sobre o islamismo provocados pelos atentados do dia 11 de setembro de 2001 e disponíveis em língua francesa, destacam-se três pontos de vista originais – no sentido mais literal do conceito de “ponto de vista” – e bastante distintos: o de um ocidental, o italiano Tiziano Terzani, que vive na Índia, no coração do Oriente; o de um oriental, o paquistanês Tariq Ali, que vive na Grã-Bretanha, no coração do Ocidente; e, entre os dois, o de um árabe cristão, o libanês George Corm, que vive física e intelectualmente “na fronteira1” entre o Oriente e o Ocidente.
No livro de Tiziano Terzani há um toque de Roberto Benigni: uma espécie de bondade comunicativa, mas ponderada, aqui, já que procede de um veterano do jornalismo que acumulou longa experiência na Ásia e cuja postura de sábio se coaduna perfeitamente ao retiro no Himalaia onde buscou refúgio. Seus argumentos contra a guerra situam-se nos antípodas das imprecações racistas de sua colega e compatriota Oriana Fallaci, a quem uma de suas cartas é diretamente dirigida. Esta havia iniciado seu libelo acusatório contra o Islã em reação a um texto anterior de Terzani: aos anátemas etnocêntricos e incultos de Fallaci, ele contrapõe o sentido denso da relatividade e uma vontade profunda de permitir uma melhor compreensão daquela parte do mundo que conhece intimamente.
A “fratura imaginária” entre dois mundos
Tariq Ali se insurge contra todos os fanatismos e radicalismos, inclusive o “radicalismo imperialista”, que denuncia em seu livro de ponta a ponta
Por seu lado, Tariq Ali dirige uma carta, no final do livro, a “um jovem muçulmano”. Alerta-o contra o canto das sereias do radicalismo islâmico, que exerce seu poder de fascínio devido à escassez de alternativas progressistas ao capitalismo globalmente dominante. Enriquecido por toques de humor, de memórias pessoais e de poemas catados em diversas fontes, o livro começa por fazer um apanhado cáustico da história do islamismo e do Oriente Médio, antes de abordar, em profundidade, a situação no sub-continente indiano, de onde é natural o autor e em relação ao qual propõe um esclarecimento interessante e original. Tariq Ali se insurge contra todos os fanatismos e radicalismos – tanto os que se enfrentam no conflito indo-paquistanês quanto o “radicalismo imperialista”, que denuncia em seu livro de ponta a ponta.
George Corm acompanha os dois autores acima mencionados em sua crítica radical a um certo tipo de relação, dominadora e caluniosa, entre o Ocidente e o Oriente. Se insurge, com erudição, contra as idéias pré-concebidas que fazem do Oriente a sede do misticismo e, do Ocidente, a da racionalidade. Alérgico a todo tipo de fanatismo, Corm atribui sua fonte de origem – tanto de um lado, quanto de outro, da “fratura imaginária” entre Oriente e Ocidente – ao monoteísmo, ao qual contrapõe o pluralismo dos politeísmos da antiguidade. Assim como Tiziano Terzani, ele disseca as interpretações tendenciosas do Oriente. Assim como Tariq Ali, procura que prevaleçam, no Oriente como no Ocidente, os valores progressistas que classifica de “republicanos” e que opõe à “modernidade” do neoliberalismo triunfante.
(Trad.: Jô Amado)
1 – Em relação à noção de “fronteira”, um outro trabalho que deveria ser consultado é o belo livro Sur la frontière, de Michel Warshawski, ed. Stock, Paris, 2002.
Referências
Lettres contre la guerre, de Tiziano Terzani, ed. Liana Levi, Paris, 2002, 15 euros (52,50 reais)
Le choc des intégrismes – Croisades, djihads et modernité, de Tariq Ali, ed. Textuel, Paris, 2002, 26 euros (90 reais)
Orient-Occident, la fracture imaginaire