Solidariedade lucrativa
O governo francês quer dar um segundo fôlego aos “contratos de impacto social”, introduzidos na França em 2016, quando Emmanuel Macron era ministro da Economia. O truque desse dispositivo consiste em transferir o risco de um programa social para investidores privados. Em princípio, todos sairiam ganhando…
“Wembley connected” brilha em azul-neon no céu cinzento da capital britânica. No noroeste da Grande Londres, o estádio transformado em arena ultramoderna para sediar os Jogos Olímpicos de 2012 exibe seu gigantismo. Em torno, meia dúzia de arranha-céus em construção completam uma paisagem que chega a lembrar o centro de Londres. É difícil acreditar que estamos em um dos bairros mais pobres da metrópole. Para se dar conta disso, é preciso afastar-se das imponentes torres de vidro e atravessar a Circular Road, que estabelece a clivagem social do bairro de Brent. Chegando ao lado sul, a estética do mundo dos negócios é substituída pela das bancas nas calçadas. Aqui, a proximidade com o centro fez explodir os preços dos imóveis, jogando as pessoas nas ruas.
Na capital britânica, o número de pessoas sem-teto aumentou 169% desde 2010.1 No primeiro trimestre de 2018, um em cada duzentos ingleses dormia na rua ou em moradias temporárias.2 Para evitar que pessoas em situações de precariedade acabem na rua, o Single Homeless Prevention Service (SHPS, Serviço de Prevenção à Situação de Rua) lançou um “contrato de impacto social” de 2 milhões de libras (R$ 10,2 milhões). Em vez de subsidiar diretamente o trabalho das duas instituições de caridade que atuam na região – Thames Reach e Crisis –, a administração de Brent providenciou o financiamento do projeto por meio de um investidor privado: a Bridges Ventures. O contrato prevê remuneração baseada em objetivos quantificados em relação ao número de beneficiários a serem assistidos e à duração do acompanhamento. O Estado só paga o investidor se essas metas forem atingidas, com o acréscimo de um prêmio – fixado em 6% para esse contrato, mas que pode atingir até 15% do montante aportado em alguns contratos.3 Acaba de nascer um mercado do social.
Em uma época de restrições orçamentárias, o discurso está bem azeitado: “Brent não tem mais dinheiro para programas de combate à moradia precária”, admite o líder do projeto, Steve Marsland. “A única obrigação legal, até 2017, era alojar os menores e as pessoas com mais de 65 anos. Agora, fornecemos às associações o capital necessário para cuidar de todas as pessoas em risco. E o Estado só pagará se houver melhorias em relação à situação atual.” Um sistema “ganha-ganha-ganha”, celebram seus promotores: os atores sociais poderão realizar suas ações; o Estado não vai mais desperdiçar dinheiro público, uma vez que só pagará projetos considerados eficazes; e os investidores terão ganhos proporcionais aos riscos financeiros assumidos.
Difundir a cultura do “impacto”
Com quase cinquenta contratos assinados na última década – 28 deles envolvendo a administradora de fundos privados Bridges –, o Reino Unido é o berço dessa nova forma de financiamento das ações sociais, que está se expandindo em diversas áreas: precariedade, prevenção da delinquência, educação, emprego juvenil, assistência à infância e saúde pública. O primeiro contrato de impacto social foi lançado em 2010, no governo trabalhista de Gordon Brown, logo após a crise financeira. Seu sucessor conservador, David Cameron, retomou a ideia em seu discurso de 19 de julho de 2010, sobre a política denominada Big Society. Para ele, é preciso promover a cultura do voluntariado e da filantropia, bem como reformar o serviço público, “livrando-o de sua burocracia” e abrindo-o a novos atores, como as instituições caritativas. A ideia central: “Criar comunidades de pessoas ousadas em bairros que cuidam de suas próprias questões”. Em abril de 2012, o governo criou a Big Society Capital, uma instituição pública financiada por quase 700 milhões de euros dos principais bancos britânicos, principalmente por meio de seus “fundos inativos” (contas sem titular há quinze anos).
Apesar do fracasso (rápido) do projeto Big Society no Reino Unido, esses argumentos pareceram sedutores para além das fronteiras do país. A partir de setembro de 2010, dezenas de contratos similares foram lançados em todo o mundo. Inicialmente restritos aos países anglo-saxões (Estados Unidos, Canadá e Austrália), eles passaram a ser exportados a um grupo de nações que vai do Peru ao Congo, passando por Israel e outros países europeus. Na ausência de regulamentação global, as versões nacionais dos contratos de impacto social podem variar, sobretudo no que diz respeito à escolha dos investidores.
A França vai com cuidado. Em 15 de março de 2016, Martine Pinville, secretária de Estado da Economia Social e Solidária junto ao então ministro da Economia, Emmanuel Macron, lançou um edital, a título de experiência. O sucesso pareceu imediato: 62 estruturas sociais e associações se inscreveram; treze preenchiam os requisitos. A Association pour le Droit à l’Initiative Économique (Adie, Associação para o Direito à Iniciativa Econômica) assinou um primeiro contrato de impacto social com o Estado e um grupo de investidores (BNP Paribas, Caisse des Dépôts, AG2R la Mondiale, Fondation Avril e Renault Mobiliz Invest) – um “investimento” de 1,3 milhão de euros para realizar a integração econômica de 172 a 320 pessoas instaladas em áreas rurais ou montanhosas.
“É uma ferramenta que garante um financiamento plurianual de três anos, o que hoje seria quase impossível na lógica dos subsídios convencionais”, afirma Marc Olivier, diretor financeiro da Adie. “É possível ver nos contratos de impacto social uma forma inovadora de parceria público-privada (PPP), que combina financiamento privado, missões sociais e pagamentos baseados em resultados”, avalia o economista Frédéric Marty.4 Até então limitadas à construção e à gestão de instalações – hospitais, prisões etc. –, as PPP penetraram na esfera social com o mesmo pretexto: economizar dinheiro, embora muitos estudos considerem esse tipo de parceria caríssimo para a coletividade, uma “bomba-relógio”5 para as contas públicas.
“Esses contratos estão no cruzamento de diversas configurações contemporâneas, sobretudo o discurso de crise do Estado de bem-estar social, o qual justifica que as políticas públicas não sejam mais conduzidas pelo Estado e suas administrações, mas delegadas a um terceiro setor. Como ideia de fundo, está a concepção de que o mundo associativo estaria cheio de amadores, enquanto o setor privado seria mais eficiente e inovador”, analisa Yannick Martell, membro do Instituto Godin, que realiza trabalhos de pesquisa sobre inovação social e políticas públicas.
Os editais franceses apresentavam os contratos de impactos social como um dispositivo para “experimentar um programa inovador de ações de prevenção aos riscos sociais”. Para a Adie, o desafio era superar a dificuldade de acessar pessoas em áreas remotas: “Então, propusemos um financiamento totalmente a distância, com entrevistas para a instrução de microcrédito por telefone e, paralelamente, um acompanhamento físico de proximidade”, orgulha-se Xavier Favre, responsável pela área operacional. “Chegamos até a dirigir um caminhão de microcrédito nos Altos Alpes, levando agentes institucionais locais até as áreas mais afastadas”, acrescenta Olivier. Fortalecer e personalizar o acompanhamento, adaptar-se ao contexto sociogeográfico… Às vezes basta dizer que um dispositivo é inovador para que ele se pareça como tal. Como um verniz mágico, essa novilíngua transforma o velho improdutivo em novo de alto desempenho. “No fundo, as intervenções propostas nesses contratos já são conhecidas há muito tempo. Os trabalhadores da área social vivem em um sistema no qual não podem fazer aquilo que sabem ser eficaz, principalmente por falta de recursos. Então, exploram outras opções”, explica a socióloga Ève Chiapello.
A retórica da inovação permite justificar a aparente transferência de risco – e sua remuneração: o poder público não deve mais investir em programas sociais que ainda não se provaram eficazes. “Essa historinha de que o Estado não deveria assumir ‘riscos’ tem uma força narrativa extremamente poderosa”, observa Nicole Alix, presidente da Coop des Communs. Tão poderosa que alcançou o escalão mais alto do Palácio do Eliseu: “Financiar o que é eficaz me parece simplesmente lógico. Obrigatório, quando se trata de dinheiro público”, assume Christophe Itier, alto comissário para a Economia Social e Solidária e a Inovação Social, depois de participar da elaboração do programa presidencial de Macron. “A experiência dos contratos de impacto social na França se assenta em duas questões: testar um modo de financiamento que provoque mudança nas políticas públicas voltadas à prevenção e sobretudo difundir a cultura do impacto nas administrações territoriais e do Estado”, prossegue. Na verdade, o uso dos contratos de impacto social parece incentivar programas ou estruturas que se mostraram eficazes, e o principal elemento de inovação está muito mais no modo de financiamento do que nos projetos em si.
Pouco a pouco, os conceitos e os métodos de gestão de empresas privadas conquistam as administrações públicas, que agora avaliam o desempenho das ações sociais em termos de “impacto”. No Reino Unido, a empresa da consultoria New Economy criou uma base de dados de “custos sociais”, em colaboração com o governo.6 Ela revela, por exemplo, que o custo de cada aluno permanentemente evadido do sistema escolar era de 13.450 euros anuais em 2006; que um sem-teto fixo “de longa duração” custava 9.200 euros para a autoridade local responsável em 2011; que um adulto sofrendo de transtornos mentais custava, em 2008, 2.544 euros ao sistema de saúde inglês etc. A inserção de um solicitante de asilo no mercado de trabalho, ao contrário, teria rendido 9.275 euros por ano em 2013. “Eu sempre fui nerd!”, ri Marsland, enquanto digita em busca de dados sobre os sem-teto acompanhados em Brent. O chefe do programa de ajuda aos sem-teto fixos de Londres – e de quatro outros contratos de impacto social no país – encarna essa nova gestão estabelecida na fronteira entre o setor público e o privado.
A cultura do “impacto” foi primeiramente destilada nas finanças internacionais, depois nos novos métodos de avaliação do impacto social, ambiental e econômico das empresas. Nos anos 2000, a noção de “retorno social do investimento” apareceu no jargão financeiro. “Nós criamos bases de dados para subsidiar a tomada de decisões das pessoas que investem dinheiro a distância, em empresas do outro lado do mundo”, explica Alix. Exemplos: o portal Novafi oferece um mapeamento “das novas finanças, para ajudar aqueles que desejam investir suas economias”; o ImpactBase reúne indicadores que medem “o desempenho financeiro, operacional, ambiental ou social de uma organização”. O truque é, antes de mais nada, não contrariar esses indicadores…
Os contratos de impacto social utilizam essas ferramentas de avaliação financeira e reforçam as bases do pagamento por resultados estabelecidas na França pela lei de 2002 sobre a ação social e médico-social. Com a diferença de que, no Reino Unido, esses contratos pareciam ser mais flexíveis do que os subsídios convencionais, muito restritos. À frente da Crisis, uma das duas instituições de caridade envolvidas no programa de Brent, Atara Fridler está contente: “Eu vejo os efeitos positivos nos resultados que estamos obtendo, porque precisamos ser mais responsáveis em nossa gestão. Além disso, a Bridges Foundation tem valores éticos com os quais concordo”.
O “coração invisível” do mercado
Porém, considerando apenas os resultados, o financiador ou o intermediário conseguem “manipular o modelo”.7 Foi o que fez o banco Goldman Sachs, por exemplo. Em 2015, ele anunciou o financiamento de um programa de pré-escola que ajudou 109 crianças “em risco” de Utah a evitar sua internação em instituições especializadas. A taxa de sucesso próxima de 99% – contra uma média de 10% a 20% para esse tipo de programa – deixou um comitê de especialistas em educação com a pulga atrás da orelha: o Goldman Sachs utilizava um teste de seleção que inflava demais as dificuldades iniciais das crianças…8
“Nos últimos dez anos, os contratos de impacto social foram a ferramenta que mais entusiasmou os governos”, afirma David Floyd, dirigente de uma pequena empresa britânica. Em abril de 2018, a primeira-ministra Theresa May apoiou os projetos “piloto” do plano nacional de redução do número de desabrigados: um quarto dos 40 milhões de euros públicos liberados deveria ir para esse tipo de contrato. No papel, a prioridade era o “social”, buscando-se garantir que as pessoas assistidas permanecessem em suas casas por pelo menos oito meses. O edital, no entanto, especificava que o programa selecionado seria aquele com “as mais elevadas taxas de custo-benefício”…
A ideia de que os mercados seriam capazes de combinar prosperidade e “retorno social” foi amplamente difundida pelo empresário Ronald Cohen, cabeça pensante da Big Society. Esse personagem, oriundo do universo do capital de risco, logo se aproximou dos círculos políticos: foi candidato do Partido Liberal nas eleições legislativas de 1974 e europeias de 1979, antes de mudar, em 1996, para o Partido Trabalhista de Tony Blair, tornando-se, em 2004, um de seus maiores financiadores. O “cavaleiro do setor social com fins lucrativos” ,9 como é chamado pela imprensa econômica, é considerado o pai do “investimento social”. “Embora o distrito financeiro de Londres conheça bem A riqueza das nações e a ‘mão invisível do mercado’, ele está menos familiarizado com outra obra de Adam Smith, a Teoria dos sentimentos morais, e aquilo que poderíamos chamar de ‘coração invisível’ do mercado”, declarou ele em um discurso famoso.10
Na França, essa visão foi trazida por uma fração muito ativa de personalidades oriundas do empreendedorismo. “No universo da economia social e solidária, um pequeno grupo adotou os códigos do mercado neoliberal e abriu seu próprio caminho”, explica o pesquisador Michel Chauvière. Esses convertidos podem ser vistos principalmente no Comité National Consultatif sur l’Investissement à Impact Social (CNCIIS, Comitê Consultivo Nacional de Investimento de Impacto Social), fundado em 2013 e presidido por Hugues Sibille, então vice-presidente do Crédit Coopératif e fundador do Collectif pour l’Entrepreneuriat Social [Coletivo para o Empreendedorismo Social].11 Ministro da Economia Social e Solidária de maio de 2012 a março de 2014, Benoît Hamon enviou Sibille para o grupo de trabalho dos Estados do G8 sobre os contratos de impacto social. Sibille preparou um relatório,12 entregue a Carole Delga, que se tornou secretária de Estado da Economia Social e Solidária em junho de 2014. Mas ela não se interessou pelos contratos de impacto social, e a proposta ficou na gaveta até a chegada de Pinville ao governo, em 2015.
Em 15 de março de 2016 foi lançado um edital. No dia 10 de junho, o Impact Invest Lab (Iilab), um “laboratório” de investimento de impacto social, foi criado por um consórcio de seis financiadores, entre eles Caisse des Dépôts, Crédit Coopératif e Finansol. “A ideia era criar uma estrutura muito mais operacional para acompanhar futuros líderes de projetos em contratos de impacto social”, esclarece Cyrille Langendorff, presidente do Iilab e do CNCIIS. Eles puderam contar com uma nova ferramenta francesa de “medição e monitoramento do impacto social”, a Mesis. Criada pelo fundo de investimento NovESS, ela é financiada pelo Grupo BNP Paribas e… pela Caisse des Dépôts.
O Iilab levou sua expertise à associação Médecins du Monde [Médicos do Mundo]. Embora o próprio princípio dos contratos de impacto social tenha sido fortemente criticado dentro da entidade, no dia 5 de maio ela assinou um contrato para criar uma alternativa ao internamento, a fim de garantir moradia e acompanhamento intensivo de pessoas com distúrbios psiquiátricos. “Fomos informados de que nosso projeto era compatível com o edital e, para nós, acabou sendo uma oportunidade de encontrar dinheiro para colocá-lo em prática”, conta o psiquiatra Thomas Bosetti, que insiste na dificuldade de ajudar a população altamente dessocializada com a qual trabalha. Prevendo beneficiar cem pessoas, o projeto requer a colaboração de cinco ministérios e pode chegar a 6,6 milhões de euros. “Foram reunidos atores que não necessariamente têm o hábito de trabalhar juntos e que, para a ocasião, debruçaram-se sobre uma mesma problemática relacionada à prevenção. É isso que torna o campo tão sedutor”, observa Raphaëlle Sebag, diretora-geral do Iilab.
Inovação? O Haut Conseil à la Vie Associative (HCVA, Alto Conselho para a Vida Comunitária) aponta o risco de que os financiadores sejam “tentados a apoiar apenas projetos facilmente avaliáveis, em detrimento daqueles cuja avaliação seria mais qualitativa”.13 Além disso, ocorre uma seleção de fato entre pequenas e grandes associações. Muitas estruturas pequenas não conseguiriam se qualificar para esse tipo de contrato. “Apenas para a preparação do contrato, foi necessário mobilizar o equivalente a um período integral durante um ano”, especifica Olivier, o diretor financeiro da Adie. Quanto mais partes interessadas existirem, mais complexos serão os arranjos legais e financeiros. “As discussões com o Estado e com os financiadores nos permitirão construir um modelo preciso, no qual poderemos, por exemplo, quantificar o número de internamentos a serem evitados, a fim de tornar o projeto rentável em termos de investimento”, confirma Bosetti. O objetivo principal, no momento de amarrar os contratos, continua sendo a modulação do risco – sobretudo para o investidor. “Sempre há alguma incerteza, pois estamos montando um programa que ainda não foi testado. Mas, em alguns casos, precisamos trazer os poderes públicos e os operadores de volta à terra: em vez de nos recusarmos a financiar, trabalhamos para chegar a um projeto menos arriscado, ou negociamos a fim de adicionar algum tipo de ‘prêmio’ de risco adicional”, admite o financiador do projeto SHPS, Marsland.
Um futuro incerto
Essa noção de risco parece, de fato, bastante relativa. Um relatório de 2016 elaborado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)14 observou que apenas um “investidor” não teve seus custos cobertos, no primeiro contrato de impacto social lançado nos Estados Unidos em 2012, que se propunha a reduzir a taxa de reincidência dos egressos de uma prisão de Nova York. O contrato especificava que o financiador, o Goldman Sachs, seria totalmente reembolsado se a taxa de reincidência caísse 8,2%. Apesar do fracasso do programa, o banco conseguiu recuperar US$ 6 milhões dos 7,2 milhões investidos porque seu investimento também era garantido em 75% pela fundação Bloomberg Philanthropies.
Na França, o primeiro contrato de impacto social também ofereceu garantias. Mesmo antes de se inscrever, a Adie encomendou à consultoria KPMG um estudo para medir o impacto econômico de todas as suas ações. O resultado estabeleceu que 1 euro de subsídio renderia, após dois anos, 2,38 euros de impacto econômico líquido para a sociedade. Um ano e meio após o lançamento do programa, quase todas as metas foram alcançadas. Dos 320 beneficiários, mais de 260 conseguiram sua inserção econômica. “Nós defendemos a inovação e a experimentação, mas, na verdade, queremos medir tudo para reduzir a incerteza inerente a qualquer experimentação”, critica Nicolas Chochoy, diretor do Instituto Godin. “Em um mundo complexo, já é difícil isolar a variável que permite comprovar o vínculo entre uma ação e um impacto. Para nós, há um paradoxo ainda maior em combinar inovação e impacto social.”
Um papel fundamental é desempenhado por avaliadores e empresas de auditoria que garantem o famoso impacto. A KPMG trabalhou durante toda a fase de montagem do projeto da Adie e realizará uma avaliação final seis anos após o início do programa. “Eles fazem seis auditorias no total, mas também nos ajudaram a estabelecer metas. Era como um filtro que esmiuçava todas as nossas propostas, reorientando-as, propondo métodos de cálculo”, recorda Olivier, que acrescenta ter também procurado a ajuda de um consultor jurídico.
Essas etapas, no entanto, têm um preço. No quadro de um subsídio público convencional, o projeto teria custado 1,2 milhão de euros. Financiado por um contrato de impacto social, foi necessário adicionar 100 mil euros para pagar todos os intermediários. O Estado deverá desembolsar pelo menos 1,3 milhão de euros, sem contar o prêmio por sucesso, que poderia elevar a conta final a 1,5 milhão. Em um editorial publicado em março de 2016, um coletivo de associações cidadãs falou em “golpe financeiro”:15 “Algumas ações realizadas no exterior por meio do contrato de impacto social custam ao contribuinte em média três vezes mais do que se a ação tivesse sido financiada diretamente pelo poder público”, escreveu o presidente do coletivo, Jean-Claude Boual.
É um mercado resplandecente para os intermediários. Embora sua remuneração não alcance a dos produtos financeiros convencionais, ele oferece cada vez mais oportunidades. Até junho de 2019, quase 130 programas estavam em andamento no mundo, mobilizando mais de 350 milhões de euros.16 Na França, antes do contrato da Médecins du Monde, outros três foram assinados este ano entre o Ministério da Transição Ecológica e Solidariedade, três associações (Wimoov, Article 1 e La Cravate Solidaire) e o BNP Paribas.
Prova do sucesso do conceito nos escalões superiores, borbulham nas grandes escolas de administração os cursos ligados ao “investimento de impacto”. A École des Hautes Études Commerciales (HEC) de Paris propõe formar “idealistas realistas”: “Se você é um sonhador que leva em conta a dinâmica dos mercados, você tem uma vantagem estratégica sobre seus concorrentes”, garante o folheto do curso de Administração.
Em suas recomendações, o HCVA alertou, em 2016, sobre a necessidade de “continuar prestando serviços sociais às pessoas mais vulneráveis” e de considerar os contratos de impacto apenas como um complemento aos mecanismos de proteção social. Sua generalização não é para amanhã, garantem. “Estamos realmente no mundo do projeto, com empreendedores sociais que realizam programas locais fazendo arranjos ad hoc. Isso é insustentável em termos de política pública”, avalia Ève Chiapello. Outros temem a concorrência entre associações, projetos e atores públicos: “Se é mais fácil obter o resultado na Île-de-France do que em Corrèze – por exemplo, porque o mercado de trabalho é mais estável, mais denso, mais ativo –, há o risco de Corrèze ser abandonada pelos investidores”, destaca a e-RSE, uma plataforma de assessoria sobre responsabilidade corporativa.
O governo garante que salvaguardas permitirão criar um modelo “à francesa”, que protegeria contra oscilações orçamentárias: sem validação e compromisso prévio dos ministérios envolvidos, nada de contrato. Ele também garante que os contratos de impacto social devem se manter no domínio da experimentação de projetos orientados para a prevenção e que, se bem-sucedidos, sua continuidade será assegurada pelo Estado. O único porém é que até o momento nenhuma garantia foi feita. “Se nossos objetivos forem alcançados, ninguém poderá dizer que nossa ação não funciona”, reconhece o diretor financeiro da Adie. “Mas não recebemos nenhuma promessa de financiamento após 2020. Em teoria, explica-se que nenhum risco pesa sobre o operador. Como criamos cinco postos para esse programa, é necessário que os subsídios não sejam suspensos no final.”
Na fase experimental, o futuro dos contratos de impacto social permanece incerto na França, apesar da inabalável convicção de seus promotores. “Os italianos, assim como os ingleses, liberaram fundos específicos de dezenas de milhões de euros. A ideia seria fazer a mesma coisa aqui: colocar alguns milhões em questões sociais transministeriais para dar a partida”, espera Langendorff. O Estado já optou por intervir, em favor da criação de um mercado do social. Será que veremos, em breve, os ministérios se contentarem em fazer o papel de intermediar e organizar, como já ocorre em Londres, reuniões expressas entre associações de caridade e financiadores?
Margot Hemmerich e Clémentine Méténier são jornalistas.
1 Relatório “The homelessness monitor: England 2018” [Observatório dos sem-teto: Inglaterra 2018], Crisis UK, Londres, abr. 2018.
2 “320.000 people in Britain are now homeless, as numbers keep rising” [320 mil pessoas na Grã-Bretanha estão desabrigadas, e os números aumentam], Shelter, Londres, nov. 2018. Disponível em: <https://england.shelter.org.uk>.
3 Benjamin Le Pendeven, Yoann Nico e Baptiste Gachet, “Social Impact Bonds, uma nova ferramenta para financiar a inovação social”, Les Notes de l’Institut, Institute of Enterprise, Paris, 2015.
4 Frédéric Marty, “Les contrats à impact social: une nouvelle génération de PPP pour les politiques sociales” [Contratos de impacto social: uma nova geração de PPP para políticas sociais], Politiques et Management Public, n.33 (3-4), Cachan, 2016.
5 Jean-Pierre Sueur e Hugues Portelli, “Rapport d’information sur les partenariats publics-privés” [Relatório de informações sobre as parcerias público-privadas], Senado, Paris, 16 jul. 2014.
6 “Building an evidence base of costs” [Construindo uma base de dados sobre custos], New Economy, Manchester. Disponível em: <http://neweconomymanchester.com>.
7 “Social Impact Bonds: state of play & lessons learnt” [Títulos de impacto social: situação atual e lições aprendidas], Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Paris, 2016.
8 Nathaniel Popper, “Success metrics questioned in school program funded by Goldman” [Métricas de sucesso questionadas no programa escolar financiado pelo Goldman], The New York Times, 3 nov. 2015.
9 Nicolas Madelaine, Les Échos, Paris, 4 set. 2014.
10 Ronald Cohen, “Revolutionising Philanthropy: Impact Investment” [Revolucionando a filantropia: investimento de impacto], Mansion House Speech, Londres, 23 jan. 2014.
11 Desde então chamado de Mouvement des Entrepreneurs Sociaux (Mouves, Movimento dos Empreendedores Sociais).
12 Hugues Sibille, “Comment et pourquoi favoriser des investissements à impact social” [Como e por que promover investimentos de impacto social], relatório do Comitê Francês sobre Investimentos de Impacto Social, set. 2014.
13 “Avis du HCVA relatif à l’appel à projets ‘social impact bonds’” [Parecer do HCVA sobre o edital de projetos “social impact bonds”], Paris, 2 mar. 2016.
14 “Social Impact Bonds: state of play & lessons learnt”, op. cit.
15 Coletivo de Associações Cidadãs, “Quand le social finance les banques et les multinationales” [Quando o social financia bancos e multinacionais], Le Monde, 10 mar. 2016.
16 Segundo a plataforma de finanças sociais Social Finance. Disponível em: <https://sibdatabase.socialfinance.org.uk>.