The West Wing, um bom seriado
Com um elenco e um roteiro excelentes, ’The West Wing’ é um seriado que destoa da mediocridade da TV apresentando, de forma pedagógica e inteligente, o dia-a-dia do gabinete presidencial do homem mais poderoso do mundoMartin Winckler
Um filme de ficção para a televisão sobre um presidente da República, seus assessores mais próximos, a vida diária no palácio presidencial e os segredos da política nacional… Na França, isso seria impossível. As livros que abordam o poder presidencial resumem-se a alguns romances policiais (Meurtre à l’Elysée/Assassinato no Eliseu) ou de ficção política vagamente impertinentes e sempre superficiais – mesmo quando escritos com pseudônimo por ex-funcionários de primeiro escalão – ou a peças de teatro para grande público (Reviens dormir à l?Elysée/Volte a dormir no Eliseu). As obras cinematográficas (Le bon plaisir…1) que mal se aproximam da imagem do chefe de Estado podem ser contadas nos dedos de uma das mãos.
Nos Estados Unidos, onde nada é tão sagrado que não possa ser encenado – e, por conseguinte, criticado – são incontáveis os filmes e romances que apresentam o presidente em situações apenas ligeiramente imaginárias. Desde a década de 60, o drama político (Fail-Safe/Limite de segurança, com Henry Fonda) convive com a comédia romântica (The President and Miss Wade/Meu querido presidente, com Michael Douglas), passando pela sátira mais destruidora (Dr. Strangelove/Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick ou, mais recentemente, Wag the Dog/Mera coincidência, de Barry Levinson).
Diálogos excepcionais
Nos Estados Unidos, nada é tão sagrado que não possa ser encenado e são incontáveis os filmes e romances em que o protagonista é o presidente
Nas telas de cinema, o presidente dos Estados Unidos sempre foi uma personagem como qualquer outra. Não é a mesma coisa na televisão, não por autocensura (como sempre foram privados, os canais norte-americanos nunca hesitaram em questionar o poder), mas provavelmente porque a função do presidente parece se prestar mais a documentários biográficos (todos os presidentes passaram por isso, de Abraão Lincoln a George Bush, incluindo John Kennedy) e a filmes de televisão centrados num acontecimento catártico. Há três anos, no entanto, o presidente dos Estados Unidos e seus assessores diretos fazem parte da vida cotidiana dos norte-americanos, graças a um seriado de TV semanal excepcional: The West Wing (TWW)/Na ala oeste da Casa Branca.
Dois homens de talento estão na origem dessa obra contemporânea. O criador e principal roteirista, Aaron Sorkin, já fora o autor de um seriado notável, Sports Night2, ambientado nos bastidores de um programa de notícias esportivas. Essa comédia séria não hesitava em pôr o dedo onde o esporte é mais sensível (o dinheiro, o doping, a luta pelo poder, a política, a imagem) e permitiu a Sorkin demonstrar, durante dois anos, a extraordinária virtuosidade de seus roteiros e a inteligência de diálogos que seriam considerados dignos de Howard Hawks, John Huston, Ernest Lubitsch e Billy Wilder.
Vida inteligente na TV
Há três anos, o presidente norte-americano e seus assessores diretos fazem parte da vida cotidiana dos norte-americanos graças ao seriado The West Wing
O produtor executivo do seriado TWW, John Wells, também já demonstrara competência. Depois de produzir China Beach3, notável seriado sobre a guerra do Vietnã, comandou, a partir de 1994, o programa Plantão Médico. O telespectador, portanto, se sente familiarizado quando as câmaras o levam, em longas seqüências, a acompanhar assessores do presidente dos Estados Unidos num cenário que reconstitui fielmente a ala oeste da Casa Branca. Mas as qualidades respectivas desses dois mestres do cinema seriam inúteis, se o resultado se resumisse a uma simples comédia de costumes.
Ao contrário: as centenas de milhares de telespectadores franceses que têm a sorte de poder assistir à TWW descobriram, maravilhados, uma ficção que reduz a pó muitos preconceitos. Pois, se há um seriado que desmente a idéia, bem francesa, de que os filmes de ficção para a televisão são fúteis, é este. TWW é uma obra proteiforme, complexa e estimulante. As personagens centrais são Jed Bartlet, político do Partido Democrata recentemente eleito para o cargo supremo, e seus conselheiros mais próximos: Leo McGarry, secretário-geral da Casa Branca e amigo pessoal de longa data; Toby Ziegler, Josh Lyman e Sam Seaborn, juristas encarregados da comunicação, das relações com o Parlamento (e de tudo o mais, na realidade!); e C. J. Cregg, porta-voz da Casa Branca.
Valorizando personagens coadjuvantes
Dois homens de talento estão na origem desse seriado contemporâneo: o criador e principal roteirista, Aaron Sorkin, e o produtor executivo, John Well
Assim como o elenco e os roteiros de Plantão Médico nunca esquecem enfermeiras e atendentes, os de TWW dão destaque aos funcionários de baixo escalão e a outros colaboradores que trabalham na sombra, em particular a senhora Landingham, eficaz e simpática secretária pessoal de Bartlet, cujos dois filhos foram mortos no Vietnã durante a década de 70.
E, como diz o secretário-geral adjunto, Josh Lyman, o papel mais difícil depois do de Bartlet é o do assessor do presidente, que tem como tarefa, entre outras, segui-lo todo o tempo, lembrá-lo de sua agenda e até fazê-lo levantar-se quando ele acaba de se deitar.
Numa prova da importância atribuída por Aaron Sorkin a personagens muitas vezes desprezadas pelos roteiristas franceses, esse assessor é um jovem negro, Charlie Young. Quando Leo McGarry tem a idéia de contratá-lo, pergunta-se como o público irá considerar o fato de um jovem afro-americano abrir as portas do homem mais poderoso do mundo. Consulta a esse respeito o chefe do Estado-Maior do exército, também afro-americano, que lhe responde que, se Charlie for bem pago e tratado com respeito, ninguém, na comunidade negra, terá o que comentar…
11 de setembro sem maniqueísmo
Os roteiros de Sorkin dão destaque aos funcionários subalternos, em particular a senhora Landingham, eficaz e simpática secretária pessoal do presidente
Desde seu primeiro ano de produção, o seriado demonstrou domínio na arte de entremear relações íntimas, moral política, conflitos internos e problemas internacionais, e em mostrar que o homem mais poderoso do mundo é um homem como qualquer outro: quando um helicóptero que transportava o médico do presidente é abatido por um míssil no espaço aéreo da Síria, Bartlet se enfurece, cita a época em que qualquer cidadão do império romano podia se deslocar com toda a segurança no mundo antigo, e decide desencadear um contra-ataque vingativo para aplacar sua raiva. Seus conselheiros acabam por dissuadi-lo, fazendo-o compreender que só as represálias “proporcionadas” (evitando as perdas civis) são aceitáveis.
Durante um outro episódio memorável, a equipe do presidente, firmemente contrária à pena capital, sente-se no dever de o convencer a conceder o indulto a um condenado, o que não consegue. Vários episódios mencionam, com um luxo de detalhes, uma ameaça de conflito armado entre a Índia e o Paquistão, absolutamente comparável àquela que recentemente abalou o continente asiático, e as negociações visando a evitá-lo. No início do terceiro ano de produção, em outubro de 2001, Sorkin escreveu um episódio especial inspirado nos atentados de 11 de setembro, mas recusando os amálgamas fáceis e o maniqueísmo de que o governo Bush é sempre grande apreciador.
Um roteiro claro e pedagógico
Desde seu primeiro ano, o seriado demonstrou domínio na arte de entremear relações íntimas, moral política, conflitos internos e problemas internacionais
Em resumo, quando se vêem os roteiros abordarem de frente, semana após semana, questões tão delicadas como a saúde dos homens de Estado (Bartlet é acometido de arteriosclerose), o desejo manifesto do exército norte-americano de banir os homossexuais de suas fileiras, os conflitos de interesse e de poder com o vice-presidente e as Câmaras, a nomeação dos juízes para a Corte Suprema, o alcoolismo dos altos membros do governo, a liberdade de imprensa, o lobby dos grupos de pressão (da extrema-direita religiosa à comunidade gay), a comercialização das armas de fogo nos Estados Unidos e a dos tratamentos da Aids na África, ou ainda os sistemas de defesa antimíssil – todos eles, assuntos diariamente abordados pelos jornais sérios – e se constata que nenhuma personagem é considerada menos importante em momento algum (no universo dessa Casa Branca fictícia, a primeira-dama não é uma figura decorativa: é médica e ocupa funções similares às de um embaixador da Unesco), admite-se, sem dificuldade, que TWW é uma ficção fora do comum, surpreendente e apaixonante.
É particularmente notável ver que, em pouco mais de 40 minutos de diálogos quase ininterruptos, Aaron Sorkin e seus co-roteiristas conseguem encenar, simultaneamente, a vida cotidiana de um governo enorme e suas ramificações na vida de milhões de pessoas, permanecendo sempre compreensível e apresentando qualidades pedagógicas surpreendentes. Conscientes do fato de que os próprios norte-americanos nem sempre estão a par do funcionamento de suas instituições, os roteiristas contam com o apoio de assessores técnicos experientes (ex-conselheiros presidenciais!) para permitir ao telespectador compreender o que está em jogo e as esquisitices dos procedimentos abordados. O método deles é simples, mas límpido: quer se trate dos conselheiros, de seus assessores, de C.J., da devotada porta-voz da Casa Branca ou do próprio presidente Bartlet, cada um deles tem, por sua vez, a oportunidade de representar a voz do telespectador (do cidadão) para dizer que não compreende o que está acontecendo, obtendo, dessa maneira, a necessária explicação…
Programa com alcance restrito
Em outubro de 2001, Sorkin escreveu um episódio inspirado nos atentados de 11 de setembro, mas recusando o maniqueísmo de que gosta o governo Bush
Auxiliados por um elenco brilhante (Rob Lowe e Martin Sheen são conhecidos dos telespectadores franceses, mas John Spencer, Bradley Whitford e Allison Jeanney, pouco conhecidos, também são surpreendentes) e por um domínio da direção que já havia sido amplamente demonstrado em Plantão Médico, os roteiros de Sorkin fazem de TWW uma das obras mais surpreendentes da televisão norte-americana contemporânea. Se nos congratulamos por vê-la apresentada num canal de televisão francês, só se pode lamentar que seja acessível apenas a um número reduzido de telespectadores e se escandalizar com o tratamento que lhe foi dado pela emissora France 2, no ano passado, programando a primeira temporada às escondidas, muito tarde, nas noites de sexta-feira no verão. Um seriado destes mereceria não somente uma programação regular, mas também uma apresentação que a valorizasse. Numa época em que têm sucesso debates “de sociedade” inúteis e vazios, cada episódio de TWW mereceria, depois da apresentação pelo France 2, ser objeto de comentários ou de um debate. Infelizmente, mesmo quando se trata de um universo político diferente do nosso, a televisão pública francesa não parece ter como vocação esclar