Tope tudo pelo emprego
Pressionadas a garantir postos de trabalho, as sociedades estão cada vez mais vulneráveis às pressões do capital. Para evitar deslocalizações, aceitam-se ambientes insalubres, energias sujas e produtos que atentam contra a soberania alimentarAnnie Thebaud-Mony
A globalização financeira se constrói a partir da competição — em escala planetária — entre os trabalhadores. A chantagem da manutenção do emprego é constantemente utilizada para proibir qualquer debate público sobre as escolhas de produção e suas conseqüências para a saúde dos trabalhadores. De tal forma, por trás da controvérsia sobre os organismos geneticamente modificados (OGM), inicia-se a destruição de todas as formas de agricultura livre de um modo de produção agro-industrial que, pelo uso descontrolado dos agrotóxicos [1] expõe os trabalhadores agrícolas a riscos graves de intoxicação, infertilidade e câncer [2]
Por trás dos discursos sobre o futuro energético do planeta, atua o poderoso lobby nuclear, impedindo qualquer contestação de uma organização produtiva que condene os conseqüentes sofrimentos dos efeitos cancerígenos, mutagênicos e teratogênicos [3]. Oculta, também, as contestações de todos os que vivem sob o vento radioativo de Chernobil e seus descendentes [4] e dos trabalhadores que garantem – em condições particularmente precárias – a manutenção das instalações nucleares. O emprego e ??o efeito estufa?? encerram imediatamente qualquer discussão.
A revolução informática, o impulso da indústria química e as nanotecnologias [5] — símbolos de progresso — ocultam o impossível domínio humano e técnico dos riscos mutagênicos e cancerígenos que se desenvolvem em caso de vazamento em indústrias assustadoramente poluidoras. A história do amianto é o exemplo mais emblemático disso [6]. Os magnatas de um setor florescente impuseram ao mundo, com pleno conhecimento de causa, o amianto, como se não existisse nenhuma solução alternativa. Legaram às gerações atuais e futuras os custos humanos, econômicos e ambientais de uma praga cujas dimensões só agora se começa a perceber. Havia alternativas, mas reconhecê-lo quebraria o monopólio do cartel das indústrias do amianto e fibrocimento sobre um gigantesco mercado mortífero que se estende — depois da proibição na Europa — aos outros continentes.
Os direitos trabalhistas submetidos ao “direito de concorrência”
O setor dos serviços não é exceção. Ilustra todas as formas de escravidão autorizadas pela diretriz aprovada pelo Parlamento Europeu, em 2006 [7]. Tal diretriz submete abertamente a aplicação dos direitos trabalhistas e da saúde no trabalho à aplicação do direito à concorrência. Isto corresponde ao que já se aplica na terceirização — o instrumento preferido da irresponsabilidade dos industriais. Quando os diretores da Airbus Industries prevêem, ao mesmo tempo, milhares de demissões e a redução de 20% dos custos de produção de um novo avião, significa uma intensificação do trabalho para todos os assalariados e terceirizados que terão a ??sorte?? de conservar seu emprego. Afirma-se que a hora é a da urgência produtiva, barrando qualquer contestação das condições de trabalho. Aliás, a deslocalização para a Turquia, China ou outro lugar permite a esses diretores contornar as regras de proteção francesas ou européias.
Formam-se redes para defender os trabalhadores desses países. Recentemente, uma delas divulgou, na Europa, o caso das operárias chinesas expostas ao cádmio nas fábricas de pilhas e baterias da Gold Peak Industries, multinacional com sede em Hong Kong. Esses produtos são usados em brinquedos, computadores portáteis ou ainda máquinas fotográficas, exportados maciçamente para todas as partes do mundo. Note-se que a União Européia e os Estados Unidos editaram regras estritas de prevenção, prevendo — como no caso do amianto — que os trabalhadores sejam integralmente protegidos de todo contato cutâneo ou respiratório com o cádmio. Apesar da forte mobilização dos antigos operários das fábricas da Gold Peak, mantida por várias organizações de defesa dos direitos dos trabalhadores de Hong Kong, a direção da empresa sempre se recusa a indenizar os operários intoxicados e a empreender negociações sérias com os trabalhadores [8].