Transmissão dos campeonatos estaduais femininos: entre progressos e desigualdades
Competições das regiões Norte e Nordeste continuam às escuras no cenário nacional
O futebol de mulheres se popularizou significativamente no Brasil nos últimos cinco anos, sobretudo após a realização da Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2019 na França, a expansão das plataformas de streaming e a aquisição dos direitos televisivos do principal campeonato nacional pelo maior grupo midiático do país. Em contrapartida, os torneios estaduais — principalmente dos estados do Norte e do Nordeste — não acompanharam essa mesma trajetória.
O Observatório das Transmissões de Futebóis, um projeto do Intervozes em parceria com o grupo de pesquisa Crítica da Economia Política da Comunicação (CEPCOM), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), vem mapeando as exibições do futebol praticado por mulheres no Brasil e ressaltou dificuldades na coleta de dados sobre essas transmissões.
Em geral, o desenvolvimento tardio, após a proibição da modalidade em 1940 até a década de 1980, e sua recente regulamentação, além do preconceito de uma sociedade machista e patriarcal, foram responsáveis pelo estranhamento do público e pela consequente falta de espaço e visibilidade do esporte nos veículos de comunicação.
Enquanto aumentam as disputas midiáticas em torno do futebol masculino, apesar dos novos passos dados em direção à consolidação, o futebol delas segue marginalizado dentro no cenário das transmissões esportivas. Todavia, há avanços recentes e boas perspectivas para os próximos anos.
Histórico das transmissões do futebol de mulheres no Brasil
A TV Bandeirantes foi a pioneira no futebol feminino no Brasil. Ícone da emissora, o locutor esportivo Luciano do Valle idealizou as transmissões do Campeonato Brasileiro Feminino, do Paulistão e da Copa do Mundo de 1995 e, posteriormente, da Libertadores no final dos anos 2000. No entanto, a modalidade ganhou destaque a partir dos Jogos Panamericanos de 2007, realizados no Rio de Janeiro, quando a Seleção Brasileira se consagrou campeã.
Algum tempo depois, a Copa do Mundo de 2015 foi exibida na TV Brasil, na Band e no SporTV. Mas, como dissemos, foi no Mundial de 2019, na França, que a popularidade do esporte se ampliou nacionalmente, com os jogos da seleção canarinha sendo transmitidos em TV aberta na Rede Globo e na Bandeirantes, e as demais partidas exibidas na TV fechada, por meio dos canais SporTV.
Outro ponto de destaque deste ano foi a exigência da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) para que todas as equipes masculinas que disputassem seus torneios (Copa Libertadores e Copa Sul-Americana) apresentassem a modalidade feminina em seu plantel. Desde então, diversas empresas de comunicação têm assumido a exibição de campeonatos femininos de clubes e seleções.
No caso dos veículos nacionais, a Band realizou a cobertura do torneio nacional de 2019 a 2023, além da Libertadores de 2020 a 2023; o SBT transmitiu a última edição da Copa América, em 2022; e a Globo negociou os direitos exclusivos das competições organizadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entre elas, o Campeonato Brasileiro A1, a Supercopa do Brasil e os amistosos da Seleção Brasileira, tanto na TV aberta quanto na TV fechada.
Em relação aos veículos estrangeiros, os canais Fox Sports/ESPN/WatchESPN exibiram o Brasileirão em 2013, 2014 e 2020, a Copa Libertadores da América em 2015, 2016, 2018 e 2021, além da Champions League entre 2018 e 2021. Recentemente, outros atores entraram nesse mercado, como Facebook Watch, Twitter/MyCujoo, DAZN, YouTube, Paramount, Eleven Sports e TNT/Space/Max, ampliando as possibilidades de acompanhar a modalidade.
Quanto aos últimos megaeventos esportivos, tanto a Copa do Mundo Feminina de 2023 quanto os Jogos Olímpicos de 2024 – em que o Brasil ganhou a medalha de prata no futebol feminino – foram transmitidos pela Globo/SporTV e pela CazéTV, no YouTube.
Transmissões dos campeonatos estaduais femininos no Brasil
Apesar das novas regras da Conmebol e dos esforços recentes da CBF terem impulsionado o futebol de feminino, fomentando o desenvolvimento de equipes de maior expressão no cenário nacional, houve um aumento das disparidades nos campeonatos estaduais. Como uma faca de dois gumes, os ganhos de relevância dos torneios nacionais, devido à presença de clubes mais fortes, contrastam com a falta de competitividade e expressão das competições locais perante o público e a mídia.
No geral, a visibilidade dos campeonatos estaduais pelas emissoras de televisão é dada somente nas suas fases finais, quando as equipes mais competitivas se enfrentam e disputam o título. Segundo levantamento realizado pelo Observatório Transmissões de Futebol, o número de torneios com jogos transmitidos pela TV aberta chegou ao ápice no ano passado: 2019 (quatro), 2020 (sete), 2021 (cinco), 2022 (dois), 2023 (nove) e 2024 (cinco). Ainda assim, as protagonistas continuam sendo as plataformas de streaming, com 19 campeonatos transmitidos neste ano.
Transmissão dos campeonatos estaduais no Brasil em 2024
A ampla cobertura das transmissões via plataformas de streaming, em oposição à fraca presença dos campeonatos estaduais femininos na TV aberta, revela um esforço dos clubes e das federações locais. Em 2024, ainda com competições a começar, onze campeonatos tiveram transmissões promovidas pelos canais das federações, e outras seis edições foram exibidas pelos próprios clubes no YouTube. Enquanto isso, oito torneios estaduais não apresentaram nenhum tipo de transmissão dos jogos no Brasil.
Como ‘ponto fora da curva’, o Campeonato Paulista, disputado sem interrupções desde 2004 e o primeiro a ter transmissão na TV aberta, vê a competitividade dentro de campo se refletir na mídia. Neste ano, o torneio foi exibido pela Globo/SporTV, Record News, TV Cultura, TNT/Max e Centauro (YouTube). Por outro lado, o Campeonato Carioca, apesar da força de seus clubes na modalidade masculina, é transmitido somente pelos canais no YouTube dos clubes participantes.
Por fim, podemos destacar as transmissões de três estaduais (mineiro, pernambucano e gaúcho) pelo Nosso Futebol, um canal de pay-per-view e televisão por assinatura brasileiro de propriedade do grupo Vrio Corp (dono da Sky Brasil), em parceria com a DAZN. No mais, algumas outras iniciativas locais transmitiram os estaduais, como a NSports (MG), a EsporteMS (MS), a Olhar Esportivo (MT), Scorel TV e FutebolJPa (PB).”
Perspectivas para os próximos anos
A próxima edição da Copa do Mundo Feminina acontecerá no Brasil em 2027, e a expectativa é que sejam cumpridas as metas traçadas pela CBF em seu plano de candidatura enviado à FIFA. Focado na busca constante pela igualdade de gênero, inclusão social e prevenção contra assédio, algumas das ações propostas são a criação de programas esportivos educacionais, o aumento do número de clubes com equipes femininas e projetos de base, bem como a aceleração de iniciativas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Vale lembrar que o torneio acontecerá em dez cidades brasileiras, cujos estados apresentam transmissão dos seus campeonatos, o que já é um grande passo para o maior desenvolvimento e construção do legado esportivo local após a realização dos jogos. Outra ação que permitirá a imersão da população durante o mundial será a realização dos Fan Festivals (antigas Fan Fests). Na edição masculina de 2014, mais de 5,5 milhões de pessoas marcaram presença nos eventos das doze cidades-sede.
Além das iniciativas propostas pela CBF, é imprescindível, porém, que os clubes e as federações estaduais realizem suas próprias ações, de forma a valorizar o futebol de mulheres enquanto produto (para a atração de investimentos e patrocínios) e incentivar a torcida a marcar presença nos jogos, fortalecendo também os campeonatos locais. Algumas dessas iniciativas podem incluir uma maior divulgação e promoção dos torneios, sorteio de ingressos para torcedores e facilitação no credenciamento da imprensa para a cobertura jornalística.
Em suma, apesar da responsabilidade compartilhada, os meios de comunicação atuam de acordo com os seus interesses, principalmente financeiros. Logo, quanto mais a modalidade alcançar audiência e patrocínio/apoio de empresas privadas de relevância, mais as emissoras de TV e as plataformas de streaming disputarão os direitos de transmissão dos torneios. Apesar de o caminho ainda ser longo, pequenos passos devem ser dados para que esses campeonatos sejam reconhecidos, mantidos e destacados.
Alícia Soares é jornalista e mestranda em Comunicação pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).