Tudo ia bem. Já não vai mais
O domínio e a manipulação das informações pessoais levavam ao poder uma personalidade educada, distinta, progressista e liberal. Quatro anos depois, Hillary Clinton entrou em campanha…
Em 2008, um jovem candidato à primária democrata e depois à eleição presidencial norte-americana alimentava o entusiasmo dos comentaristas pelo método inovador utilizado em sua campanha: coletar os dados pessoais dos cidadãos que poderiam votar nele. E ele foi tão bem-sucedido que, segundo a jornalista Sasha Issenberg, a equipe de Barack Obama “sabia o nome de cada um dos 69.456.897 cidadãos norte-americanos cujas cédulas o haviam levado à Casa Branca”. Quatro anos depois, essa coleta se tornou ainda mais empolgante, com “protocolos de ‘compartilhamento direcionado’ capazes de vasculhar a rede Facebook em busca de amigos que a equipe de campanha gostaria de recrutar, mobilizar ou convencer”.1 Tudo ia bem. Sem respeito excessivo pela privacidade, estatísticos e especialistas democratas colhiam traços de comportamentos individuais on-line, reviravam as redes sociais e reuniam hábitos de consumo para construir um banco de dados gigante. Para quê? “Definir os eleitores mais dispostos a serem convencidos” e depois bombardeá-los com “mensagens sob medida”.
Converter dados pessoais em persuasão clandestina: esse princípio elementar da publicidade on-line passaria a partir de então a ser aplicado às disputas eleitorais. A imprensa celebrou essa conquista. “Big Data salvará a política”, proclamava a capa da MIT Technology Review (jan.-fev. 2013), cujo sumário anunciava: “Bono [cantor do grupo U2]: ‘Dados podem combater a pobreza e a corrupção’”, “Sasha Issenberg: ‘Dados tornam as eleições mais inteligentes’” e “Joe Trippi: ‘Dados dão alma à política’”. Tudo ia bem: o domínio e a manipulação das informações pessoais levavam ao poder uma personalidade educada, distinta, progressista e liberal.
Quatro anos depois, Hillary Clinton entrou em campanha. Em 2016, “suas centenas de especialistas em dados trabalhavam em estreita colaboração com o Facebook para tirar partido da rede de amigos de cada eleitor”, observava o Wall Street Journal. Temia-se que os usuários ficassem incomodados com a exploração política de seus dados? “Os consumidores parecem acostumados à segmentação da publicidade comercial”, explicava o jornal de negócios. “[Donald] Trump provavelmente não poderá contar com sua indignação contra o uso mais inteligente dos dados empreendido pelos democratas.” Tudo ia bem: “O candidato com os melhores dados será vencedor”.
Mas eis que em novembro de 2016 os barulhentos bonés “Make America Great Again” substituíram os sutis algoritmos californianos. Desde então, tudo vai mal. Pouco dispostos a admitir a derrota contra um eleitorado e um candidato que desprezam, os defensores de Clinton imputam seu fracasso à intervenção de poderes maléficos no mesmo terreno que deveria levá-los à vitória: os russos, que invadem as redes sociais para espalhar propaganda política e notícias falsas; a Cambridge Analytica, que obteve e processou as informações pessoais dos usuários do Facebook em benefício de Trump. Que escândalo! Passando do status de “salvador da vida política” para o de “perigo para a democracia”, o capitalismo de vigilância impulsionado pela extração de dados revela sua mecânica.
Por muito tempo apresentadas como efeitos colaterais de um sistema virtuoso, a pilhagem de dados e a elaboração de perfis agora aparecem como o negócio de plataformas que oferecem seus serviços apenas para vender os dados de seus usuários aos anunciantes. Quanto à disseminação de “notícias falsas”, devemos culpar o gênio diabólico dos “russos” ou o algoritmo do Facebook, que, como um tabloide eletrônico, privilegia as informações mais atraentes para chamar a atenção dos leitores, gerar compartilhamento e criar virais?
Preocupado em recuperar a reputação de sua empresa, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, teve de guardar sua camiseta para responder, de terno, às interpelações dos parlamentares norte-americanos. Nada vai bem.
*Pierre Rimbert é jornalista do Le Monde Diplomatique.