Um convite desvantajoso
Dez países da Europa Oriental integrarão a União Européia, para o que receberão de seus “irmãos ricos” uma substanciosa ajuda financeira. Os países do Mediterrâneo (Tunísia, Marrocos, etc.) também foram convidados, mas receberão uma ajuda 300 vezes menor…Jean-Pierre Séréni
Na reunião de cúpula em Copenhague, no início de dezembro de 2002, os 15 países da União Européia convidaram seus irmãozinhos do Leste para se juntar a eles numa grande família. Para os dez eleitos, o exercício não é nada fácil no plano econômico e social: será preciso que, em poucos anos, reduzam suas barreiras alfandegárias, adotem as normas e 80 mil páginas de regulamentações comunitárias. Em síntese, será preciso se abrirem sem restrições para as mercadorias, empresas e bancos da Europa ocidental.
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Os novos candidatos deverão, em poucos anos, abrir suas economias, sem restrições, às mercadorias, empresas e bancos da Europa ocidental
O mais duro não será abandonar, para os estonianos, a caça ao urso, ou, para os letões, a pesca de arenques de, no mínimo, 14 centímetros, mas fechar milhares de empresas públicas que não resistirão ao choque da concorrência externa e nas quais trabalha ainda uma parte importante da população economicamente ativa desses dez países. Sem esquecer seus camponeses, que deverão renunciar a muitas atividades tradicionais para se especializarem em segmentos extremamente raros, em que dispõem de uma vantagem natural ou econômica sobre seus poderosos concorrentes do Oeste.
Uma diferença chocante nas subvenções
Os governos deverão “controlar suas finanças públicas”, ou, para ser mais claro, reduzir os déficits para a generalização da TVA (taxa de valor agregado), a alta dos impostos e a redução dos créditos orçamentários destinados à saúde, à moradia e à educação. E lhes será preciso muita habilidade e sorte para evitar os riscos de desestabilização. Sem dúvida, a ampliação vai fazer “ferver” mais de um governo…
Antes dos dez, outros vizinhos da União Européia foram convidados a um exercício semelhante: os da margem sul do Mediterrâneo. Em 1995, em Barcelona, sob o estímulo do eixo Paris-Roma-Madri, a União propôs a uma dúzia de países que estabelecessem em conjunto uma grande zona de livre comércio. Um certo número já aceitou (Tunísia, Jordânia, Marrocos e Argélia), os outros negociam com as equipes de Chris Patten, “ministro” das Relações Exteriores de Bruxelas (Comissão Européia). Como os dez países do leste europeu, será preciso que se abram, desestatizem e reestruturem economias que, em uma geração, conheceram a descolonização, as nacionalizações e… a liberalização.
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Em 1995, em Barcelona, a União propôs a seus vizinhos da margem sul do Mediterrâneo que estabelecessem em conjunto uma grande zona de livre comércio
Bruxelas reconheceu a amplitude da tarefa e, para atenuá-la, acompanhou a ampliação, como os acordos de livre comércio, com uma ajuda financeira. Os dez receberão 40,4 bilhões de euros (160 bilhões de reais) em subvenções comunitárias durante três anos (2004-2006); os países do sul e do leste do Mediterrâneo receberam, de 1992 a 1998, 753 milhões de euros (2,95 bilhões de reais) a título de suporte ao ajuste estrutural. Essas cifras dissimulam uma extraordinária diferença, chocante a partir do momento em que são relacionadas ao número de habitantes: meio euro (2 reais) de ajuda por habitante para o sul, 185 euros (730 reais) por cabeça para o Leste.
Dois pesos, duas medidas
Não se trata de criticar Bruxelas por fazer muito pelos dez, mas de se perguntar sobre as conseqüências de uma política que desfavorece os mais pobres em proporções extravagantes – o nível de vida no Leste é três a quatro vezes mais alto que o do sul. Tudo se passa como se os atuais membros da União Européia considerassem que, no sul, o mercado deva ser instrumento quase exclusivo do reajuste, sem a garantia de uma ajuda orçamentária européia conseqüente, que aliviaria o esforço enquanto, para os 10, impõe-se um melhor equilíbrio entre o mercado e as subvenções, mesmo que os governos desses países as considerem insuficientes.
Dois pesos, duas medidas. A agricultura ilustra bem essa desigualdade na maneira de tratá-los. Nas negociações sobre a ampliação, o debate baseou-se no acesso dos dez à Política Agrícola Comum (PAC) e a seus preços garantidos, em geral, muito superiores aos do mercado internacional. Em princípio, seus camponeses vão se beneficiar disso. Em compensação, para os países do sul que assinaram um acordo de livre comércio, não se trata de usufruir das generosidades da PAC, mas de limitar da melhor maneira possível a entrada de seus produtos agrícolas mais competitivos no mercado europeu.
Um “avanço”, mas modesto
São questionadas as conseqüências de uma política que desfavorece os mais pobres – o nível de vida no Leste é três a quatro vezes mais alto que o do sul
Um exemplo: o óleo de oliva da Tunísia. Principal produção agroalimentícia do país, foi admitida com isenção de taxas de direitos alfandegários para 40 mil toneladas; o mesmo montante já foi autorizado no mercado francês há cerca de um século, quando a regência era um protetorado. Ultrapassada dessa cota, recentemente aumentada em 35%, o óleo tunisiano é comprado pelo preço mundial, muito inferior, e revendido com etiqueta italiana aos consumidores europeus. Por um alto preço…
Amanhã, os dez do Leste e os países do sul serão concorrentes na imensa zona de livre comércio da União Européia, mas sem armas iguais: os primeiros terão financiado seu nivelamento por subvenções, os outros, por empréstimos que terão de pagar e que pesarão nos custos de produção. Obviamente, isso influenciará as decisões dos investidores do Ocidente em busca de locais para instalar filiais de suas fábricas.
Em Copenhague, os dirigentes dos atuais 15 membros da UE não abordaram o assunto, como estava previsto, durante o tradicional jantar do primeiro dia. Falta de tempo ou de ambição? Seu único gesto recente em direção ao sul foi a Facilidade Euromediterrânea de Investimento e de Parceria (FEMIP), adotada no dia 18 de outubro de 2002. Trata-se de uma linha de crédito suplementar de 600 milhões de euros (2,37 bilhões de reais) por ano (2003-2006), considerada mais justa, para “financiar a modernização e o desenvolvimento de suas economias”. Um avanço, mas bem modesto em relação às nece
Jean-Pierre Séréni é jornalista.