Um momento delicado
A queda de prestígio do presidente Lula é a expressão de um governo que, em razão de suas alianças ao centro e à direita, não consegue imprimir uma política própria, perdendo oportunidades de assumir bandeiras mobilizadoras e estratégicas no mundo atual
Os fios desencapados estão soltos e podem, a qualquer momento, provocar um novo curto-circuito na política e na democracia brasileira. Há elementos para levantar essa inquietação.
A queda de prestígio do presidente Lula é a expressão de um governo que, em razão de suas alianças ao centro e à direita, não consegue imprimir uma política própria, perdendo oportunidades de assumir bandeiras mobilizadoras e estratégicas no mundo atual, como a questão ambiental, a questão indígena, a transição energética, a regulamentação das big techs e a política nacional de segurança pública, para vencer os avanços do crime organizado em suas várias formas.
Uma parcela expressiva dos brasileiros apostou em Lula acreditando em um processo de mudanças. Agora, torna-se um eleitorado mais crítico e insatisfeito com a falta de avanços em áreas-chave, como o preço dos alimentos, a inflação, os impactos da alta do dólar e a violência.
Lula nos salvou de um segundo mandato de Bolsonaro, o que não é pouca coisa, mas na frente política formada para vencer as eleições há muitas resistências para “botar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”.

As críticas e questionamentos ao governo ecoam uma parcela de verdade, mas todo esse desgaste é potencializado por uma imprensa hostil e, sobretudo, pelas redes sociais, amplamente dominadas pela direita e extrema direita, que, por falta de controle legal efetivo, não hesitam em divulgar amplamente fake news, mentiras que acabam causando desgastes na confiança em relação ao governo, como no caso recente do Pix. A direção clara é pavimentar o caminho para uma reorganização da direita.
A captura de estruturas do Estado por grupos econômicos poderosos – bancos e agronegócio, por exemplo – para garantir seus interesses corporativos vai na contramão do interesse público. Esses atores não querem políticas redistributivas ou a ampliação do papel do Estado como impulsionador de políticas sociais. Está em disputa para onde vai o dinheiro público…
É preciso que o governo responda às prioridades da maioria da sociedade brasileira e se mobilize na formulação de propostas que atendam a demandas sociais como o transporte público gratuito e o fim da jornada de trabalho 6×1.
Cabe ao governo Lula assegurar direitos para enfrentar o modelo de superexploração que se expressa no teletrabalho, nos serviços de delivery, na uberização. Os que trabalham querem melhorar de vida, querem ter tempo disponível depois do trabalho, querem ter esperança de que seus filhos poderão viver uma vida mais feliz.
As condições de vida atual levam a esse sentimento de frustração, a uma revolta surda, potencializada pelos algoritmos das redes sociais, que polarizam e envenenam nossas relações e alimentam o ódio e a violência. São os elementos que alimentam os discursos da ultradireita. A grande maioria dos brasileiros e brasileiras se sente desamparada, empobrecida, amedrontada com a violência, e passa a se posicionar contra o Estado e os governantes, que parecem alheios ao seu sofrimento.
O individualismo e a ideologia do empreendedorismo são a negação do coletivo, da solidariedade, da cooperação. Sindicatos, associações, movimentos sociais, os coletivos que se organizam na defesa de direitos enfrentam essa fragmentação social. Articular essa enorme diversidade dos que vivem sob opressão é o grande desafio do nosso tempo.
É preciso identificar quais são os grupos sociais opressores, que sequestram nossos direitos. E é nesse cenário em que já estamos, é nele que se inicia a campanha eleitoral de 2026.
Mas quem são, afinal, os opositores do governo Lula?
Importantes atores do sistema financeiro e empresarial, que não querem ser taxados em sua riqueza pessoal e corporativa no Brasil ou em paraísos fiscais. Não querem perder privilégios, como isenções fiscais e subsídios com dinheiro público para seus negócios, nem baixar os juros da Selic, que lhes rendem altos dividendos.
Grande parte do agronegócio, que se posiciona contra a demarcação das terras indígenas e os assentamentos da reforma agrária, assim como contra o fim de vários subsídios, como o imposto zero para exportações e para a indústria de agrotóxicos. Querem a anulação das reservas indígenas com a proposta do Marco Temporal, escandaloso projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e acaba de ser denunciado na ONU como nefasto para os direitos dos povos originários.
O Centrão, isto é, o grupo de parlamentares fisiológicos que se apropriou, nos governos Temer e Bolsonaro, de substancial fatia do orçamento público (em 2024 foram R$ 52 bilhões) para reforçar sua base política em seus municípios. São emendas parlamentares sem controle algum, que agora enfrentam a determinação legal de rastreabilidade e objetivos.
Os militares, que seguem defendendo seus interesses corporativos, seus salários, seus complementos, sua previdência especial. Sua formação vê com desconfiança os governos do PT, que identificam como o “inimigo comunista” a ser combatido.
O Judiciário, que, com seus salários e “penduricalhos” que o colocam no topo da pirâmide social, se vê como parte da elite. Seus integrantes são, em sua enorme maioria, oposição ao PT e a políticas redistributivas, e não estão dispostos a abrir mão de seus privilégios.
Setores das classes médias para os quais as políticas de redução das desigualdades, como a afirmação dos direitos das empregadas domésticas e as cotas para negros, indígenas e população de baixa renda nas universidades, ameaçam o que entendem por seus privilégios.
As igrejas evangélicas neopentecostais, que, em sua grande maioria, se posicionam contra os direitos constitucionais da mulher. Pedem, cada vez mais, isenções de impostos, financiamento público para suas ações sociais. Reafirmam os valores que fundamentam todo tipo de discriminação. Com sua intolerância, atacam tudo que é diferente e veem como um perigo as religiões de matriz africana ou o casamento homoafetivo. Entre suas estratégias está ocupar espaços de participação em Conselhos Tutelares e outros.
A atuação da extrema direita nas redes sociais, que não hesita em produzir fake news e reproduzi-las em milhões de mensagens, criando uma animosidade e uma polarização “entre o bem e o mal” que tem levado à violência e mesmo a assassinatos de oponentes.
Como expressão dos interesses desses distintos grupos sociais que se opõem ao governo Lula, a grande imprensa corporativa – jornais e TVs – passou a promover, na perspectiva das eleições em 2026, um ataque sistemático ao governo federal, construindo a visão de que o governo é fraco e não tem força para impor suas propostas. Sugerem a inviabilidade de um governo progressista. Apresentam pautas agressivas de privatização, enxugamento do Estado, cortes no social.
Existe uma pauta progressista. Se o Congresso aprovar, por exemplo, as propostas para uma política nacional de segurança pública elaboradas pelo PT, teremos meios para enfrentar as milícias e o crime organizado, mas a maioria dos governadores não abre mão de controlar suas polícias militares. E muitos desses governadores pertencem ao agronegócio e às elites tradicionais. São os “coronéis” de seu território.
Este é um momento delicado. A fragilização do campo democrático só pode ser superada pela convocação da participação popular, das mobilizações em defesa da cidadania. A tarefa é urgentíssima.
ótimo texto!