Um patrão à imagem de Deus
Jean-Marie Messier declara que o planeta é o seu domínio; e a organização do mundo, sua tarefa histórica. Sua ambição é o poder total; e o meio de alcança-lo, a comunicaçãoFrédéric Lordon
Os gregos tinham o costume de chamar hubris a mania de grandeza que se apoderava de seus heróis, o delírio descomunal que acompanhava a glória, a ambição de ultrapassar os limites da condição humana e alcançar a dos deuses. Foi provavelmente a hubris que tomou Jean-Marie Messier no momento em que redigiu seu “Ponts de l?après-11 de septembre1 “, um texto definitivamente notável e talvez sem precedentes no capitalismo francês. Tudo é dito sem a menor ambigüidade e sem a mínima dissimulação. Aliás, é nesse gênero de franqueza brutal que se encontram os mais chocantes projetos de conquista, tão seguros de sua força e de seu direito que não têm a mínima preocupação de se esconder ou de se disfarçar.
O fato de as coisas serem ditas com esse grau de inocência, sem que seja necessário o mínimo esforço para decifrá-las, deve ser interpretado como sinal de uma ambição que, além da sua própria dinâmica, parece tão perfeitamente adequada ao momento histórico que se considera irresistível. Jean-Marie Messier declara, por exemplo, que o planeta é o seu domínio e a organização do mundo, sua tarefa histórica. As ambições do capitalismo globalizado eram conhecidas, principalmente as do norte-americano. Mas o patrão da Vivendi Universal deu um salto qualitativo.
Uma empresa que se equipara à ONU
Não se trata apenas do projeto mesquinho de moldar a vida coletiva – embora em escala mundial, mas numa dimensão exclusivamente material. Bill Gates tem a pusilanimidade de se contentar em colocar seus programas Windows e Internet Explorer em todos as casas do mundo. Jean-Marie Messier vai mais longe. Não é vender mais e sempre que o impulsiona, e sim, tomar as rédeas do mundo, abraçar a história e o futuro das civilizações. “Será que podemos ficar de braços cruzados diante do risco da crescente incompreensão entre o Ocidente e o mundo árabe-muçulmano?” Não, evidentemente, Jean Marie Messier não pode. Felizmente, a Vivendi Universal é um instrumento a serviço do mundo e Jean Marie Messier pretende utilizá-lo, não para valorizar suas ações, mas para reduzir a fratura das civilizações, para amortecer o choque das culturas: “Para construir, finalmente [a ponte entre o mundo ocidental e o Oriente Médio], para ajudar a reduzir a distância econômica, social e cultural, o que podemos fazer? Nós, enquanto empresas, temos os meios financeiros e, principalmente, humanos”.
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Não é vender mais e sempre que impulsiona Jean-Marie Messier, e sim, tomar as rédeas do mundo, abraçar a história e o futuro das civilizações
Essa fascinante oferta de serviços que, ipso facto, equipara a Vivendi à ONU e aos governos, resulta de um raciocínio em que se disputam o capcioso e o preocupante, mas sempre protegido por uma lógica impecável. Vejamos, de saída, esse formidável silogismo pelo qual a Vivendi proclama sua autoprerrogativa: 1) eu sou uma grande empresa internacional; 2) como tal, assumo minhas responsabilidades por ser uma empresa-cidadã; ergo, 3) preocupo-me com a evolução do mundo e nada do que se refere a essa evolução me é estranho. Por meio dessa prodigiosa inversão retórica, a licença é reapresentada sob a forma de dever moral, e a ambição política do gigante econômico, liberada em nome do estado de necessidade: “Quanto mais as empresas forem globais, mais sua trajetória estará ligada à evolução do mundo e da sociedade civil. E tanto mais deverão elas assumir, por sua vez, uma responsabilidade não somente econômica, mas também social, ambiental, cultural…” O dever, somente o dever, e, principalmente, nunca falar em “política”. O choque das civilizações feriu a consciência de Jean-Marie Messier – e a Vivendi fará disso a sua luta.
A mercadoria que fabrica os espíritos
O preocupante vem em seguida. Pois a Vivendi não se acha apenas legitimamente qualificada para tomar sob sua responsabilidade os negócios do mundo, mas também se julga altamente especializada no assunto. Isso porque a redução da fratura entre as civilizações age primeiramente sobre os espíritos, e compreender a ação sobre os espíritos é o “negócio” da Vivendi! Não é do conhecimento geral que a Vivendi é uma operadora de “cultura”? Não seria essa a competência de que precisamos, já que o problema é justamente cultural? “A Vivendi Universal é um grupo de comunicação, criador e distribuidor de tudo o que se relacione à cultura em sentido mais amplo: lazer, educação, literatura, informação, tudo o que transmita um modo de vida ou de pensar e que reflita ou acompanhe a evolução das sociedades.” Com uma discrição singela, Jean-Marie Messier diz ser o homem para isso: seu tema preferido são os níveis de compreensão mais profundos; e seu negócio é homogeneizar os espíritos – em todos os sentidos.
A Vivendi não se acha apenas legitimamente qualificada para assumir os negócios do mundo, mas também se julga especializada no assunto
É bom voltar a dizer, insistindo para ver nisso um sinal premonitório, que o comentário acima não se deve a uma interpretação ou a uma sábia dedução, mas decorre da leitura pura e simples. Leitura daquilo que é dito com a paz das forças superiores. Jean-Marie Messier é uma espécie de mutante. É um produto híbrido da agressividade vencedora norte-americana e da tendência aos conhecimentos gerais da racionalidade francesa. Trata-se, provavelmente, do mais perigoso modelo de capitalista que as sociedades ocidentais algum dia enfrentaram.
O capitalista norte-americano não tem outro projeto além de inundar o mundo com sua mercadoria e acumular o lucro. O nosso, híbrido, é um gênero inédito: à sua pulsão pela acumulação, ele acrescenta uma visão do mundo. Uma se realiza no contexto da outra e as duas juntas revelam, em sua última verdade, a ambição de poder total desse novo capitalista: comandar a organização política do mundo através da mercadoria, ou melhor, de uma mercadoria, mas estrategi
Frédéric Lordon é economista, autor de Jusqu’à quand? L’éternel retour de la crise financière (Até quando? O eterno retorno da crise financeira), Raisons d’Agir, Paris, 2008.