Um reflexo das Desigualdades Sistêmicas na Petrobrás
A diversidade não é apenas uma questão de justiça social, mas de eficiência gerencial. Decisões tomadas por grupos homogêneos tendem a repetir vieses e ignorar riscos
A Petrobras, empresa estatal de maior relevância estratégica para o Brasil, deveria refletir, em sua estrutura máxima de governança, a diversidade demográfica e regional do país. Uma breve análise dos perfis dos atuais membros do Conselho de Administração, do Conselho Fiscal (incluindo suplentes) e da Diretoria Executiva, no entanto, expõe um cenário totalmente alheio à realidade nacional: uma concentração esmagadora de pessoas vinculadas à região Sudeste; sub-representação feminina (apenas 7 mulheres em 29 cargos); e, para a surpresa de ninguém, um total de ZERO pessoas pretas ou indígenas, além de um número reduzido de pessoas pardas. Esses dados não são meramente numéricos: revelam dinâmicas estruturais que influenciam diretamente as decisões estratégicas da empresa, reforçando vieses geográficos, de gênero, raciais e, portanto, também econômicos e sociais.

Conforme mostra o gráfico a seguir, a distribuição dos vínculos dos membros da alta administração da companhia a Unidades da Federação (UF)[1] revela que as unidades federativas mais bem representadas são: Distrito Federal (11 membros), Rio de Janeiro (10), São Paulo (8), Minas Gerais (5) e Rio Grande do Sul (3); membros vinculados a estados das regiões Norte e Nordeste – com exceção simbólica de Pernambuco (1 membro) – são inexistentes. Se considerarmos o Distrito Federal como um território neutro, pelo fato de ser, por natureza, destinado a abrigar órgãos da administração federal – e considerando que diversos membros da atual cúpula decisória da empresa atuam (ou atuaram) nesses órgãos –, o quadro se torna ainda mais crítico: há 23 vínculos com estados da região Sudeste (todos os estados são contemplados, com exceção do ES), 5 vínculos com estados da região Sul (todos os estados são contemplados), um único vínculo com a região Nordeste e nenhum vínculo com quaisquer estados das regiões Norte e Centro-Oeste.

A Petrobras, empresa nacional, opera em diversas regiões do país, incluindo locais historicamente negligenciados em termos de desenvolvimento econômico e industrial. A concentração de decisões em mãos de indivíduos com interesses centrados nas regiões Sudeste e Sul reforça desigualdades estruturais ao priorizar investimentos nessas regiões e relegar outras áreas ao esquecimento ou – talvez ainda pior – levar à promoção de investimentos com interesses alheios às regiões subrepresentadas. Tome-se como exemplo o fato de que as Refinarias Landulpho Alves (Mataripe-BA), Isaac Sabbá (Manaus-AM) e Clara Camarão (Guamaré-RN) continuam privatizadas, enquanto, somente no estado de São Paulo, há quatro refinarias estatais. A ver também como funcionará a exploração da Margem Equatorial – até o presente momento, pode-se afirmar que se trata de um projeto com características neocoloniais, com fortes interesses estrangeiros e vinculados a outras regiões do país.
A presença de menos de 25% de mulheres na alta cúpula da companhia[2] fomenta uma cultura corporativa que marginaliza vozes femininas; reforça estereótipos de gênero; é incapaz de combater, de forma perene, o assédio ou de promover a ascensão profissional feminina de modo pleno; e prejudica decisões sobre licença-maternidade ou flexibilização de horários. Destaca-se que embora a atual presidenta da empresa seja uma mulher, algumas decisões recentes não vêm agradando ao público feminino, tal como a imposição do aumento do número de dias de trabalho presencial, o que prejudica, na atual conjuntura da sociedade, sobretudo as mulheres, além de, é claro, outros grupos minoritários.
A completa ausência de pretos e indígenas nos órgãos decisórios da companhia[3] é a “cereja do bolo”: um retrato cru do racismo estrutural que permeia a elite corporativa brasileira. A inexistência de representantes de tais etnias na liderança máxima da Petrobras não é um “detalhe”, mas um poderoso sintoma de exclusão sistêmica. Embora a Petrobras opere em regiões com grandes populações negras e indígenas, a falta de diversidade na alta liderança impede que demandas dessas populações sejam incorporadas às estratégias empresariais. Sem essas vozes, temas como cotas em processos seletivos, programas de inclusão ou reparação histórica em comunidades impactadas por atividades da empresa são decididos apenas por pessoas brancas (ou pardos estreitamente ligados ao grupo identitário das pessoas brancas, reproduzindo os seus interesses) – o que se pode esperar disso? Decisões justas e imparciais?
A homogeneidade da governança da Petrobras coloca em xeque seu compromisso com os princípios ASG (Ambiental, Social e Governança), além de aumentar o risco da companhia ser menos inovadora e mais propensa a crises éticas. Além disso, a imagem de uma empresa estatal que ignora a pluralidade étnico-geográfica do país alimenta certa desconfiança popular. A percepção de que decisões beneficiam apenas elites de determinadas regiões ou grupos fortalece narrativas de que a Petrobras não serve “ao povo”, mas sim a uma casta privilegiada.
Por fim, a diversidade não é apenas uma questão de justiça social, mas de eficiência gerencial. Decisões tomadas por grupos homogêneos tendem a repetir vieses e ignorar riscos. Se a Petrobras deseja realmente representar o Brasil, precisa começar refletindo sua diversidade em sua própria estrutura de governança. Caso contrário, continuará a ser um instrumento de perpetuação de desigualdades, e não de desenvolvimento nacional.
Ghabriel Anton Gomes de Sá é cientista de dados.
[1] Os vínculos dos integrantes dos Conselhos de Administração e Fiscal e da Diretoria Executiva da Petrobras às respectivas unidades federativas onde são atuantes foram extraídos a partir da análise dos currículos dos mesmos, disponibilizados em site oficial da Petrobras. Para a determinação dos vínculos, levou-se em consideração a trajetória acadêmica e profissional de cada um dos membros. Com o objetivo de identificar apenas os vínculos mais robustos, embora alguns membros possuam atuações e interesses em diversas unidades da federação, cada um foi associado a no máximo duas unidades federativas e vínculos aparentemente frágeis ou com menor relevância foram desconsiderados. Isso explica por que, embora alguns seletíssimos membros – especificamente três membros do Conselho Fiscal, sendo dois suplentes – possuam algum tipo de atuação em estados do Nordeste, esse vínculo foi desconsiderado. Caso algum membro julgue possuir vínculos significativos com algum estado das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, peço que se manifeste publicamente (com exceção do membro do Conselho Administrativo oriundo do estado de Pernambuco, cujo vínculo já fora contabilizado).
[2] O processo de identificação de gênero ocorreu com base nos pronomes utilizados pelos próprios integrantes da cúpula para autodescrição. Caso algum membro deseje fazer alguma consideração acerca do seu próprio gênero, peço que se manifeste publicamente.
[3] A caracterização étnico-racial foi realizada através de um procedimento de heteroidentificação individual, ou seja, através da observância, por parte do próprio autor, de imagens públicas de cada um dos membros da alta administração. Para tornar a análise mais assertiva, sugere-se solicitar que uma comissão de heteroidentificação, especializada no assunto, refaça a análise; além disso, através da LAI (Lei de Acesso à Informação), informações de autodeclaração podem ser solicitadas à Petrobras. Caso algum membro se identifique como preto ou indígena, peço que se manifeste publicamente.