Um romance-fotografia: A violência gentil, de Daniel Longhi
Resenha crítica da obra de Daniel Longhi, que explora uma reviravolta da vida do advogado trabalhista, Augusto Baldemar, após um caso envolvendo sua mãe
Advogado trabalhista, Augusto Baldemar lida diariamente com as lutas de seus clientes, que o procuram em busca de justiça. Sua vida pessoal, no entanto, parece demasiado controlada, e sua rotina, comum e previsível, beira o desinteressante.
É assim que o escritor recifense Daniel Longhi introduz ao leitor o protagonista do romance A violência gentil, livro lançado pela Editora Cachalote em 2024. Entretanto, a história de Augusto, bem como o mundo a sua volta, se transforma radicalmente quando uma causa envolvendo sua mãe, Judite Weberbauer, chega em suas mãos.

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Neste momento, o passado de Augusto, do qual ele tenta constantemente se esquivar, é revelado em uma trama repleta de reviravoltas, localizadas dentro de momentos específicos da história brasileira. Em A violência gentil, a investigação subjetiva de Augusto parte, essencialmente, da questão do “estrangeiro”. Descendente de família alemã, traz a tessitura entre tradições e narrativas familiares, a adaptação e o estabelecimento em um novo lugar, sem deixar de fora eventos históricos e violências estruturais. Estes conflitos podem ser observados, por exemplo, no trecho “O mar é tão violento” (pág. 99), que inicia o capítulo 8, “Neuroses”.
Além da complexidade da narrativa, a obra se destaca pela voz singular de Daniel Longhi. Experimentando, principalmente, com a ideia de fluxo de consciência, em determinados momentos, o autor evoca uma oscilação entre a narração em primeira e terceira pessoa. Levando em consideração o contexto da história, é como se o leitor estivesse diante de uma fotografia, sendo capaz de observar tanto uma memória privada quanto seu contexto histórico e cultural.
A violência gentil é dividida em três livros – “As Histórias dos Outros” (pág. 13), “Nomes, Neuroses, Endereços” (pág. 81) e “Metanoia” (p. 201) – que insurgem sinalizando “quebras” na narrativa: em “As Histórias dos Outros”, o foco é a vida pacata de Augusto; já “Nomes, Neuroses, Endereços” referem-se à afobação em torno da investigação de sua mãe; por fim, “Metanoia”, mais experimental, a coloca como narradora, tornando sujeito aquilo que, até então, era objeto, descrito e classificado apenas por outros personagens.
Vale ressaltar que a obra também se destaca pela capa minimalista, de autoria da artista Heloisa Akiyama, que faz alusão à monotonia inicial que cercava a vida do personagem, ao mesmo tempo em que destaca a cor vermelha, relativa à noção de “sangue” – que pode representar tanto o laço familiar quanto a violência.
Neste sentido, podemos dizer que A violência gentil, de certa forma, relembra a escrita de autores como Truman Capote e Jeffrey Eugenides, que também jogam com o encontro entre vida privada e retrato social.
Laura Redfern Navarro é poeta, jornalista e pesquisadora. Graduada pela Faculdade Cásper Líbero (FCL), atualmente é Mestranda em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Foi vencedora do ProAC em 2022 com o projeto “O Corpo de Laura”, que consiste em um livro e uma plaquete.