Uma brecha no controle da mídia
Passada a ditadura, a quase totalidade dos meios de comunicação continua controlada por dois grandes grupos empresariais, no Chile. Mas há exceções, como jornais satíricos e uma experiência, inédita, de um canal de televisão popular, ’Señal 3’Nira Reyes Morales
Depois do desaparecimento de inúmeros jornais críticos que surgiram na década de 80, no período da luta contra a ditadura – e cujo melhor exemplo é La Época -, 90% das publicações chilenas continuam controladas por dois grandes grupos conservadores: Copesa e El Mercúrio. Três dos quatro principais canais de televisão pertencem igualmente a essa “corrente de pensamento”. Entretanto, depois que o presidente Ricardo Lagos, entre outras medidas, aboliu o artigo 6b da Lei de Segurança do Estado, o qual protegia os altos funcionários do governo, da justiça e do exército contra qualquer crítica pública, novos meios de comunicação animam o cenário social: El Periodista, Rocinante, La Firme, La Huella, The Clinic, o semanário Siete + 7 (Le Monde diplomatique, edição chilena); jornais eletrônicos, como El Mostrador e Primera Línea; e projetos independentes, como a Rádio Tierra.
Depois da “ressurreição” do general Pinochet (em sua volta da Inglaterra), a publicação mensal satírica The Clinic, publicou a manchete: “Pinochet doa cadeira de rodas blindada e muletas calibre 42”. Como nenhum passante podia deixar de ver a primeira página afixada nas bancas, ela propiciava ligeiros momentos de cumplicidade entre chilenos que haviam perdido o hábito de exprimir suas opiniões diante de um desconhecido.
“Nem a favor, nem contra”
Nas poblaciones, desenvolvem-se iniciativas como a da televisão popular Señal 3 – única em seu gênero -, no bairro La Victoria, no sul de Santiago
Os moradores das poblaciones (bairros marginalizados) sofrem de uma falta gritante de representatividade na vida nacional. Ali também se desenvolvem inúmeras iniciativas, como a da televisão popular Señal 3 – única em seu gênero -, em La Victoria, no sul de Santiago. “Ela responde à necessidade de um meio de comunicação que nos represente, a nós, moradores de La Victoria, ou de qualquer outra población, e onde se possa mostrar uma outra realidade que a da pomada vendida pela televisão nacional”, explica Luis Lillo, um dos 16 jovens autodidatas da equipe da emissora1. Após terem juntado o dinheiro necessário vendendo antenas artesanais nos mercados e apresentando pequenos anúncios para a televisão, compraram material usado e alugaram um pequeno local em La Victoria.
“O sucesso do canal foi extraordinário. Mas já faz três anos que emitimos e ainda não conseguimos a devida autorização. Estamos arriscando nossa pele. Podem prender-nos e confiscar nosso material.” Todos, aqui, se lembram bem demais dos maus tratos e dos “métodos de persuasão” praticados pelos carabineros (polícia) durante a ditadura militar nas poblaciones. Os “maus hábitos” no momento de um controle ou de uma prisão perduram sob a democracia. “O governo sabe que emitimos clandestinamente. Não fez nada, nem a favor nem contra. Não se ?envolveu?. Pode-se considerar isso sob dois pontos de vista: se tomarem nosso material e nos prenderem por termos violado a lei das telecomunicações, nos tornaremos mártires e o poder não tem nenhum interesse nisso; por outro lado, o poder pode dizer ?deixemos que façam o que estão fazendo, mas não regularizemos sua situação?. Desse modo, estamos em suas mãos. Nós não existimos.”
Señal 3 tornou-se um agente social muito mobilizador. “Através dele, as pessoas sentem que fazem parte do país. A qualidade de vida não depende apenas do crescimento econômico e do dinheiro acumulado, como quiseram nos fazer acreditar. A experiência do Señal 3 nos mostrou isso.”
(Trad.: Iraci D. Poleti)
1 – Segundo a última pesquisa do Conselho Nacional de Televisão e do Instituto Adimark, cerca de 35% dos telespectadores entrevistados consideram que a televisão apresenta uma imagem deformada dos meios populares e da juventude. Esse trabalh