Uma guinada para o Oriente
Desde primeiro de julho de 2001, tanto modávios como romenos devem ter um passaporte para cruzar a fronteira que separa os dois países, intimamente ligados. Na região, essa primeira atitude de endurecimento da futura fronteira oriental ampliada da União Européia tem inúmeras conseqüências e empurra a Moldávia para o Oriente, enquanto centenas de milhares de seus cidadãos trabalham ilegalmente no Ocidente para escapar da interminável crise econômica.Guy-Pierre Chomette
Entre 1945 e 1990, quase ninguém cruzou a ponte de Sculeni, sobre o Prut, rio que demarca a fronteira entre a Romênia e a Modávia (ex-Bessarábia romena). A Romênia e a URSS, à qual pertencia a Moldávia desde 1945, haviam feito do rio Prut uma fronteira hermética.
As flores murcharam…
A Romênia e a Moldávia abriram a fronteira, na ponte de Sculeni, em abril de 1989. Para milhões de moldávios e romenos, a unificação estava a caminho
Porém, as primeiras eleições livres, ocorridas em abril de 1990 na República Socialista Soviética da Moldávia, abriram caminho aos partidários da unificação da Moldávia e da Romênia, ou seja, a um retorno à situação de antes da guerra. E, poucas semanas depois, dezenas de milhares de moldávios e de romenos dirigiram-se a Sculeni. Pressionados, Kichinev1 e Bucareste abriram a fronteira. Sobre a ponte, viam-se cenas dignas das de Berlim poucos meses antes, em novembro de 1989. A ponte de Sculeni, rebatizada na ocasião de “Ponte das flores”, ficou coberta de buquês e de pessoas, que ao passarem, em um significativo gesto simbólico, jogavam uma flor no rio Prut. Para milhões de moldávios e romenos, a unificação estava a caminho.
Onze anos depois, as flores murcharam. Esta é, em todo caso, a opinião do coronel Tudose, chefe do posto da fronteira romeno, que lembra aquela época com nostalgia: “Perdemos a chance. Aquele era o momento em que nos poderíamos ter reunido. Porém, tanto de um lado como do outro, não tivemos coragem política. Todas aquelas flores não serviram para nada. Agora é muito tarde. Os moldávios, finalmente, decidiram olhar para o Leste e nós, para o Oeste.”
Fim do sonho de reunificação
Como se chegou a isso? Em dezembro de 1991, Mircea Snegur, paladino da independência, foi eleito presidente da República da Moldávia. Sua vitória foi um balde de água fria nos sonhos dos partidários da unificação. Muitos fatores explicam o desinteresse precoce dos modávios por esse projeto2 .
Em dezembro de 1991, Mircea Snegur, paladino da independência, foi eleito presidente da Moldávia: foi um balde de água fria nos sonhos da unificação
Em primeiro lugar, os períodos de domínio romeno sobre a Bessarábia (1918-1940 e, depois, 1941-1944) não deixaram boas lembranças para os moldávios: centralismo de Bucareste, comportamento brutal dos funcionários romenos deslocados para lá…. No início da década de 90, os moldávios temeram ser novamente marginalizados em uma grande Romênia. Depois, a situação política e econômica da Romênia de 1990 a 1992 nada tinha de agradável para os moldávios, naquela época em melhores condições que seus irmãos romenos. Finalmente, a perspectiva de uma unificação horripila as minorias étnicas da Modávia. O povo gagauz, turcófonos cristãos do sul do país (3,5% dos 4,5 milhões de moldávios), proclamaram a independência em agosto de 1990, seguidos pela Transnítria, estreita faixa de território moldávio encurralada entre o rio Dniester e a Ucrânia, e onde 60% da população (de oitocentos mil habitantes) falam a língua russa. As regiões dos Gagauz e da Transnítria ameaçaram uma secessão em caso de reunificação da Moldávia com a Romênia. Uma perspectiva que congelou o caminho da reunificação3 .
Diferenças de ordem econômica
Resumindo, quando puderam escolher, os modávios preferiram a independência à unificação, preferindo postergar para mais tarde o dia da reconciliação que, no fundo, muitos aguardam. Esse dia, porém, parece mais longe do que nunca.
Porque, na década que acaba de terminar, a situação mudou, especialmente desde que a Romênia estabeleceu negociações de adesão à União Européia. Para as relações romeno-moldávias, as conseqüências foram dolorosas.
Quando puderam escolher, os modávios preferiram a independência à unificação, preferindo adiar para mais tarde o almejado dia da reconciliação
Do ponto de vista econômico, a Romênia encontra-se atualmente na órbita da União Européia. É verdade que o país está longe de ter reencontrado o nível de desenvolvimento de dez anos atrás: tomando por base 100, em 1989, seu PIB, em volume, não passa de 82, em 2000. Mas se beneficia de uma ajuda significativa em matéria de desenvolvimento: de 1991 a 2000, Bucareste recebeu mais de 1,2 bilhão de euros de Bruxelas (348 euros por habitante). Nada disse ocorre na República da Moldávia. Tomando por base 100, em 1995, seu PIB, em volume, passou para 62, em 2000. De 1991 a 2000, Kichinev recebeu apenas 95 milhões de euros de ajuda da União Européia (21 euros por habitante) e uma média de 550 milhões de euros em investimentos diretos (122 euros por habitante). Para finalizar, a renda per capita era de 1.568 dólares por habitante na Romênia, em 1995, e de 470 dólares na Moldávia. Em 2000, continuou sendo de 1.540 dólares por habitante na Romênia, mas caiu para 296 dólares na Moldávia4 .
Um retorno à proteção russa
O nível de vida, portanto, teve um recuo menos drástico na Romênia do que na Moldávia. Esta se viu no meio da travessia sem o suporte do Ocidente e desprotegida ante o desaparecimento do tecido econômico da ex-URSS. O país naufragou e a vida cotidiana dos moldávios tornou-se extremamente difícil: mesmo em Kichinev, a água, a eletricidade e o aquecimento não têm um abastecimento regular.
Do ponto de vista psicológico, conseqüentemente, a distância se aprofunda: os moldávios alimentam um certo complexo em relação aos romenos, a quem acusam de ser condescendentes. Rosina e Ludmilla são estudantes em Cahul, no sul do país, próximo ao rio Prut. “Temos muitos amigos que foram estudar em Brasov ou Bucareste”, dizem. “Mas quando voltam, contam como são discretamente postos de lado, os professores olhando-os de cima, ridicularizando-os diante dos outros alunos. Lá, eles nos consideram pobres.”
Do ponto de vista econômico, a renda per capita da Romênia é de 1.540 dólares, enquanto a da Moldávia não passa de 174 dólares
Do ponto de vista geopolítico, a Romênia voltou-se para o Ocidente: na direção da União Européia e também da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), à qual é candidata. O lado Moldávio, ao contrário, está voltado para o Leste. E muito mais depois do retorno dos comunistas ao poder, nas eleições de fevereiro de 2001. Uma volta que – como em outros lugares da Europa Oriental onde grande número de ex-partidos comunistas voltou ao poder sob a fachada de social-democrata – ilustra o profundo desencanto de uma população que vivia melhor há dez anos. Os moldávios votaram em um partido que propõe abertamente a volta à proteção de Moscou. Seu governante, o russófilo Vladimir Voronine, eleito presidente em abril de 2001, fez campanha propondo especialmente que a Moldávia se unisse à União Rússia-República Belarus5 .
Em nome da migração clandestina
Em Lipcani, no norte da Moldávia, Gheorghe, de 58 anos, está desempregado, assim como a metade da população. Faz três biscates no seu quintal para amigos que lhe darão, em troca, algumas frutas. Sua origem é romena mas, para ele, isso já não significa nada: “Não estou nem aí para a união com a Romênia!”, desabafa. “Quero comer, só isso. E pouco me importa com quem. Com a Ucrânia, com a Rússia, com a Romênia, tanto faz. O que eu quero é comer.” Nos fundos de sua horta há um campo, depois o Prut e, na outra margem, a Romênia. Às vezes observa os romenos da cidade em frente. Com inveja? “Ouvi dizer que, dentro de alguns meses, eles não precisarão mais de visto para irem à União Européia. E para nós? Para nós sempre haverá um visto, aliás, pior do que isto: a fronteira que você vê aí, bem embaixo, está sendo fechada. E estão só começando…”
Para os moldávios, essa é a mais dura conseqüência da aproximação da Romênia com a União Européia: desde 1º de julho último, devem ter um passaporte para atravessar a fronteira com a Romênia, embora nos últimos dez anos a carteira de identidade lhes bastasse. Uma medida que freia brutalmente as relações trans-fronteiras. O culpado? Todo mundo responde em uníssono: Bruxelas. Para prosseguir as negociações de adesão, a Comissão Européia pediu que os romenos exigissem um passaporte a seus vizinhos e irmãos de sangue, os moldávios. A razão invocada: tornar a fronteira mais segura para que não fosse tão permeável à migração clandestina vinda da Ásia. Em represália, a Moldávia fez o mesmo6 .
Uma punhalada nas costas
Do ponto de vista psicológico, os moldávios alimentam um certo complexo em relação aos romenos, a quem acusam de ser condescendentes
Toda a economia entre as fronteiras foi afetada. Há alguns anos, um bom número de camponeses moldávios atravessa todos os dias a fronteira para vender seus produtos na Romênia, onde o poder de compra é quatro vezes mais alto. Mas com o passaporte moldávio custando 32 euros – em um país onde o salário mensal é de 40 euros (32 euros = 65 reais; 40 euros = 80 reais) – não há dúvida de que esse pequeno comércio vai sentir o golpe. Micha, de 27 anos, mora em Giurgiulesti, uma cidade de fronteira no sul do país, e vai muitas vezes à Romênia comprar peças de reposição para revender na Moldávia. “Estamos preocupados”, diz ele. “Se a União Européia vier a exigir que a Romênia imponha vistos de entrada, será o fim do comércio de fronteira, que dá o sustento a muitos dentre nós.” Claudia, por sua vez, passa pela alfândega de Sculeni, para ir visitar a filha, estudante na Romênia. E preocupa-se: “Tenho quatro filhos, ou seja, vários passaportes para comprar. É muito dinheiro! Mas preocupo-me, sobretudo, com minha filha: será que vai poder continuar seus estudos sem dificuldades? Hoje são os passaportes, e amanhã?”
A Romênia prometeu dar um milhão de dólares à Moldávia para subsidiar o preço dos passaportes, e a União Européia também se teria comprometido a dar a mesma quantia. Do lado moldávio, as autoridades querem beneficiar os estudantes com o passaporte gratuito. Porém, muitos moldávios têm, apesar de tudo, o sentimento de receber uma punhalada pelas costas. Alguns se dizem duplamente rejeitados: pela União Européia, primeiro, e agora pela Romênia.
Em busca de uma brecha
Os moldávios elegeram presidente Vladimir Voronine, que propõe explicitamente que a Moldávia faça parte da União Rússia-República Belarus
O que não os impede de continuarem a migrar para o lado ocidental do continente. Calcula-se que seiscentos mil moldávios já tenham vindo trabalhar ilegalmente na União Européia. É preciso, no entanto, deixar claro que sua entrada na União Européia muitas vezes nada tem de ilegal. É o caso de Costea, 30 anos, natural de Balti, segunda cidade do país, que tentou passar à força, sem papéis. Recusado na fronteira polonesa-ucraniana, resolveu comprar um visto Schengen. Nada de mais fácil: em Kichinev, dezenas de “agências de viagem” são especializadas nisso. Fazem de tudo para obter as cartas de convite, necessárias à emissão dos vistos turísticos pelas embaixadas. Para isso, Costea pagou a quantia, considerável, de mil duzentos e cinqüenta dólares. Chegando a Paris, fez um pedido de asilo político. Até que este lhe fosse negado, trabalhou durante um ano na construção civil, como clandestino. Diz ter conseguido 8.000 francos por mês (cerca de 2.480 reais), dois terços dos quais eram enviados à sua esposa Stella, que ficou em Balti, empregada. E comprou um apartamento de 60m2, por 20 mil francos (6.200 reais), e o mobiliou “como os de vocês”, diz ela: máquina de lavar roupa, de lavar louça e ducha com aquecimento de água independente.
São, portanto, centenas de milhares que tentam a aventura. A publicidade da Western Union – empresa que permite transferir, facilmente, o dinheiro de um país para outro – tomou conta da Modávia. Quando a futura fronteira da União Européia se fechar, será essa emigração maciça de moldávios para a UE o último elo que permite a seu país continuar ligado à parte ocidental do continente?
Nada é menos certo. Se Kichinev se opuser oficialmente à dupla cidadania, é fácil para os moldávios de língua romena obter a cidadania romena e, portanto, um passaporte daquele país. Nos últimos anos, milhares deles foram a Bucareste para tomar as providências necessárias. Os números não são divulgados, mas fala-se em 500 mil pessoas e, sobretudo, de um recente crescimento desse número. Nada há de espantoso nisso: daqui a alguns meses, tudo indica que os vistos Schengen deixarão de ser pedidos aos romenos nas fronteiras da União Européia. Apenas o passaporte será suficiente. Os moldávios, empurrados para os confins da Europa pela inevitável expansão da União Européia até sua fronteira, esperam ter encontrado a brecha7 .
(Trad.: Teresa Van Acker)
1 – N.T.: Seguimos o padrão do dicionário Houaiss quando este continha o verbete, como no caso de Moldávia. Para os outros topônimos, como a capital da Moldávia, assim como de outras regiões, seguimos o padrão do Atlas Histórico da Folha, traduzido do Atlas do Times. É o caso da capital da Moldávia, Kichinev, que o autor do artigo optou por utilizar Chisinau, apesar de atlas franceses também adotarem uma grafia próxima da utilizada por nós: Kishinev. Seguimos o mesmo padrão para o rio Dniester, para a região entre este rio e a Ucrânia denominada Transnítria, e para Belorus.
2 – Ler, de Vladimir Socor, “Why Moldova does not seek reunification with Romania?”, Viena, Radio Free Europe/Radio Liberty Research Report, 31de janeiro de 1992.
3 – Ler, de Annie Daubenton, “La Moldavie sous la menace étrangère”, Le Monde diplomatique, janeiro de 1993.
4 – Fontes: posto de expansão econômica francesa de Bucareste, Comissão européia, Caixa de depósitos e consignações (Caisse des dépôts et consignations). Em relação às cifras citadas, 95 milhões de euros equivalem a 193 milhões de reais; 21 euros, a 43 reais; 550 milhões de euros, a 1.015 reais; 122 euros, a 250 reais; 1.568 dólares equivalem a 3.630 reais; e 470 dólares, a 1.090 reais.
5 – A capital da Rússia é Moscou e a da Belorus, ou Bielo-Rússia, é Minsk.
6 – O mesmo problema se colocou para todas as fronteiras orientais dos candidatos à União Européia. Alguns pa