Uma instituição debilitada
As contribuições voluntárias que financiam ações bilaterais (cerca de 60% do orçamento total) escapam ao controle do Conselho Executivo e tornam a OMS cada vez mais dependente de seus principais doadores, basicamente o setor privadoJean-Loup Herbert
Instituída em 1946 pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS) define a saúde1, em seu ato constitutivo, como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, [que] não constitui somente a ausência de doença ou enfermidade”.
A Assembléia Mundial da Saúde reúne atualmente representantes de 191 países membros. É o órgão legislativo da OMS. Elege por três anos um Conselho Executivo de representantes (reelegíveis) de 32 países e designa, por proposta do Conselho, o diretor-geral por um mandato de cinco anos – renovável uma vez. A estrutura administrativa da OMS comporta, além da sede em Genebra, seis agências regionais2 cujos diretores, eleitos igualmente por cinco anos renováveis uma vez (segundo uma decisão recente) pelos representantes dos Estados de sua região, gozam de grande autonomia em relação à sede. A OMS publica anualmente um Relatório sobre a Saúde no Mundo3.
As prioridades de Gro Brundtland
O orçamento da OMS chega a cerca de 1 bilhão de dólares por ano e apenas 41% provêm das contribuições obrigatórias dos 191 países membros
A publicação, em 1977, de uma lista de 200 “medicamentos essenciais” pela OMS, então dirigida pelo dinamarquês Halfdan Mahler, seria uma grande estréia. São medicamentos validados por sua eficácia, na maioria genéricos e menos caros, pois já não são protegidos por patentes.
Em 1978, Halfdan Mahler faz com que seja adotado na conferência organizada pela OMS e a Unicef em Alma-Ata, então na União Soviética, o princípio do direito de acesso igual para todos aos cuidados de saúde básicos. Estes cuidados seriam prestados, em um primeiro tempo, por “agentes de saúde comunitários” rapidamente formados no local.
A erradicação da varíola seria oficialmente proclamada em 1980. Um sucesso sem precedentes para a OMS, mas que não se repetirá. No mesmo ano, a Assembléia Mundial da Saúde promete “a chegada da saúde para todos no ano 2000″… Eleita em 13 de maio de 1988, a atual diretora-geral Gro Harlem Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega, ficou célebre pela publicação, em 1987, sob a égide da ONU, de um relatório sobre o ambiente introduzindo o conceito de desenvolvimento durável. Nomeada com o apoio dos principais países contribuintes para por ordem em uma organização enfraquecida por diversos casos de corrupção e pela má gestão de seu antecessor, o japonês Hiroshi Nakajima, Gro Brundtland dirigiu seus esforços de reorganização em cinco direções principais: a reestruturação das antigas sub-diretorias gerais4, a concentração das atividades, a descentralização dos serviços administrativos, a redução do número de contratos a longo prazo em proveito de contratos temporários5 e, finalmente, uma nova tentativa para unificar a OMS obrigando os seis escritórios regionais a se submeterem à política decidida em Genebra. Uma grande parte da alta hierarquia foi mudada.
Funcionários insatisfeitos
A reestruturação decidida por Gro Brundtland não suscitou o entusiasmo dos funcionários: as reformas foram feitas brutalmente e sem participação real
O orçamento da OMS chega a cerca de 1 bilhão de dólares por ano. Apenas 41% provêm das contribuições obrigatórias dos países membros, que diminuíram de 20% em dez anos. O resto é constituído de contribuições voluntárias originárias em 61% dos países, 17% de fundações e 16% de empresas privadas. Estas contribuições voluntárias financiam ações bilaterais que escapam ao controle do Conselho Executivo. Tornam a OMS cada vez mais dependente de seus principais doadores.
Foram definidas onze prioridades de saúde pública, em substituição aos cinqüenta programas existentes previamente. Os projetos ditos “do gabinete”, com títulos muito apelativos – “Fazer recuar a malária”, “Iniciativa para um mundo sem fumo6“, “Parcerias para o desenvolvimento do setor sanitário” – vêm à frente, seguidos de perto por “Basta de tuberculose” e pelo programa de luta contra a AIDS. Esta reestruturação7 foi acolhida favoravelmente pela maioria dos países ricos, e em particular pelos Estados Unidos, que esperavam dela uma diminuição de custos e um aumento da eficácia. Os resultados não o comprovaram.
A retomada enérgica que acompanhou essa reestruturação suscitou visivelmente menos entusiasmo entre os funcionários8. As reformas, mal compreendidas, foram feitas brutalmente e sem consulta ou participação real. O aumento da proporção dos contratos precários foi contestado pelas associações de funcionários. Uma pesquisa realizada em 2001 mostra que o moral de 70% dos empregados é médio, baixo ou muito baixo9.
(Trad.: Maria Elisabete de Almeida)
1 – Ler Utopias sanitárias, org. Rony Brauman, ed. Le Pommier-Fayard, Paris, 2000.
2 – São os escritórios regionais do Mediterrâneo oriental, da África, da Europa, das Américas e do Pacífico Ocidental e do Sudeste da Ásia. A Organização Panamericana da Saúde – dotada de um estatuto independente – desempenha igualmente o papel de escritório regional das Américas. Criada antes da OMS e muito próxima dos Estados Unidos, apresenta-se como exemplo para os outros escritórios regionais.
3 – O relatório para o ano 2000 intitulava-se “Por um sistema de saúde mais eficiente” e o de 2001 “A Saúde mental: nova concepção, novas esperanças”.
4 – O novo organograma comporta 35 departamentos, divididos em nove “grupos orgânicos” (clusters), que substituem as nove sub-diretorias anteriores.
5 – Em 31 de dezembro de 2000, existiam 3.486 contratos de longo prazo e 8.547 contratos de curto prazo.
6 – Esta iniciativa, à qual as indústrias do fumo se opuseram violentamente, deveria resultar, em 2003, na assinatura de uma convenção internacional contra o tabagismo.
7 – As outras prioridades detalhadas no projeto de orçamento para os anos de 2002-2003 são a erradicação da poliomielite, a luta contra o câncer, as doenças cardiovasculares e o diabete, a saúde materna, a segurança alimentar, a segurança das transfusões e os sistemas de saúde.
8 – Nas organizações da família das Nações Unidas, os empregados não têm o direito de se sindicalizar, mas apenas de se ag