Uma janela para a esperança
Em um momento em que a escalada do conflito evidencia a inutilidade da via militar, documento assinado por personalidades palestinas e israelenses em Genebra, demonstra que pode ser possível os dois povos decidirem por si próprios seu destinoQadura Fares
O conflito entre israelenses e palestinos dura há cem anos. Provocou dezenas de milhares de mortes de ambos os lados, a expulsão de milhões de palestinos de suas terras e o desperdício de gigantescos recursos que deveriam ter sido utilizados de maneira mais construtiva. O fato de que o conflito persista salienta a complexidade e a intensidade de suas várias componentes – nacional, religiosa e histórica -, cada uma delas suficiente para alimentar as hostilidades.
A ocupação israelense não é comum: pretende ter uma justificativa religiosa e histórica e, ao fazê-lo, ignora, muitas vezes, os códigos de comportamento morais e humanitários. Os palestinos, por seu lado, acreditam que esta ocupação tem por objetivo perpetuar-se, negando-os. Por este motivo, seu movimento nacional também reivindica argumentos religiosos e históricos para justificar a luta contra a ocupação israelense.
Ausência de decisões corajosas
Quanto mais o conflito se acirra, mais os dois povos se protegem detrás de seus próprios passados históricos e religiosos e mais os movimentos religiosos se tornam poderosos de ambos os lados. E a população, perdendo as esperanças, manifesta sua raiva através de uma guerra sangrenta, enquanto os políticos de ambos os lados se abstêm de tomar as decisões corajosas que poderiam fazer renascer a esperança e criar um horizonte positivo que voltasse a tornar o futuro possível.
Sem dar atenção às ilusões que alimentam os israelenses e seus aliados, o povo palestino decidiu travar uma guerra de libertação para conseguir a mesma liberdade de que gozam outros povos. Lutam contra uma invasão que em nada é melhor do que qualquer outra. Fingir que a ocupação israelense é, de alguma maneira, mais “humana” ou mais “civilizada” não resiste a uma reflexão séria e demonstra uma visão tendenciosa.
“Equilíbrio pelo terror”
A lógica que prevalece é a do “equilíbrio pelo terror”. Sua perpetuação só pode levar a mais mortes, a mais sofrimento, a mais ódio
É fácil constatar a escalada e a intensificação do conflito, que se faz ironicamente acompanhar da tomada de consciência – por parte dos dirigentes de ambos os lados – de que jamais será possível uma vitória ou uma solução militar decisiva. A lógica que prevalece é a do “equilíbrio pelo terror”. Sua perpetuação só pode levar a mais mortes, a mais sofrimento, a mais ódio.
Esta situação torna os acordos de Genebra particularmente bem-vindos. Chegam na hora certa. O documento, assinado por um grupo de personalidades palestinas e israelenses, oferece aos dois povos uma alternativa à atual realidade aceitável por ambas as partes. É verdade que esta alternativa não será considerada perfeitamente justa por nenhum dos lados e talvez possa até conduzir a um sentimento temporário de injustiça. Também é verdade que nenhuma das partes ficará em condições de alardear uma vitória completa, já que se trata de um acordo baseado num compromisso e cada lado terá uma parte do caminho a percorrer. A base moral de tal acordo é a busca de uma solução razoável que tem por objetivo obrigar ambas as partes a porem fim às matanças, à vingança e ao ódio.
As correntes humanistas
A base moral do acordo é a busca de uma solução razoável que tem por objetivo obrigar ambas as partes a porem fim às matanças, à vingança e ao ódio
Ao longo do conflito entre israelenses e palestinos, e apesar de sua complexidade, sempre existiram correntes humanistas que conseguiam imaginar, para além da realidade cotidiana e dos obstáculos políticos imediatos, um futuro que levasse em conta os interesses fundamentais de ambos os povos. Neste futuro, o povo palestino conquistaria sua independência e construiria um Estado em que poderia desenvolver suas instituições econômicas, culturais e sociais. Seria virada a página de anos de sofrimento e de privação para que ele pudesse participar do processo global de desenvolvimento. O povo israelense conquistaria, por seu lado, o direito de viver em segurança, livre de quaisquer ameaças existenciais. Livre do ônus da ocupação, poderia reorientar os recursos que até o momento foram canalizados para o conflito para um desenvolvimento que beneficiaria ambos os povos e todo o Oriente Médio.
A divulgação dos acordos de Genebra levantou várias questões: por que este acordo? Qual o valor da assinatura de pessoas que não detêm um mandato oficial? Por que agora? Todas estas questões são sérias e compreensíveis.
Taba: o ponto de partida
Esta alternativa não será considerada perfeitamente justa por nenhum dos lados e talvez possa até conduzir a um sentimento temporário de injustiça
A busca de uma solução sempre foi a principal preocupação de muitas personalidades – do mundo político, social, intelectual -, especialmente aquelas que entendem que o conflito não será resolvido por meios militares, mas através de negociações sérias. As discussões de Taba [em janeiro de 2001] representaram um momento crucial na história do conflito e durante esse encontro ambas as partes chegaram muito próximo de uma solução. Infelizmente, era tarde demais. Israel estava, na época, às vésperas de eleições e o vencedor previsto era um adversário incondicional a qualquer acordo com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
Seria um erro, no entanto, ignorar o avanço que ocorreu em Taba. A partir daquela reunião, cada lado deu seqüência a um trabalho de identificar o contexto e o conteúdo da paz desejada pelo outro e de redigir um texto claro, que pudesse constituir a base para um futuro acordo oficial. Logo após a reunião de Taba, encontrei-me com Yossi Beilin [ex-ministro israelense da Justiça] e sugeri que os partidários de uma solução pacífica para o conflito elaborassem um acordo que definisse um programa comum a todas as forças pacifistas de ambos os lados. Ele concordou.
A iniciativa de Genebra
A escalada da violência frustrou e levou ao desespero todos os que acreditavam numa solução negociada. Para enfrentar essa situação, era indispensável colocar sobre a mesa todas as grandes questões, tratando-as com o objetivo de chegar a uma solução. Foi este raciocínio que levou à iniciativa de Genebra. Uma vez elaborado, o documento tornou-se público imediatamente. O momento de sua divulgação não foi escolhido em função de manobras políticas e, sim, para mostrar da maneira mais rápida possível que um acordo era viável. É verdade que o timing é importante, mas não foi essa a nossa principal motivação.
A excepcional importância dos acordos de Genebra se deve ao fato de que ocorrem num momento muito complexo, dominado pela animosidade e pela desconfiança
A iniciativa de Genebra representa uma visão baseada na racionalidade e na vontade sincera de se chegar a uma solução. Apresentamos essa visão aos homens públicos, aos intelectuais e à opinião pública para que os dois povos possam decidir por si próprios seu destino. Esta transparência, assim como a ampla divulgação, são fundamentais, pois caso os políticos sejam reféns de ideologias ou de preconceitos, o público sabe discernir melhor, em geral, o caminho para o futuro. Como não representamos instituição oficial alguma, tentamos abrir caminho para uma solução política equilibrada, baseada numa justiça acessível. Nessa perspectiva, será a reação pública que indicará claramente aos líderes políticos que se trata de uma solução aceitável. E isto os libertará de suas dificuldades imaginárias.
Soluções inaceitáveis
A excepcional importância dos acordos de Genebra se deve ao fato de que ocorrem num momento muito complexo, dominado pela animosidade e pela desconfiança, em que a perspectiva da existência dos dois Estados se vê seriamente ameaçada. Isto porque as medidas tomadas pelo governo de extrema-direita israelense criam fatos consumados que tornam impossível a criação de um Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel.
O desenvolvimento das colônias já existentes, assim como a construção de outras, novas, a construção do muro de separação racista – que transforma as cidades e os vilarejos palestinos em guetos e confisca centenas de hectares de terras palestinas -, o aumento de controle sobre Jerusalém, com o objetivo de acentuar a presença judaica: eis as medidas orientadas por uma ideologia que recusa – por princípio – qualquer tipo de reconciliação, assim como qualquer solução equilibrada.
Cabe à comunidade internacional a responsabilidade por criar um ambiente propício à transformação do acordo de Genebra em tratado oficial
Desta forma, restam apenas duas soluções possíveis, ambas inaceitáveis para a grande maioria dos israelenses, inclusive os que assinaram conosco o acordo. A primeira é a de um Estado binacional e a segunda – lamentavelmente, a mais provável – é a de uma rejeição recíproca, a existência de um povo exigindo a exclusão do outro, o que iria perpetuar o conflito. Esta opção sempre encontrará adeptos de ambos os lados, que a justificarão com argumentos históricos, religiosos ou ideológicos, principalmente com um governo israelense movido pela ilusão de um poder que se baseia na supremacia militar. Infelizmente, tudo indica que esta perspectiva conduzirá apenas a novos e inimagináveis picos de violência e de sofrimento.
Saída racional
Nessas condições, tornava-se indispensável tomar a iniciativa e oferecer aos dois povos uma saída racional para a atual realidade de desespero e de frustração, rumo a um futuro de esperança e de otimismo.
Nossa tarefa atual é a de encontrar parceiros oficiais em ambos os lados, para que esta iniciativa possa se transformar num acordo oficial. A ironia é que um parceiro palestino já existe, o que não ocorre com seu colega israelense. De um lado, o presidente Yasser Arafat envia sinais positivos em favor do diálogo e incentiva nosso esforço como uma tarefa útil. De outro, o primeiro-ministro israelense lança violentos ataques contra o acordo e seus signatários e põe em movimento sua máquina diplomática com o objetivo de minar o projeto. Um membro da coalizão governamental chegou a pedir a execução dos israelenses que assinaram o documento!
Cabe, portanto, à comunidade in