Uma “modernização” liberal
Um documento da Comissão Européia, datado de 1977, define o “setor cultural” como “o conjunto sócio-econômico formado pelas pessoas e empresas que se dedicam à produção e à distribuição de bens e serviços culturais”Armand Mattelart
Que a Europa cultural nunca foi a principal preocupação do projeto comunitário fica evidente, quando se retomam alguns documentos da fundação. Em 1973, a Déclaration sur l’identité européenne, aprovada pela Cúpula de Copenhague, legitima a idéia da existência de uma comunidade cultural supranacional, construída sobre um passado comum. Mas seu registro semântico é tomado a partir de uma visão conservadora e patrimonial da identidade . Em 1977, vinte anos após o Tratado de Roma, a Comissão Européia envia ao Conselho Europeu sua primeira comunicação sobre A ação comunitária no setor cultural. O documento define o “setor cultural” como “o conjunto sócio-econômico formado pelas pessoas e empresas que se dedicam à produção e à distribuição de bens e serviços culturais)2“.
Martin Bangemann, o comissário europeu encarregado de telecomunicações, “modernizaria” essa visão liberal com a publicação de dois importantes relatórios.
O primeiro (1994) defende a liberalização rápida das telecomunicações, invocando para tal os ganhos em produtividade, o desenvolvimento de novas tecnologias e o pluralismo cultural. Lamenta a existência de obstáculos a essa plena circulação (e, portanto, à liberdade de expressão), que os freios à concorrência – tais como as políticas de proteção aos produtos culturais (cotas, propriedade intelectual) – supõem. Porque “quando os produtos forem mais facilmente acessíveis aos consumidores, as possibilidades de expressar a diversidade das culturas e das línguas, abundantes na Europa, se multiplicarão”.
O segundo (1997) representa uma tomada de decisão importante, assumindo as conseqüências: a convergência das telecomunicações, dos meios de comunicação e das tecnologias de informação recoloca em discussão os princípios subjacentes às diferenças de tratamento regulamentar entre os setores e, ao mesmo tempo, entre os Estados membros. Convém, pois, por exemplo, submeter o audiovisual e as telecomunicações a uma norma simpl
Armand Mattelart é professor emérito da Université Paris-VIII, autor de La globalisation de la surveillance: genèse de l’ordre sécuritaire (Paris, La Découverte, 2007).