Uma oportunidade para salvar o planeta?
Por René Castro Salazar
Todos os países e todos os habitantes somos responsáveis pelo futuro da Terra, especialmente pelas novas gerações, que herdarão um mundo em estado de coma. A Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP, na sua sigla em inglês, realiza sua 25ª reunião anual em Madri, Espanha, entre os dias 2 e 13 de dezembro de 2019. Chefes de Estado e/ou de governo se reunirão para adotar acordos e medidas destinadas a mitigar os efeitos da ação humana que já são evidentes em todos os continentes e em cada um dos países.
Essa reunião será decisiva para impor a racionalidade e reforçar o multilateralismo e o compromisso de governos, setor privado, academia e sociedade civil de tomar medidas concretas destinadas a romper a inércia e recuperar o tempo perdido, reduzindo as emissões antes que seja tarde demais.
Nossa casa comum
O mundo acadêmico está de acordo com o fato de que desde 1850, aproximadamente, o aumento das emissões tem apresentado uma progressão geométrica no mundo. Embora todos os países sejamos responsáveis pelo aumento das emissões, uns são mais do que outros. A questão atual não é buscar responsáveis sobre quem emite mais, e sim quais medidas concretas devemos tomar para freá-las ou diminuí-las.
Sabemos que o uso crescente dos combustíveis fósseis é uma das principais causas do aumento do CO2 e somos conscientes de que não é realista pensar que terminará de um dia para o outro, mas que será um processo que dependerá da vontade política dos governos ou dos acordos que possam ser adotados internacionalmente. Ainda que desde o início das COP (Rio de Janeiro, 1992) os índices de gases de efeito estufa não tenham deixado de crescer, eles têm de fato desacelerado seu aumento, gerando um efeito positivo na cidadania e nos governos que têm incrementado o uso dos recursos renováveis.
Por isso, é fundamental saber o que outras grandes potências do mundo farão. Quais medidas países como China, Alemanha, França, Índia e Brasil proporão? Não sabemos, mas o mundo espera deles sua contribuição para evitar uma catástrofe.
Recentemente, a revista Science publicou um estudo completo realizado por uma equipe científica multidisciplinar – financiada pela Alemanha e com o apoio do Instituto Tecnológico de Zurique (ETH) e da FAO – que mostrou uma solução, baseada na natureza, de mitigação temporária e significativa das emissões. Trata-se de um plano para restaurar terras degradadas e de reflorestamento no mundo que compreenderia cerca de 900 milhões de hectares, equivalentes a 1 trilhão de árvores novas, o que teria um impacto planetário, já que estas são um eficiente agente natural de absorção do CO2 que nós, humanos, produzimos.
Se conseguirmos materializar esse plano, nos próximos vinte anos as emissões poderiam ser equilibradas e durante esse prazo a concentração de gases na atmosfera não se agravaria. Os países teriam um tempo razoável para colocar em prática outras alternativas – intensas em capital – usando energias e meios de transporte menos contaminantes, assim como para repensar o modelo de crescimento.
As propostas técnicas, portanto, existem, e é possível realizá-las no curso de uma geração, que poderia ser a última a ter a possibilidade de frear as mudanças climáticas. Apenas pequenos detalhes são necessários: a vontade política dos governos e a fé em que o altruísmo imperará sobre o egoísmo entre as pessoas e as nações. É aqui que reside a possibilidade de dar uma oportunidade ao multilateralismo para materializar um acordo governamental e iniciar um plano de restauração de terras degradadas e de reflorestamento em todo o mundo.
É possível propor um cenário de aplicação em três sub-regiões do mundo:
1 AMÉRICA. Nas atuais circunstâncias, é provável que os Estados Unidos não participem em nível federal, mas alguns de seus estados poderiam fazê-lo. Pode-se contar com países como Canadá, México e Brasil, aos quais se somaria a maioria dos outros da região. Juntos, eles poderiam contribuir com seu esforço e alcançar o equivalente a um terço da meta global.
2 EUROPA E ÁFRICA. Podem desenvolver um plano maciço de restauração, ampliando os esforços que hoje realizam onze países africanos na Grande Muralha Verde. Essa ampliação ajudaria a somar um segundo terço do objetivo final.
3 ÁSIA. Um esforço nesse continente, liderado por China, Índia e Rússia, com apoio financeiro de Japão, Austrália e Coreia do Sul e que envolva todos os Estados insulares, pode alcançar o último terço necessário para dar um respiro à humanidade nos próximos vinte anos.
A COP 21, realizada em Paris em 2015, foi o primeiro acordo vinculante sobre o clima em nível global e, por isso, lamentamos que os Estados Unidos tenham anunciado sua retirada. Hoje, as evidências científicas não deixam nenhuma dúvida sobre o efeito da ação humana. Então, o que podemos esperar da próxima reunião em Madri? Dependerá de quanto os dramáticos aumentos de temperatura, secas e inundações afetaram a opinião pública e os governos. O ano de 2019 será lembrado como o que teve as mais altas temperaturas já registradas.
Mas seguramente será pior nos próximos anos. As mudanças climáticas não são um problema ideológico, é uma questão de sobrevivência. Em matéria florestal, muitos países deram o exemplo e agora podem promover essa iniciativa global que nos daria o tempo necessário para que outras opções do setor de transporte e energia amadureçam e nos permitam avançar na tarefa de mitigar as mudanças climáticas induzidas pelo ser humano.
René Castro Salazar é diretor-geral assistente para mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Recarbonização dos solos do mundo, uma opção eficaz para enfrentar as mudanças climáticas
Por Rosa Cuevas E Ronald Vargas
Hoje em dia existe uma grande pressão dos diferentes setores da sociedade civil exigindo ações concretas contra um fenômeno sem precedentes: a aceleração das mudanças climáticas e seus efeitos. Milhares de jovens e ambientalistas saem às ruas para protestar por ações claras dos governos na direção de um futuro sustentável para as próximas gerações.
Qual é o papel do solo nesse contexto?
O solo constitui um dos recursos naturais mais importantes do planeta e está intimamente ligado a nossas atividades, e inclusive nossa subsistência como espécie depende dele. Por exemplo, é a base para a alimentação, para a produção de forragem, medicamentos e combustíveis, fornece serviços ecossistêmicos (sequestro de carbono, ciclo de nutrientes, armazenamento e filtragem de água, biodiversidade) e serve de suporte físico para o desenvolvimento urbano que tende a aumentar.
Estima-se que em 2050 seremos mais de 9 bilhões de seres humanos demandando alimentos, fibras, combustíveis, medicamentos, e tudo isso deverá ser produzido em sua maioria pelo solo, um recurso que se encontra degradado e em constante ameaça, e cuja recuperação não é simples. Para formar 1 centímetro de solo são necessários de cem a mil anos, dependendo da região. A degradação da terra reduz a capacidade do solo de fornecer serviços ecossistêmicos e armazenar carbono, o que potencializa ameaças globais como as mudanças climáticas, que, estima-se, terão altíssimos custos.
Como parte de um processo natural, um solo saudável contribui para a mitigação das mudanças climáticas, uma vez que tem a capacidade de armazenar carbono em suas formas mais estáveis durante milhares de anos. A isso chamamos de sequestro de carbono.
Pelo contrário, um solo mal manejado e degradado libera carbono à atmosfera em forma de dióxido de carbono, exacerbando o aquecimento global.
Apesar de o solo ser o principal reservatório de carbono dos ecossistemas e agroecossistemas terrestres, estima-se que perdemos de 25% a 75% desse carbono, que foi liberado à atmosfera em razão da degradação do solo. Portanto, é crucial fazer um bom manejo dos solos com práticas sustentáveis que retenham esse carbono e, quando possível, o incrementem.
Segundo o último relatório especial do IPCC sobre Mudança Climática e a Terra, o aumento do conteúdo de carbono no solo é uma das opções mais rentáveis para a adaptação e mitigação das mudanças climáticas e para combater a desertificação, a degradação da terra e a insegurança alimentar.
A Recarbonização Global de Solos (Recsoil) oferece uma solução factível para descarbonizar nossa economia mediante a introdução de práticas sustentáveis de manejo do solo em grande escala focadas em manter o carbono do solo e, onde exista potencial, aumentá-lo. A Recsoil contribuirá tanto para mitigar os efeitos das mudanças climáticas quanto para fornecer serviços ecossistêmicos, incrementar a renda dos agricultores ao aumentar a produtividade do solo e melhorar a segurança alimentar e a nutrição, ações alinhadas também com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (veja a figura).
A FAO, por meio da Aliança Mundial pelo Solo, vem desenvolvendo os componentes da Recsoil. Os pontos centrais são: contar com uma linha de base de carbono orgânico global e outra para propriedades, utilizar um mecanismo de verificação robusto, um sistema de incentivos para que os agricultores possam adotar em larga escala as boas práticas, um processo de certificação e um sistema de mercado de créditos de carbono compatível.
Rosa Cuevas e Ronald Vargas são diretores de solo da FAO.
Transformação agrícola regional, pela saúde do ser humano e do planeta
Por Julio Berdegué
A produção de alimentos na América Latina e no Caribe deve ser reconfigurada urgentemente. Sua transformação rumo a um sistema mais produtivo e ao mesmo tempo mais sustentável será crucial para enfrentar dois grandes problemas globais: a má nutrição e as mudanças climáticas.
Hoje são mais de 820 milhões de pessoas em condição de fome no mundo. A isso se acrescenta uma crescente insegurança alimentar, ou falta habitual de alimentos nutritivos, que afeta atualmente, em um nível “moderado”, um quinto da população mundial. O cenário supõe um enorme desafio, dada, além disso, a rápida expansão demográfica. Em 2050, a população mundial chegará a mais de 9 bilhões de pessoas, e calcula-se um incremento de 50% da demanda de alimentos.
Essa realidade nos obriga a pensar em uma estratégia para elevar a produção em nossa região, que desempenha um papel central na segurança alimentar global ao contribuir com 45% das exportações líquidas de alimentos.
O desafio é duplo, porque ao mesmo tempo a agricultura em nossos países deve ser responsável por cuidar da saúde do planeta, incluindo necessariamente uma significativa redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE) que causam as mudanças climáticas.
No mundo, o setor agrícola contribui com 10,6% das emissões de GEE totais, enquanto na América Latina e no Caribe essa contribuição é o dobro, com 22,6% das emissões. Se à agricultura (cultivos e pecuária) somarmos a silvicultura e outros usos da terra, as emissões se elevam a 51% do total das emissões de GEE na região. Esses dados mostram a evidente necessidade de uma transformação de nossa agricultura e de nossos sistemas alimentares.
A América Latina e o Caribe podem diminuir suas emissões de GEE relacionadas à agricultura, mas para isso serão necessárias mudanças tecnológicas e institucionais, orientadas para dissociar as emissões da produção, ou seja, emitir muito menos para cada unidade de produto. A região está caminhando para vencer esse desafio; entre 1990 e 2015, cinco países (Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Jamaica e Suriname) aumentaram sua produção agrícola ao mesmo tempo que diminuíram suas emissões totais de GEE. Em outros dezenove países, embora as emissões tenham aumentado, reduziu-se a relação entre produção e emissões.
O desafio deve ser encarado como uma oportunidade para melhorar. Nossa região é uma das poucas que ainda contam com um espaço importante para aumentar sua oferta alimentar. Vinte e oito por cento das terras disponíveis com potencial mediano a alto para a produção agrícola sustentável no mundo estão na América Latina e no Caribe. Além disso, a região conta com cerca de um terço dos recursos de água doce do mundo. Com essa combinação, não é difícil antecipar que a América Latina e o Caribe desempenharão um papel ainda mais importante como fornecedor mundial de alimentos nas próximas décadas, mas é preciso colocar em prática mudanças nas técnicas de produção.
Um exemplo do caminho a seguir acontece no Equador. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), juntamente com a empresa privada El Ordeño, apresentou recentemente resultados positivos de uma aliança para avançar rumo a uma agricultura mais produtiva e sustentável no país por meio de uma gestão integral e participativa. A empresa se uniu a uma iniciativa que fomenta a pecuária climaticamente inteligente mediante o desenvolvimento de capacidades locais, que melhoram as competências do pequeno e médio produtor de leite para otimizar sua produção e reduzir suas emissões.
O resultado positivo dessa parceria público-privada ressalta a importância das alianças estratégicas entre a FAO, o setor privado e a comunidade para avançar rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), dentro do marco da Agenda 2030.
O caso mencionado é um entre muitos, mas ainda há um longo caminho a percorrer para cumprir a necessária transformação agrícola na região. Uma adequada alimentação e nutrição requer lidar, a curto prazo, com os altos níveis de emissões de GEE que estão causando as mudanças climáticas globais. Do contrário, é possível que, para alimentar os mais de 9 bilhões de pessoas que seremos em 2050, as contribuições de emissões de GEE desse setor aumentem.
É certo que a profundidade das transformações necessárias terá um correlato de diferenças e tensões em relação à orientação e à magnitude das estratégias de resposta. Pela mesma razão, conseguir que isso se realize não é algo que possamos dar como certo em uma região atravessada por tantas desigualdades e instabilidade.
Aumentar a produção de alimentos e ao mesmo tempo reduzir as emissões do setor agrícola conformam uma equação complexa, mas é nosso dever buscar soluções simultâneas para ambos os desafios. É o momento de agirmos juntos para concretizar essa necessária transformação.
Julio Berdegué é subdiretor-geral e representante regional para a América Latina e o Caribe da FAO.
Década das Nações Unidas sobre Restauração de Ecossistemas (2021-2030)
Por Eduardo Mansur
Cerca de um terço das terras do planeta está degradado por causa principalmente da utilização de recursos naturais de forma não sustentável. Essa degradação atinge também ecossistemas marinho-costeiros e se agrava aceleradamente em razão das mudanças climáticas.
Para reverter esse cenário e promover a urgente restauração de todos os tipos de ecossistemas, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio de uma proposta lançada por El Salvador e corroborada por mais de setenta países, decidiu proclamar a Década das Nações Unidas sobre Restauração de Ecossistemas (2021-2030).
A Assembleia Geral convidou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a coordenar a aplicação da Década, em colaboração com as secretarias das Convenções do Rio, outros acordos ambientais multilaterais e entidades do sistema das Nações Unidas, selecionando e preparando possíveis atividades e programas no marco de seus mandatos, com os recursos existentes e mediante contribuições voluntárias.
A função da FAO e do Pnuma é informar sobre a importância da Década, assim como facilitar e promover a ampla participação de organizações, iniciativas e pessoas interessadas em compartilhar seus pontos de vista, expectativas, conselhos, orientações e recursos para gerar um impacto positivo e garantir um importante aumento da restauração de ecossistemas em todo o planeta.
A declaração dessa nova Década proporciona muitas possibilidades de curar nosso planeta, não somente pelo bem da humanidade, como também pelo futuro de nossos filhos. É uma questão ética e econômica.
A degradação das terras está impactando negativamente pelo menos 3,2 bilhões de pessoas e custando mais de 10% do PIB mundial anual em perdas de diversidade biológica e serviços ecossistêmicos. No período 2000-2009, a degradação das terras foi responsável pela emissão global de 3,6-4,4 Gt de CO2 por ano (IPBES, 2018).
Reverter a degradação dos ecossistemas marinhos e terrestres pode proporcionar mais do que um terço da mitigação exigida antes de 2030, de maneira a manter o incremento da temperatura global média abaixo dos 2 °C e, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade, incrementar a segurança alimentar e da água, aumentar o bem-estar médio das sociedades humanas e ajudar a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Poucas Décadas das Nações Unidas poderiam ser tão cruciais como essa. Com a crise ambiental na qual vivemos, os objetivos dessa Década são essenciais para deter os efeitos da emergência climática. Um deles é acelerar os objetivos de restauração global – por exemplo, restaurar pelo menos 350 milhões de hectares de florestas e paisagens degradadas antes de 2030, o que é equivalente a uma área do tamanho da Índia. O objetivo dos 350 milhões de hectares se sustenta nas Metas de Aichi para a diversidade biológica aprovadas pela Convenção de Diversidade Biológica (CDB) e possui uma sólida base estabelecida pelo Desafio de Bonn desde 2011, sob a qual 57 países, governos subnacionais e organizações privadas já se comprometeram a restaurar 170 milhões de hectares.
Além disso, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) está desenvolvendo uma ferramenta de monitoramento, o Barômetro de Progresso do Desafio de Bonn, que será utilizada pela ONU Meio Ambiente e pela FAO, entre outras ferramentas, para informar a Assembleia Geral.
A ONU Meio Ambiente e a FAO buscam oferecer sessões de consulta regulares e manter os Estados-membros e as agências das Nações Unidas informados sobre os progressos realizados nas preparações para a Década, e também liderar sua implementação de um modo que permita que outras organizações participem e façam o melhor uso possível da Década, como uma plataforma de sensibilização, desenvolvimento de capacidades, mobilização de recursos e ações no terreno.
Durante a fase preparatória e até 2021, a ONU Meio Ambiente e a FAO estarão envolvendo as associações formais e informais existentes nesse campo, incluindo a Associação Mundial para a Restauração de Florestas e Paisagens (Global Partnership on Forest and Landscape Restoration), ONU Água, Iniciativa Global sobre Regiões de Turfa, Aliança para as Montanhas, Associação de Colaboração para Questões de Florestas, Fórum Global sobre Paisagens, Grande Muralha Verde, Aliança Mundial pelo Solo, Aliança Global dos Manguezais (Global Mangrove Alliance), entre outras. Destaca-se a participação das Convenções do Rio (CDB, UNFCCC e UNCCD), a Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas e outros acordos ambientais multilaterais relevantes. Busca-se também uma estreita colaboração com a UICN e sua rede de mais de mil organizações-membros, em particular aproveitando a experiência da UICN no apoio ao Desafio de Bonn.
Apesar de a Década começar apenas em 2021, já foram realizadas atividades preparatórias para começar com muita força.
Nos dias 28 e 29 de março de 2019, realizou-se em Bonn uma primeira oficina de consulta e propostas sobre a Década. Os colegas da FAO, Unep-WCMC, UICN, Fórum Global sobre Paisagens (GLF, organizado pelo Centro de Pesquisa Florestal Internacional, Cifor) e ONU Meio Ambiente se reuniram para redigir um esboço inicial de colaboração e consultas com os Estados-membros da ONU, as Convenções do Rio e outras agências da ONU. Será realizada uma ampla gama de consultas até janeiro de 2021 para maximizar as oportunidades de parceria e informar sobre a estratégia de implementação emergente para a Década das Nações Unidas. A ONU Meio Ambiente e a FAO pretendem incorporar lições aprendidas em Décadas anteriores e buscar a colaboração com Décadas em curso.
Essa Década faz um chamado à ação concreta por parte não somente dos governos, mas também dos cidadãos, para cuidar de nossa casa comum.
Para conhecer mais sobre a Década das Nações Unidas sobre Restauração de Ecossistemas, apresentar uma proposta ou ideias e participar ativamente da construção da Década, visite o site www.decadeonrestoration.org.
Eduardo Mansur é diretor de terras e águas da FAO.
A pecuária baixa em carbono é possível
Por Anne Mottet
A pecuária é chave para a segurança alimentar. Carne, leite e ovos proporcionam 34% da proteína consumida mundialmente, assim como micronutrientes essenciais como vitaminas B12 e A, ferro, zinco, cálcio e riboflavina. Mas sua contribuição para a segurança alimentar e a nutrição vai muito além disso e inclui uma gama de outros bens e serviços, como o esterco para a fertilidade do solo e a tração animal.
Centenas de milhões de pessoas vulneráveis dependem do gado em um clima em alteração, por causa da capacidade dos animais de se adaptar a condições extremas e suportar o impacto das mudanças climáticas. Por outro lado, os produtos derivados da pecuária são responsáveis por mais gases de efeito estufa do que a maioria das outras fontes de alimentos. O setor pecuário emite 7,1 Gt de CO2, equivalente a 14,5% das emissões antropogênicas mundiais de gases de efeito estufa. As emissões são causadas principalmente pela fermentação entérica ocorrida durante a digestão dos ruminantes, o manejo do esterco e as mudanças no uso da terra.
A produção pecuária baixa em carbono é possível. No entanto, para alcançá-la é preciso ações muito mais decisivas, pois o setor pecuário está crescendo rapidamente, impulsionado pelo crescimento da população humana, da renda e da urbanização.
Existe uma margem considerável para reduzir as emissões, e a vontade política para fazê-lo já é uma realidade. Noventa e dois países em desenvolvimento incluíram a pecuária em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CND) no marco do Acordo sobre o Clima de Paris.
Em 2017, os países reunidos em Bonn, Alemanha, para a 23ª Conferência das Partes (COP 23) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas aprovaram o Trabalho Conjunto Koronivia na Agricultura (KJWA). Tal plano enumerou seis áreas de trabalho para as quais a pecuária contribui, incluindo uma área dedicada ao melhoramento dos sistemas pecuários.
Para avançar, precisamos de políticas efetivas, instituições fortes e da adoção de práticas avançadas. A FAO propõe as seguintes três opções para reduzir substancialmente as emissões da produção pecuária:
1 Melhorar a produtividade de forma a reduzir as intensidades de emissão (emissões por kg de produtos)
A melhoria das práticas de alimentação, saúde e criação de gado, assim dos recursos genéticos animais, poderia reduzir as emissões do setor em até 30%. Tais práticas também ajudariam a aumentar a produção, reduzir o número de animais não produtivos e diminuir a pressão sobre os recursos naturais. Essa solução está alinhada com a área de decisão da COP 23 sobre os “sistemas de gestão pecuária melhorados”.
2 Sequestrar carbono por meio do manejo melhorado dos pastos
As pastagens e pradarias permanentes cobrem um quarto da área terrestre e 68% da área agrícola mundial. Restaurar a qualidade das pastagens e aumentar o carbono do solo é possível com práticas de manejo que incluem: ajustar a pressão de pastagem equilibrando a presença espacial e temporal do gado, manejar nutrientes, introduzir espécies (por exemplo, leguminosas), ajudar a mobilidade de animais em sistemas pastoris e agropastoris e integrar árvores e pastos (silvipastorismo). Essa solução está alinhada com a área de decisão da COP 23 “carbono, saúde e fertilidade do solo melhorados”.
3 Integrar melhor a pecuária na bioeconomia circular
Isso é possível com o aumento da proporção de subprodutos ou dejetos que os humanos não podem comer na ração dada ao gado ou a reciclagem e recuperação de nutrientes e energia do esterco (por exemplo, biogás). Tais medidas melhoram a eficiência no uso dos recursos naturais e ajudam os agricultores a ser mais resilientes às mudanças climáticas. Tal solução está alinhada com a área de decisão da COP 23 “uso de nutrientes e gestão do esterco melhorados”.
Essas soluções podem ser combinadas e estão bem alinhadas com as áreas de trabalho da decisão da COP 23. Contribuem também para o aumento da resiliência dos produtores. Os países já estão respondendo a tais desafios desenvolvendo estratégias para uma produção pecuária baixa em carbono que se revertem em uma série de cobenefícios ambientais e socioeconômicos, como a conservação da biodiversidade e da água, ou a geração de empregos e renda rurais. Por exemplo, a Comissão de Desenvolvimento Pecuário para a América Latina e o Caribe (Codegalac) desenvolveu, com o apoio da FAO, um roteiro de medidas para o setor na região. Na África subsaariana e na Ásia, vários países incluíram soluções baixas em carbono em investimentos em grande escala no setor e estão trabalhando no monitoramento da redução de emissões. Na Europa, o setor de laticínios está colocando em prática soluções para reduzir as emissões em cerca de 20% em dez anos.
Desbloquear o potencial para a pecuária com baixas emissões de carbono exige uma ação concertada de todas as partes interessadas para investir no setor, apoiar e realizar a pesquisa requerida, abordar as debilidades institucionais, proporcionar incentivos para uma gestão eficiente e regenerativa e acelerar a adoção de práticas avançadas. Existem soluções, mas estas devem se adaptar às condições locais e levar em conta a grande diversidade de sistemas pecuários e as pessoas afetadas.
Anne Mottet é diretora de desenvolvimento pecuário da FAO.
Impactos das mudanças climáticas na pesca e na aquicultura
Por Manuel Barange
Quando falamos de mudanças climáticas, poucas vezes destacamos os impactos nos oceanos. No entanto, mais de 90% da energia que geramos desde a Revolução Industrial vem sendo absorvida pelo oceano. Ou seja, o oceano não apenas reduz consideravelmente o impacto do aquecimento global em nosso clima, como também está na linha de frente do ataque a seus impactos. As consequências para o oceano são e serão consideráveis.
Em primeiro lugar, muitas espécies marinhas são móveis e sua distribuição geográfica é determinada por sua afinidade, o que se denomina janelas ambientais: características físicas como a temperatura da água que a espécie encontra favorável. Ou seja, à medida que a temperatura do oceano se altera, muitas espécies igualmente vão alterar sua distribuição, abandonando hábitats agora desfavoráveis, mas também colonizando novos hábitats. As consequências dessas mudanças são muitas: modelos de gestão pesqueira que atualmente afetam uma espécie em um país concreto podem ficar defasados caso a espécie esteja distribuída por águas de mais de um país.
A ciência nos diz que mais de trinta zonas econômicas exclusivas em torno dos países costeiros vão receber novas espécies. As instituições de gestão, os mecanismos e os atores vão mudar e precisarão se adaptar. Em segundo lugar, a produção pesqueira será afetada.
Estima-se que para cada grau de aquecimento do oceano se perderia 5% da biomassa animal. Em relação aos recursos pesqueiros, projeta-se que a capacidade pesqueira global se reduziria entre 3% e 12% em 2050, dependendo das futuras emissões de gases de efeito estufa. De fato, espera-se que a produção se reduza nas regiões tropicais e aumente nas boreais, o que acrescenta uma injustiça geográfica como resultado de um fenômeno global. Essas mudanças na produção são o resultado do aquecimento da água e a consequente redução da produção primária dos oceanos: o plâncton.
Em terceiro lugar, as mudanças climáticas geram acidificação do oceano, um fenômeno químico que resulta da absorção de dióxido de carbono. Estima-se que a taxa de acidificação seja dez vezes maior do que em qualquer outra época dos últimos 300 milhões de anos. No entanto, é importante enfatizar que o termo “acidificação” pode ser mal interpretado. O oceano continua sendo alcalino, mas menos à medida que as mudanças climáticas reduzem o pH da água. Os impactos da acidificação são ainda controversos. Em experimentos de laboratório, um ambiente mais ácido afeta a fisiologia dos organismos, sobretudo daqueles que produzem esqueletos calcáreos, como corais, foraminíferos, crustáceos e equinodermos.
Entretanto, os experimentos de laboratório não são sempre um bom parâmetro do que acontece no meio natural ao longo dos anos. A capacidade de adaptação às mudanças depende de vários fenômenos: a duração do ciclo de vida, a diversidade genética das espécies afetadas, a competição ecológica com espécies que ocupam nichos similares e que podem ser afetadas de forma diferente etc.
O que é evidente, recapitulando os efeitos assinalados, é que os oceanos se alterarão. As mudanças climáticas podem se converter no principal alterador dos ecossistemas. Uma vez que o oceano é somente o receptor dessas mudanças, não a origem, é inquestionável que temos de buscar adaptações urgentes enquanto as emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera continuarem. Inclusive, se as emissões fossem detidas, o impacto das mudanças nos oceanos duraria dezenas de anos.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) tem responsabilidade sobre a sustentabilidade dos recursos pesqueiros. A FAO considera imprescindível a execução de programas de adaptação global e regional e propõe três linhas de ação para uma adaptação coordenada: a) adaptação institucional e de gestão, b) adaptação dos meios de subsistência e c) redução de riscos e gestão da resiliência. Em cada uma dessas medidas, a FAO propõe um conjunto de ações para assegurar uma adaptação coordenada. A importância dessa coordenação é evitar que as adaptações de um país limitem a capacidade adaptativa de seus vizinhos. Por exemplo, caso uma espécie de peixe se converta em transnacional e a gestão em cada país esteja descoordenada, a superexploração em um país limita as opções sustentáveis de seus vizinhos. Além disso, é importante reconhecer que a adaptação é local, interativa e dependente dos sistemas de gestão atualmente em vigor. Por esse motivo, a FAO coordena projetos de adaptação em muitos países (entre eles Chile, África do Sul, Namíbia, Angola, Malaui, Bangladesh, Mianmar e países do Caribe) utilizando as mesmas metodologias e ferramentas.
Para terminar, também é importante ressaltar o papel do consumidor na adaptação às mudanças climáticas. Em muitos países, o consumo de pescado se limita ao que está refletido nas dietas históricas – por exemplo, a afinidade com o bacalhau no Reino Unido. Atualmente, nas águas do Mar do Norte encontram-se anchovas, salmonetes e outras espécies de águas temperadas, mas o consumidor britânico não sabe o que fazer com elas. Aprender e evoluir com as espécies que exploramos é uma das formas de estabelecer uma nova relação com o meio ambiente, na qual a pesca tem lugar. O oceano ocupa 71% do planeta, mas contribui com somente 15% da proteína que consumimos, apesar de o consumo de pescado por indivíduo ter se duplicado nos últimos cinquenta anos. Todos os alimentos têm um custo ambiental, seja na terra ou no oceano. Minimizar e gerir os impactos, incluindo os das mudanças climáticas, é o grande desafio de nossa geração. É possível fazê-lo, mas precisamos não apenas de convicção e evidência científica, mas também de vontade política, inovação tecnológica e evolução por parte do consumidor.
Manuel Barange é diretor de políticas e recursos de pesca e aquicultura da FAO.