Uma “política social” esperta
Desde 1992, o “fujimorismo” tornou-se uma espécie de braço escondido que penetra na parte mais profunda da sociedade, trazendo ao mesmo tempo um certo progresso e um lote sistemático de violações de todo gêneroAnne-Sophie Le Mauff
Encarquilhada nos contrafortes arenosos das colinas da periferia norte de Lima, a Enseada de Chillon e seus quase 23 mil excluídos sobrevivem em meio a chapas de aço e folhas de papelão, fustigados pela miséria e pelo esquecimento. É no volante de seu velho oldsmobile que o doutor Ore atravessa há mais de doze anos esse bairro pobre para cuidar dos abandonados à própria sorte e ajudá-los, aplicando um programa de planejamento familiar. “A ausência de infra-estrutura como água corrente ou esgoto, aliada à poluição e à umidade, bem como à má alimentação e às difíceis condições de higiene provocam sérias doenças”, constata ele. O custo elevado dos medicamentos faz com que as pessoas parem os tratamentos e tornem-se doentes crônicos, resistentes aos cuidados”.
O progresso parece estar congelado nas dunas de areia que não cessam de acolher os desfavorecidos. “O Peru é um país de futuro”, diz contraditoriamente, nas colinas áridas, a propaganda governamental. Mais adiante, nos muros empoeirados da capital, as mesmas palavras escritas em vermelho se repetem…
Nascido de uma explosão demográfica devido a uma forte migração em direção às cidades, o cinturão de pobreza situado ao redor de Lima não cessa de crescer desde os anos 70. Puro produto de um fenômeno de exclusão generalizada, Ensenada faz parte dos 14 distritos mais pobres da capital, os quais são comumente chamados de pueblos jovenes ou ainda asentamientos humanos. Chegada muito jovem, Sonia, vendedora ilegal de doces, lembra-se: “Há 25 anos não havia nada, exceto as colinas de areia e pedras. Era preciso transportar a água do centro de Lima, situado a mais de uma hora de estrada. Hoje, encontra-se quase tudo. Mesmo a água já chega nos caminhões-pipas.”.
Paternalismo e autoritarismo
De fato, tudo chega aqui. Mas unicamente via governo. Desde 1992, o “fujimorismo” tornou-se uma espécie de braço escondido que penetra na parte mais profunda da sociedade, trazendo ao mesmo tempo um certo progresso e um lote sistemático de violações de todo gênero. Do social ao político, o sistema se apóia em uma mistura sutil de paternalismo e autoritarismo da qual Enseada é um dos exemplos mais bem acabados. Com o Programa Nacional de Assistência Alimentar (Pronaa), Fujimori encontrou o filão que leva ao coração do povo. Provendo de víveres 14 mil cantinas populares que beneficiam quase 1 milhão de pessoas oriundas dos bairros mais desfavorecidos, esta estrutura de assistência funciona como uma sonda eleitoral “permanente”.
Muito difundidas na capital, motor do Prona que os provê, os comedores populares (cantinas populares) existem graças ao trabalho das mães de família de poucos recursos econômicos. Ensenada conta com cerca de 25 deles. Silvia, a presidente de um, lança um olhar desalentado sobre a realidade de uma gestão política que dá com uma mão e retira com outra. Sentada em uma velha tábua que serve de poltrona, única em uma casa de tijolos nus, sua voz, entrecortada pelo cacarejar das galinhas e pelo barulho de uma televisão permanentemente ligada, diz com raiva: “No dia do aniversário de Fujimori, ele nos obriga, nós as mulheres das cantinas populares, a descer até a rua e lhe oferecer seu bolo tradicional. O governo afirma que o fazemos voluntariamente, mas não é verdade. Eles ameaçam suprimir nossa ajuda alimentar, se não comparecermos com nossos filhos. A maioria de nós se rende. Por ter recusado a descer, fui acusada de revolucionária, senderista, de estar contra o governo”.
Chantagem constante
Cerca de 70 mil mães de família e 14mil presidentes trabalham nas cantinas populares e recebem em troca quatro a cinco porções de alimentos por dia. Com cerca de 90 refeições diárias preparadas em cada cantina, vendidas por bem menos de um dólar, os comedores preenchem um papel social indispensável à sobrevivência alimentar dos bairros desfavorecidos. “O problema, ressalta Silvia, é que não é com três sacos de 50 quilos de arroz, um pouco de macarrão e óleo que recebemos todo mês, que podemos sobreviver.” Uma contribuição do Estado insuficiente, mas de todo jeito essencial. “Eles sabem disso e se aproveitam do fato, sobretudo no período de eleições.” Encerrados no “doloroso estado” da pobreza, as pessoas sofrem com o fato de serem objeto de uma chantagem constante e flagrante. O poder assiste e controla sem trégua, fornece os alimentos retirando deles uma vantagem eleitoral: “Os vigias enviados pelo governo nos dizem de apoiar o “pai que nos alimenta”, diz Irena, uma moradora de Ensanada. Eles chegam até a nos proibir de colar na entrada das cantinas cartazes políticos que não sejam de Fujimori: de acordo com eles, nossas cantinas são propriedade do governo”.
Prisioneiras da miséria
Evidentemente, os membros do Prona recusam essas acusações: “Nos acusam de oportunismo, mas isto não é verdade.
Não podemos comprar as pessoas com um quilo de arroz…”. É verdade, no entanto, o sistema age: “Caímos todos em uma armadilha, eu inclusive”, reconhece Silvia. Prisioneiras da miséria, prisioneiras do poder que estende a mão para receber os frutos da colheita, as mulheres dos comedores constituem uma das forças de Fujimori: “Elas são obrigadas a participar das “manifestações”, são vigiadas todos os dias, numa marcação corpo a.. Recusam-se a se “alimentar do populismo”, são ameaçadas. Este país está mais podre que nunca”, denuncia Germain, um padre que trabalhou com as mães de família. Uma enfermeira confirma a prática do dando é que se recebe: “O trabalho político é feito sobretudo em torno das cantinas. Suponhamos que haja 50 cantinas com 40 secretárias, têm-se aí 2 mil agentes eleitorais”.
Fujimori possui as armas de uma guerra travada em todas as frentes, desde à da assistência alimentar à aquela, mais aguda, da propriedade. A menos de dois meses das eleições, e com uma generosidade calculada, ele começou a oferecer às pessoas mais pobres terrenos habitáveis via o Programa das famílias (Profam) recentemente lançado. “Cada beneficiário deve trazer cerca de quatro votos a mais para Fujimori”, afirma Avendaño Valdez, um congressista da oposição. Para os moradores de Ensenada que foram se increver nas listas de acesso à propriedade, o Profam representa uma ilusão quase necessária. “Aproveitei uma tarde livre para ir para a fila como todo mundo, diz uma mulher jovem. De todo modo nada é perdido, nada se ganha, mas ao menos tem-se uma esperança.”
Em todas as partes
Além dos resultados reais de sua gestão, Fujimori está presente em toda parte, e, em primeiro lugar, ao lado da pobreza. “Para isso, é um homem do terreno”, ironiza um arquiteto. “Ele está em todas as partes, exceto no Palácio do governo”. Desde as favelas, nas quais circula de bicicleta, passando pelas escolas dos confins dos Andes, que não dispõem de eletricidade, o presidente promete, diante da câmera, o impossível: computadores para todos. O aporte de infra-estrutura mínima nas zonas abandonadas e mais afastadas confere-lhe um alto nível de aceitação: “Seu governo está por trás de várias obras realizadas no seio das classes mais modestas, constata Giovana Polarolo, redatora chefe da revista Debate. As pessoas vêem que são construídas escolas, que a água, a luz e os esgotos chegam. Os bairros desfavorecidos, que nunca sonharam com melhorias próprias de uma cidade, conseguem de uma só vez ter algumas vantagens, um acesso relativo à modernidade.”
Puente Piedra, o distrito do qual depende Ensenada, acusou, por ocasião das eleições de maio de 2000, o maior número de votos favoráveis a Fujimori. Um resultado que não parece chocar Pablo, um assistente social: “É normal, as pessoas crêem em moinhos de vento. Prometem-se alimentos, terrenos, as pessoas são ganhas pela fome. Se se vende coca pela televisão, por que não Fujimori?” Se a porcentagem mais elevada dos partidários de Fujimori se encontra sobretudo em Lima, nos setores pobres da população, é porque, informa Hernan Chaparro do instituto de pesquisas Apoyo, um dos mais sérios do Peru, ele soube utilizar os recursos do poder “para alimentar une relação de clientelismo perverso entre o Estado e o cidadão que está longe de acabar; sobretudo porque o pobre leva mais a sério as promessas que a própria mensagem de democracia”.
O fujimorismo tornou-se assim uma máquina potente que age em terreno conquistado. Ao longo dos nove últimos anos soube fazer do tempo e das instituições seus dois parceiros mais fiéis. Se surge um obs