Viagem à Venezuela indígena
Uma reportagem revela, nas regiões mais remotas do país, os avanços e contradições da política de Hugo Chávez para os índios. Aqui, ao contrário da Bolívia ou Equador, é o Estado que procura assegurar direitos negados há séculosMaurice Lemoine, Alexis Lemoine
E Chávez veio. E foi a luz. Hugo é o nome de batismo de Chávez, eleito presidente da República na Venezuela. Uma de suas primeiras viagens como presidente foi para Saimadoyi, a pequena capital dos índios Bari. Situa-se na Serra de Perijá, no Estado de Zulia, extremo oeste do País, não muito longe do lago de Maracaibo — uma enorme floresta de guindastes sobre um mar de óleo (o petróleo brota ali desde 1922) — e bem perto da fronteira com a Colômbia. Dentro de suas soiacas (casas de barro cobertas de folhas de palmeiras), os índios vegetavam miseravelmente. Até que surgiu Chávez. “Não tínhamos luz, vivíamos na escuridão. Ele disse: ’Vou trazer eletricidade para vocês’”.
O presidente cumpriu sua palavra, lá está a eletricidade (e em todos os povoados da região). E também uma grande quadra de basquete coberta, um campo esportivo, um posto de saúde, uma escola nova em construção, bolsas para os estudantes, uma caminhonete para desafogar a comunidade. Tudo fornecido e pago pelo governo bolivariano. Além da tropa de bois da comunidade vizinha, Bachichira. Hector Okbo Asokma, o cacique da vila de Saimadoyi e de seus 700 habitantes, não esconde sua gratidão: “Chávez olhou para nós, as coisas mudaram. Nós o amamos muito”. Sim, mas…
Pobre Chávez! Poderíamos ser tentados a dizer: cada vez que resolve um problema, aparece outro. Em 1999, ele chegou de helicóptero em Saimadoyi. Não viu a pista, a estrada ou que quer que seja aquilo. Para chegar a Machiques, a cidade mais próxima, a cerca de 80 quilômetros, é preciso primeiro se apertar com mais 16 pessoas num “rustico” — veículo do tamanho de uma minivan — já cheio de bolsas, bacias, cestas, todo tipo de quinquilharias, estepe e ainda uma caixa de ferramentas. Depois, encontrar uma posição que não dê cãibras. Em terceiro lugar, conseguir segurar-se. Até que os freios se soltem numa ladeira íngreme. E o “rustico” pode atolar num mar de lama. Felizmente nada grave, mas cada um dos passageiros ganha seu banho de lama, já que as janelas estão abertas por causa do horrível calor. Retoma-se o caminho depois do conserto improvisado, que leva algum tempo. Chegamos, assim, ao primeiro rio. Choveu nas montanhas. A água está revolta, transbordando, é preciso fazer meia-volta, impossível passar. Observando a situação, um passageiro desabafa: “É sempre a mesma coisa, não dá pra prever, não dá pra planejar nada”.
No outro sentido, de Saimadoyi para Machiques, o problema é, obviamante, o mesmo. Se cair uma tempestade, ninguém mais circula. Algumas vezes, encurralados entre dois rios, os passageiros precisam passar a noite onde estão, entregues aos insetos da floresta. A única via possível, às vezes, é a montanha escarpada. Porém o percurso tem de ser feito a pé, vergando ao peso das cargas e das crianças pequenas. “Em momentos de urgência, quando é preciso levar um doente ao hospital, isso torna a vida muito difícil”, lamentou Alvaro Akondakai Konta, índio de fala mansa. Outros parecem menos acomodados: “E o governo nacional, que gasta milhões e milhões de bolívares? Onde está esse dinheiro? Exigimos uma estrada de verdade, com pontes!”
Porque aqui as pessoas exigem. Povo sagrado, os Bari. Muito conhecidos na Espanha na época da conquista e nas seguintes. Eram conhecidos como “Motilones”. Muito orgulhosos, resistiram bravamente, a golpes de lança e muitas flechas. Sua reputação chegou a Madri e Sevilha, onde se cantava: “Los indios Motilones! /Te cortaron los cojones.” [1]
Até o fim dos anos 90, a legislação indígena mais ultrapassada da América
A República desprezava esses selvagens. Durante muito tempo, matar um índio dificilmente constituía um delito. Uns com chumbo, outros com flechas. Os Bari foram um dos últimos grupos autóctones a deixar que os missionários capuchinhos e a “civilização” se aproximassem. Eles não desceram das montanhas, não aceitaram o contato com os criollos] [2], e só se reagruparam em vilas nos anos 60.
Socialista por natureza, o índio trabalha coletivamente. Os homens embarcam na caminhonete “de Chávez” e na do padre espanhol. Ele vive com os Bari há 32 anos. Não é revolucionário, apenas dedicado. Seguimos em direção ao rio Ogdavia. Revolto por causa das intempéries, o rio isola Saimadoyi. Já que Caracas não se mexe, já que o governador não… O quê? O governador de Zulia? Bah… Ninguém conhece nem o nome [3]. Sabe-se vagamente que foi candidato da oposição para a presidência, em dezembro de 2006. Queria tomar o lugar de “nosso comandante Chávez”, mas os índios não dão a mínima para ele; ele nunca fez nada por nós.”
A água chega até a cintura. Uma motosserra destrói os grandes galhos lançados com fúria pela natureza, que obstruem o leito transbordante do riacho. Cada um faz o que deve ser feito, a pequena tribo é bem organizada. Tombar uma árvore, depois duas. Suar sob pedras maiores que o próprio corpo. Empurrar, puxar, transpirar, ficar exausto, descansar por alguns minutos, voltar ao trabalho. Um dia inteiro de trabalho à exaustão para erguer uma barragem. Desviar a corrente. Calçar o riacho de rochas e pedrinhas. A primeira caminhonete avança e passa sob os aplausos de todos. A estrada está novamente aberta. Por quanto tempo?
Bari, Pemón, Warao, Kariña, Chaima, Yarabana, Kurripaco, Yukpa, Wayuú, Hoti, Jivi. Trinta e cinco povos oriundos da região, cerca de 535 mil pessoas (2,1% da população), se acreditarmos no recenseamento de 2001, vivem nas regiões mais inacessíveis e menos povoadas do país. Todos comungam a mesma humilhação: até o fim dos anos 1990, a Venezuela tinha a legislação mais ultrapassada de todo o continente em relação aos indígenas.
Ao contrário de Bolívia e Equador, aqui os direitos vieram de cima
Eleito no fim de 1998, chega ao poder o presidente Chávez. Assumindo a herança de sua avó, que era Pumé, tornou-se o mais ardente defensor dessa população. Em 1998, então candidato, comprometeu-se a “saldar a dívida histórica” que, em sua opinião, o Estado acumulava. Convocando uma Assembléia Constituinte em 1999, a nova elite “bolivariana” abriu um espaço de ação coletiva [4]. Dos Wayuú dos centros urbanos, já bastante aculturados, até os Yanomani, da selva amazônica, sem contato com o resto da sociedade, os índios apresentam níveis de integração bastante distintos. Alguns, sobretudo os Wayuú, que vivem em Maracaibo, são filiados a partidos tradicionais (principalmente ao Ação Democrática). Têm de tudo.
Mas a Venezuela não tem nada de Equador nem de Bolívia, onde poderosos movimentos indígenas regularmente chacoalham a vida política. “Aqui, o espaço foi aberto pelos criollos, não pela pressão dos próprios índios”, explica, em Maracaibo, o sociólogo e antropólogo Daniel Castro. “Contudo, a reconstrução do país, iniciada por Chávez, despertou antigas esperanças em relação à recuperação das terras, a defesa de seu modo de vida”. O fato de terem sido convidados a participar da redação da Constituição criou uma dinâmica entre eles. Em 17 e 18 de julho de 1999, os 600 delegados do Conselho Nacional Indígena da Venezuela (Conive) elegem três representantes na Assembléia Constituinte. Eles juntam-se aos 128 delegados criollos], trazendo proposições concretas elaboradas pela base. Trata-se, então, de fazer com que sejam adotadas.
A resistência mais importante vem dos setores econômicos interessados na exploração dos recursos naturais. A mídia amplifica tal oposição. Do lado “chavista”, a Comissão de Segurança e Defesa, composta por antigos oficiais, denunciou um possível atentado à soberania e à integridade da nação, gualmente apontado pelo coro editorial e televisivo. No dia 3 de novembro, ao fim de muitas discussões conceituais e grande debate, o texto “Direitos dos povos indígenas” foi aprovado. Ele constituiria a matriz do capítulo 8 da Constituição Bolivariana, ratificada em 15 de dezembro por meio de um referendo, por 71% dos eleitores (60% de participação no pleito). Em matéria de direitos indígenas, a Constituição é a mais progressista de todas, nas Américas. As práticas paternalistas (para não dizer outra coisa) foram substituídas por uma política de reconhecimento e de participação (ler nesta edição, O que diz a Constituição).
Conselhos Comunais: democracia participativa?
Tucupita, mangue. A estrada acaba e dá lugar ao grande Delta Amacuro, pelo qual o Orinoco se lança no Atlântico, a nordeste do país. Um gigantesco labirinto de caños [canais] serpenteia a selva e o mangue em território Warao. Plantas aquáticas, aromas e ninféias flutuam lentamente na superfície. A noite cai, elas desaparecem pouco a pouco. Os pássaros se calam. No meio do rio, roncando o motor, a canoa desaparece na escuridão.
Guarakajara de la Horqueta, um buquê de luzinhas. Um pequeno píer ao pé de cada palafita. Nada de muros. Um longo telhado de folhas de temiche se espalha pelos lados. Nas proximidades, um gerador ronca sem parar. Um jovem Warao de Tucupita, José Gregório Aramillo, sorri: “Todas as comunidades terão eletricidade, o presidente falou. E telefone também (mostra o seu sob uma prateleira). As pessoas agora começam a se comunicar de um lugar a outro. Graças a esse governo, muitas mudanças aconteceram. Mas continuamos sendo waraos: é preciso preservar nossa língua e nosso modo de vida.” Enorme desafio. Sentados sobre um piso de troncos de palmeiras manacá, cerca de 20 índios, hipnotizados, contemplam uma televisão ligada a um dvd. Na tela, de ligas e mini-soutiens, as cantoras do grupo equatoriano Caramelos Calientes balançam lascivamente as ancas e os seios.
Há cerca de 500 habitantes em Guarakajara, dedicados ao artesanato, à pequena plantação — o conuco —, à caça e à pesca. Mestres da piroga, os Warao eram originalmente nômades, mas se sedentarizaram há alguns anos. As cabaças deram lugar às bacias de plástico, os arcos aos fuzis. Os recursos locais vão se esgotando, a desnutrição vem chegando. Alguns dependem de salário — daí os televisores — e trabalham como empregados na escola ou no posto de saúde. Outros não têm nada. “Não existe trabalho, ninguém nos ajuda”. Um novo modo de vida parcialmente integrado. Sempre falando em não acabar com a floresta, o rio, a natureza, o meio ambiente. Ao pé de suas casas, lançam às águas lixo, garrafas, sacos plásticos. Uma cloaca nauseabunda.
Não que o delta tenha sido abandonado à sua triste sorte. “Muitos dos motores de popa foram dados pelo governo, facilitando o transporte de um lugarejo a outro”, constatou um Warao. Criados em 2006, Conselhos Comunitários receberam créditos. Surgiram a fim de permitir que a população expresse suas necessidades e que essas sejam ouvidas pelas autoridades competentes. Além disso gerem seus próprios orçamentos. Aqui? Deserios Silva lança um sorrisinho como resposta. “Já elegemos o nosso e eu sou o responsável. É tudo novo, é verdade. Mas não estudei, não sei redigir um projeto”. E aparentemente, nada acontece.
Mas apenas aparentemente. Coordenadora do Ministério do Poder Popular e do Desenvolvimento Social (Minpares), Maria Chavy percorre os quatro municípios do delta — Tucupita, Casa Coíma, Antonio Díaz e Pedernales. Tem a tarefa de formar e reforçar as instituições locais. Com sucesso: por meio dos Conselhos Comunais, as 19 comunidades inteiramente indígenas do município Pedernales puderam desenvolver projetos sócio-produtivos. Pesca, cultura, artesanato. Com algumas zonas sombrias, como em Guarakajara. “Por natureza, os Waraos já são organizados. Mas têm uma cultura oral. Nosso papel é ensiná-los a se comunicarem com as instituições e prepará-las para lhes oferecer resposta”. Uma tarefa imensa para tanto atraso acumulado. Muitos obstáculos, apesar da manifesta vontade política do governo. “Freqüentemente nos debatemos com os politiqueros, que se infiltram nas comunidades e deturpam os projetos. Outras vezes, infelizmente, os recursos só beneficiam alguns.”
Uma concepção não-branca de tempo e de democracia
É preciso acabar com os mitos. “Não é só porque somos índios que somos perfeitos”, sorri Daniel Castro. “A corrupção e os conflitos também existem nesse universo”. É assim no delta, em La Culebrita. No rio e nas canoas. Nas palafitas. Os projetos do Conselho Comunal estão em andamento: dez embarcações e redes para retomar a pesca artesanal, créditos para construir sanitários dignos do nome. Há, até mesmo, um gerador funcionando 24 horas, abastecido a óleo, gratuitamente, subvencionado pelo governo e pela prefeitura do município.
Só que o plantero — responsável warao pelas instalações — é malandro. “Ele só liga o gerador às 16 horas e o desliga às 22 horas, alegando que fazê-lo funcionar mais o estragaria. E por que nos faz pagar pelo combustível das horas restantes?” Para onde vai o resto? O labirinto aquático do delta é propício ao contrabando. Em La Culebrita, as pessoas sempre foram pobres. Os magros produtos do artesanato servem agora para pagar a eletricidade.
Há contradições de todo tipo. Os Conselhos Comunais criaram alguns problemas [[Ler Renaud Lambert, “Participação popular contra o velho Estado”, Le Monde Diplomatique Brasil, setembro de 2006]. Entre os Baris, estruturados em uma democracia bastante vertical, os conselhos correspondem a uma organização ancestral, portanto, integraram-se naturalmente. Em outras comunidades, como entre os Warao ou os Yupa, as autoridades tradicionais — caciques, conselho de anciãos, xamãs — vêem com maus olhos os novos dirigentes eleitos, porque perdem sua autoridade. Aparecem as divisões. Os índios de Merida deixam-se intimidar pelas milícias ligadas aos partidos tradicionais, que conservam o poder local em alguns casos.
Por outro lado, a concepção do dinheiro e do tempo entre os criollos e as comunidades indígenas diferem profundamente. Entre esses, a noção de “investimento” absolutamente não existe. “O que faz o sucesso dos Conselhos Comunais nesse país é que foram ocupados pela organização popular. A situação é mais complexa entre os índios. Contudo, eles compreendem muito bem o que se passa e tentam traduzi-los conforme sua visão. É muito mais lento que em todo o resto do país, mas já começa a funcionar”, comenta Daniel Castro.
As mineradoras conseguem retardar a demarcação das terras
Voltemos aos Bari. Estão satisfeitos. “Os governos anteriores não faziam nada. Temos problemas, mas Chávez nos ajuda, e por isso agradecemos”. Mas há também os descontentes. A lei de demarcação das terras indígenas foi aprovada em 12 de janeiro de 2001. Estamos em 2007. Como previsto nos textos, os índios fizeram a delimitação de seu território. Ao fim de longas discussões com anciãos, chefes, professores das pequenas escolas e camponeses, delimitaram as montanhas, cheias de espíritos ancestrais, os lugares sagrados e as zonas de alimentação. Tudo pronto. Inclusive evitaram ouvir aqueles que, induzindo-os a lances maiores – “ecologistas” criolos, que se dizem anarquistas – lhes sugeriam que, “no passado”, o habitat Bari ocupava todas as terras até Maracaibo. “Da zona da fronteira, em Río de Oro, até o rio Santa Rosa, dois mil hectares, é o que exigimos enquanto Baris”. Nem mais, nem menos.
Em outubro de 2006, as autoridades lhes prometeram o título de propriedade coletiva. “Depois disso, nada mais! Tudo parou”. O que aconteceu? Ninguém sabe. Alguns sugerem que como a densidade do habitat do território concedido era baixa (são cerca de 1600 pessoas), conceder-lhes tal título seria criar um latifúndio. Outros acusam a inércia e a ineficiência dos funcionários. Fala-se ainda das forças armadas, preocupadas por ver os Baris adquirirem tanta autonomia em zona de fronteira com a Colômbia — particularmente sensível para a segurança do país. Evocam também os grandes proprietários de terras. Mas, acima de tudo, a preocupação tem um nome: empresas mineradoras. Essas têm razões evidentes para tentar impedir a demarcação.
A lei diz muito claramente que, uma vez que os indígenas tomem posse de seus territórios, será preciso pedir-lhes permissão para explorar seus recursos. Em última análise, serão eles que decidirão. É um progresso considerável. Antigamente, tendo acumulado benefícios pela isenção de impostos e sem sofrer nenhum constrangimento ambiental, as companhias mineradoras podiam devastar rios e florestas. Não faltaram conflitos — por vezes violentos — opondo os índios à polícia, à guarda nacional ou ao exército.
Os principais Estados indígenas do país (Amazonas, Bolívas e Zulia) abrigam reservas consideráveis e estratégicas: urânio, ouro, metais preciosos, carvão. E os Baris sempre souberam: se os políticos e os latifundiários se interessarem pela Sierra de Perijá, o dinheiro vai crescer no lugar das árvores e a grande devastação vai começar. E não apenas para eles. A sierra é a grande fornecedora de água da cidade de Maracaibo, que com freqüência sofre pela sua falta.
“É preciso separar o discurso do que se passa na realidade
Sob as presidências anteriores, duas minas já foram abertas no norte de Zulia – estado onde vivem os Wayuú, os Bari e os Yukpa. Instituições de Estado ligadas às multinacionais, a Corporação de Desenvolvimento da Região de Zulia (Corpozulia) e sua filial Carbozulia foram responsáveis pelo empreendimento, inclusive nos corredores do poder, investindo muito dinheiro para desenvolver a atividade. Há dois anos, uma surda batalha acontece na região. Por vezes, coloca os índios uns contra os outros. As minas empregam 7 mil trabalhadores— exploração, transporte, exportação. Vários Wayuús são empregados. “Etnias que não defendem seus territórios”, comentou, alterado, um índio de Karañakal, na Sierra de Perijá. “Eles se vendem a qualquer um que lhes dê dinheiro. Mas os Bari não são assim”.
Em Saimadoyi, em 1999, o presidente afirmou que o carbono não seria extraído da terra caso afetasse o meio ambiente. No entanto, o atraso na demarcação deu lugar a um curioso desdobramento: a voz dos índios foi substituída pela voz dos “ecologistas” que orquestram uma campanha anti-Chávez, tratado como “pró-cônsul do Império”, aliado das transnacionais. Mesmo pouco numerosos, eles têm uma grande força midiática graças à internet. Esses grupos — entre os quais Homo e Natura — beneficiaram-se, fora do país, do apoio de vários sites progressistas e de sites financiados pela Fundação Rockefeller. “As pessoas falam em nome dos índios para defender seus próprios interesses. Quando vamos falar com os índios, eles não têm o mesmo discurso. Às vezes dizem até mesmo o contrário, ou várias coisas ao mesmo tempo”, comenta Daniel Castro.
Foi por meio do canal de televisão estatal ViveTV que a Venezuela aprendeu o seguinte: os ecologistas não são os porta-vozes dos índios. Eles têm uma voz própria. Foi igualmente por tal canal que os Bari puderam exprimir suas preocupações. E foram ouvidos. Em 21 de março, por ordem do presidente, a ministra do meio ambiente Yubiri Ortega de Carrizalez anunciou que estava proibido abrir novas minas de carvão em Zulia, bem como aumentar as explorações já existentes. Pensando a longo prazo, o governo está planejando uma estratégia de desenvolvimento diferente: agricultura e apoio ao turismo.
Nas terras indígenas, as realizações se multiplicam: demarcação de terras nos Estados de Anzoategui e de Monagas; reposição de barcos-ambulâncias no Amazonas, Bolívar e Apure; instalação de painéis de captação de energia solar em algumas comunidades do Apure para produzir eletricidade; distribuição de cestas básicas no delta Amacuro. A revolução, por vezes confusa, não poupou em matéria de criação de organismos: Instituto Regional das Relações Indígenas (que depende dos governadores), Divisão Regional das Relações Indígenas (Ministério da Educação), “missões” Gaicaipuro (políticas sociais destinadas aos índios), Robinsón (alfabetização, Rivas (estudos secundários), Barrio Adentro (saúde). Os interesses acabam por se perder, como ressaltou o cacique Karañakal: “Um dia chega um funcionário, noutro dia outro, depois outro. A gente não entende mais nada”.
Em 2006, para remediar a situação, foi criado o Ministério do Poder Popular para os povos indígenas, tendo à frente uma ministra in