A autocrítica da sobrevivência
A possibilidade de ser candidato à Presidência da República, caso Lula seja condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, não é discutida pelo PT, confirma Haddad. “A candidatura dele está posta. Ele lidera as pesquisas.”
Desde que deixou a Prefeitura, após um mandato de quatro anos (2013-2017), Fernando Haddad intensificou o número de viagens pelo Brasil para, segundo ele, sentir o clima do ambiente acadêmico em um momento de cortes na área da Ciência e Tecnologia, Cultura e Direitos Sociais, promovidos pelo governo Temer. Entre palestras e aulas magnas, o ex-ministro da Educação (2005-2012) aproveita para seguir um conselho do ex-presidente Lula: “Eu já vinha sendo convidado para dar palestras em universidades, e ele [Lula] estimulou que eu aceitasse rodar o Brasil, porque eu me dispus a colaborar como membro da equipe que vai formatar o plano de governo”.
A possibilidade de ser candidato à Presidência da República, caso Lula seja condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, não é discutida pelo PT, confirma Haddad. “A candidatura dele está posta. Ele lidera as pesquisas.” A confiança que sugere o retorno de Lula ao Planalto vem acompanhada da autocrítica acerca das mudanças estruturais na política nacional que não foram feitas enquanto o PT esteve no poder. “O PT tem que reconhecer o óbvio: algumas coisas nós não fizemos e estamos pagando o preço por não termos feito. Nós sabemos disso. Por exemplo: a reforma política. O preço que está sendo pago é elevadíssimo”, admite.
A perspectiva de um embate presidencial que envolva a candidatura do atual prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), faz Haddad voltar a tecer críticas a respeito da gestão atual. “Ele não tem vínculos com a cidade. O que ele tem é um projeto político pessoal, sem conexão nenhuma com São Paulo. Eu não acredito que ele fique até o final do mandato, como prometeu.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Le Monde Diplomatique Brasil – Você tem viajado bastante, e uma conversa com Lula indicou que um diálogo com a academia pode ser um bom caminho. Como tem sido a recepção de membros da universidade em relação ao PT e ao Lula?
FERNANDO HADDAD – Na verdade, eu já vinha sendo convidado para dar palestras em universidades, e ele [Lula] estimulou que eu aceitasse rodar o Brasil, porque eu me dispus a colaborar como membro da equipe que vai formatar o plano de governo. A partir daí, eu passei a aceitar mais convites em função dessa possibilidade de estabelecer canais mais frequentes de comunicação com a academia. Depois das minhas passagens pelo Ministério da Educação e pela Prefeitura de São Paulo, obviamente, perdi muitos contatos. Reatar isso é importante, sobretudo neste momento em que as universidades têm sofrido cortes e a ciência brasileira passa por um período delicado. O orçamento de Ciência e Tecnologia recuou vinte anos.
Mas há um diálogo com a academia sobre Lula ser candidato?
Nós não tratamos disso, até porque a candidatura dele está posta. Ele lidera as pesquisas. Passa por uma discussão sobre o governo Temer. A ideia de que esse governo e o projeto que ele representa não podem continuar.
Você já disse que duas variáveis podem derrotar o programa da direita para as próximas eleições: uma seria o fator Lula, e a outra, a aglutinação de “forças que impeçam a continuidade do projeto que o governo Temer representa”. Quais são essas forças? A saída do PSDB da base do governo está inserida nesse contexto?
O PSDB está indissociavelmente ligado ao Temer. Talvez alguns integrantes possam sair, mas o partido como um todo, não. Eles, na verdade, representam o mesmo projeto, porque não havia a chance do Temer chegar ao poder sem a ajuda do PSDB. Acho que a candidatura do Ciro Gomes, o Vamos!, o PT e o PCdoB são forças que vão contra isso que está aí, em uma tentativa de revitalizar o discurso progressista e demonstrar que há alternativas ao governo atual.
O Vamos! quer disputar um espaço de mobilização na internet que hoje está com a direita?
Não acho que a esquerda esteja tão mal na internet. No Congresso, por exemplo, os parlamentares progressistas têm mais visibilidade que os outros. Agora, tem a questão do dinheiro. A internet passou a ser um território em que o dinheiro faz toda diferença. Aquela visão romântica da internet não existe mais. Tornou-se um campo de atuação profissional e, nesse sentido, a direita tem mais dinheiro.
Há como quebrar isso fazendo política ou só com mais dinheiro?
A política sempre vai ser influenciada pelo dinheiro, mas ela tem uma autonomia. As pessoas pensam, estudam, discutem, então ela é um reino onde o dinheiro pode fazer a diferença, mas as pessoas podem forjar novas utopias, novas visões de mundo, a partir da interação.
Em Os donos do poder (Globo, Porto Alegre, 1958), Raymundo Faoro afirma que “a comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados, em linhas que se demarcam gradualmente”. Como incutir na sociedade o pensamento de que a exploração atual não resulta em políticas voltadas para ela?
Em geral, ou as pessoas estão bem informadas, num cenário que é extremamente difícil, porque os mais pobres têm menos tempo e poucos recursos para despender com informação; ou as pessoas raciocinam por contraste. Não há contraste maior do que o governo Temer e o governo Lula. Às vezes você usa expedientes mais simples para fazer as pessoas entenderem ideias mais complexas, e nós estamos em um momento em que isso será imprescindível. É preciso mostrar o contraste do Brasil de hoje com o de pouquíssimo tempo atrás.
Isso não pode sugerir uma falta de revitalização do discurso?
Mas tem discurso mais batido que o da direita? Um discurso fatalista, que não é inventivo, pouco imaginativo. Nesse sentido, a direita tem muito mais dificuldade que a esquerda.
Raduan Nassar, em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, disse que faltou um trabalho de base, de conscientização política da esquerda enquanto o PT esteve no poder. Você concorda?
O sucesso eleitoral do PT provocou um esvaziamento de algumas instâncias importantes do partido. Pessoas importantes foram para os governos e deixaram o trabalho de base. O partido passou a se organizar muito em função dos governos, dos mandatos, e se institucionalizou demais. E esse lado não institucional do PT, que sempre foi muito importante, que é a conexão com a base, com a militância, foi esquecido, de maneira que parte do que o Raduan diz é verdade. Também é difícil imaginar que esse tipo de problema não seria um processo natural.
Ainda sobre a militância, você disse à BBC que fazer autocrítica depende do resultado que ela terá e que a polarização exacerbada impede isso. Mas o militante do PT não merece essa autocrítica depois dos casos de corrupção envolvendo o partido? Isso não poderia fortalecer a base?
Veja, primeiro é preciso haver uma depuração dos fatos, porque há situações em que estão contestando a narrativa que foi construída, caso específico do Lula. Ali é uma situação-limite. O golpe no Brasil foi concebido em três atos: o primeiro foi o afastamento da Dilma, com base em um casuísmo. Uma tese foi engendrada para justificar o impeachment, tanto é que o Senado adotou uma solução esquizofrênica, que foi o afastamento sem crime de responsabilidade, algo que não está previsto na Constituição. O segundo ato do golpe parlamentar é a tentativa de excluir o Lula das eleições de 2018. O terceiro, que completa o ciclo, é a adoção do sufixo “-ista”, de um golpe parlamentarista, que consumaria a movimentação sobre a qual não vai pairar dúvidas, porque nossa Constituição previa a mudança de regime por meio de consulta popular, que não está no discurso do governo. É o golpe em três atos.
Mas a autocrítica não pode acontecer mesmo diante desse cenário?
O PT tem que reconhecer o óbvio: algumas coisas nós não fizemos e estamos pagando o preço por não termos feito. Nós sabemos disso. Por exemplo: a reforma política. O preço que está sendo pago é elevadíssimo. Devíamos ter priorizado essa reforma, porque é impossível governar o Brasil da maneira que o sistema político está organizado. A reforma tributária é outro exemplo, porque os pobres é que pagam impostos no Brasil; impedir a concentração dos meios de comunicação e dar mais liberdade para novos grupos de comunicação; mudanças no Ministério das Cidades, que sempre teve ministros muito conservadores. A cidade e a vida urbana estão no centro do debate. É evidente que há um conjunto de elementos que devem ser reconsiderados.
Voltando à reforma política, o deputado Vicente Cândido (PT), relator da reforma na Câmara, disse que a única coisa que unifica o Congresso é a vontade de se reeleger. Você acha que a reforma política pode sucumbir a esse anseio dos parlamentares?
Acho que sim, por isso acredito que a solução heterodoxa passa por uma intervenção do Supremo Tribunal Federal. Da mesma maneira que o STF proibiu a doação de empresas às campanhas políticas, deveria proibir a coligação proporcional. Isso seria valiosíssimo para reconfigurar o quadro de alianças e de governabilidade. Nós não vamos caminhar com as coligações proporcionais. Eles ainda estão pensando em trocar um quadro que já é ruim por um pior, que é o distritão.
Recentemente, você afirmou que Lula se tornou maior que o PT. Isso não atrapalha a formação de novos quadros?
Todo quadro político que chega à Presidência se torna maior que o partido, sobretudo quando é bem-sucedido. Isso é universal. Não é bom nem ruim. É inevitável.
Lula será eleito em 2018?
Essa é a nossa expectativa, e nós temos que confiar nisso. A imprensa tem dado pouco espaço ao livro que reúne 103 artigos, de 122 juristas [Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula (Canal 6, Bauru, 2017)], contestando a decisão, pela fragilidade que ela apresenta. Nós sabemos que essa contestação não é o desejo das forças que assaltaram o poder, evidentemente, por isso falo do golpe em três atos. Mas é a crença de que não se pode condenar alguém por suposição. São três suposições, aliás: a primeira diz que ele trocou de apartamento; a segunda, que ele não pagou a diferença; a terceira diz que isso tem a ver com a Petrobras. Você não pode condenar alguém sem nenhuma delas provada.
Você volta ao governo do Lula, caso ele seja eleito?
Lógico que volto [risos].
No Ministério da Educação?
Aí eu não sei. Estou na fila.
Você está fazendo política sem estar na política?
Política eu faço desde que nasci. Eu não sei como não fazer política. Outra coisa é eleição, pretensões eleitorais, o que depende de cada circunstância. Eu não estou fazendo política aqui, com você, dando esta entrevista? Sou professor de Ciência Política, de Gestão Pública… Não tem como não discutir os temas nacionais e procurar influenciar na medida das minhas possibilidades, como cidadão.
Se o Lula não puder concorrer, o PT lança candidato próprio ou vai apoiar alguém?
Todos nós estamos evitando essa discussão por duas razões: acreditamos que a condenação do Lula será revertida e temos uma lealdade muito grande ao presidente. Todos nós, indistintamente. Eu acredito no estado democrático de direito, e que isso será revertido. Qualquer discussão que contorne isso não é bem-vinda.
Podemos falar de São Paulo?
Um pouquinho…
Como você tem visto a gestão de João Doria (PSDB)? Você afirmou que ele tem uma estratégia totalmente comunicacional.
O Doria não tem vínculos com a cidade. O que ele tem é um projeto político pessoal, sem conexão nenhuma com São Paulo. Eu não acredito que ele fique até o final do mandato, como prometeu. Está claro que ele não tem nenhum projeto para a cidade.
Você acha que ele sai como presidente?
Não sei para quê…
A antropóloga Teresa Caldeira, que estuda as cidades e as interações, fala sobre a sociedade fechada em condomínios, reclusa. São Paulo está passando por isso?
A cidade, em seis meses, se tornou muito mais violenta. Em todos os sentidos. Violenta contra dependentes químicos, contra moradores em situação de rua, contra ciclistas, grafiteiros, pedestres, simplesmente porque o poder local emite sinais de recrudescer a violência, transmitindo intolerância. As pessoas captam isso e mudam seu comportamento a partir disso. Não passa uma semana sem que o chefe do Executivo agrida alguém. Isso repercute na vida das pessoas, porque elas alteram o seu comportamento à luz dos exemplos que recebem.
Por que a sociedade tem se identificado com esse estilo?
Existem períodos históricos de crise em que as pessoas se dividem entre aquelas que alimentam a intolerância, o ódio, a polarização, e pessoas que entendem que isso pode nos levar para um mau caminho, a um processo de desconstrução. Nesses períodos críticos, quando tudo está mais tenso, as soluções não são simples, os conflitos de classe estão mais bem delineados, você toma uma das duas posições. O que eu observo nos jornais é que não há semana em que o chefe do Executivo não agrida alguém. Pode ser um militante, um ciclista, um grafiteiro, um dependente químico, um político de outro partido, um político do próprio partido, um jornalista, um agente cultural. Está todo mundo sujeito a uma agressão gratuita em São Paulo.
Você acha que o debate presidencial pode ser pautado por essa agressividade?
Tomara que não. Torço para que seja pautado pela discussão de projetos, de propostas, da superação da crise, da retomada do desenvolvimento do período Lula.
Voltando a São Paulo, a Prefeitura diminuiu as ações da Controladoria-Geral do Município, está mexendo no Plano Diretor, praticamente acabou com a Virada Cultural, teve uma ação desastrosa na Cracolândia…
Essa gestão é marcada pela desconstrução, não pela construção. E não é só da minha gestão: é um governo marcado pela desconstrução de muitas gestões. Até o que era bom de outros governos está sendo destruído. Por exemplo: o Leve Leite. Não é da gestão do PT, é do Maluf. As obras paradas, o corte do Passe Livre, o corte drástico do orçamento da Cultura, a falta de planejamento urbano, a Cidade Limpa. Imagina você aumentar a velocidade da via e liberar o outdoor. É tudo que não é recomendado por uma cartilha. Não precisa se aprofundar ou ser um intelectual para entender que você vai colocar mais um elemento para desviar a atenção. Você vai desconstruindo uma ideia de cidade mais civilizada, que colocava as pessoas em primeiro lugar… Você acha normal aumentar em 75% o número de ciclistas mortos em seis meses? Ninguém fala nada. Sai no jornal um dia e, no outro, ninguém lembra. O desastre desta semana faz você esquecer o da semana anterior.
Seu artigo para a Piauí (jun. 2017) é intitulado “Vivi na prática o que aprendi nos livros”, e sua gestão priorizou a arquitetura, a antropologia das cidades. Esse conhecimento adquirido na academia dialoga com a prática?
Totalmente. Sempre com as mediações que o caso concreto exige. Mas ter o background é importante para você situar a cidade. Veja, havia um plano em curso em São Paulo. Um exemplo: nosso Plano Diretor veio acompanhado de planos setoriais complementares que compunham um todo absolutamente coeso. Tinha o Plano de Habitação, o Plano Municipal de Mobilidade, o Plano Municipal de Cultura, tudo dialogando com o Planejamento Diretor Estratégico. Você tinha uma visão de cidade e de futuro, e tudo isso está sendo desmontado.
Você deixou a Prefeitura com o sentimento de não ter feito algo que era possível?
Quando me elegi, queria ficar oito anos. Quatro anos é um mandato de bom tamanho? Sim. Em uma cidade do interior, com até 200 mil habitantes, 500 mil habitantes, você consegue deixar uma marca em quatro anos. Mas, como ministro da Educação, eu teria feito o que eu fiz em quatro anos? Impossível. Eu precisei de oito anos. Mas tem um legado inquestionável. É só perguntar para qualquer historiador da educação se houve algum período em que se produziu mais.
A região metropolitana de São Paulo é muito complexa, você precisa de mais tempo para consolidar um trabalho. Para você não ficar discutindo a regulamentação de transporte de aplicativo individual, se a via terá velocidade de 50 km/h ou não, você precisa de tempo, para que as pessoas percebam a mudança e queiram abrir mão dela, porque a boa mudança é aquela que o Executivo faz, mas da qual a sociedade se apropria. Enquanto a sociedade não se apropria daquele avanço, não é da cidade, é de uma pessoa. Quando a sociedade se apropria, ninguém pode desfazer. O Bilhete Único, os CEUs, os corredores de ônibus, coisas que o PT fez, seguem. Mas olha o ritmo de avanço… Demora mais, vai mudando.
O Plano Municipal de Mobilidade Urbana, premiado, está na gaveta de alguém. A cidade estava pulsando cultura de rua, arte urbana, e ninguém mais fala disso. Toda política de direitos humanos está sendo desmontada: De Braços Abertos, Transcidadania. E não é que está sendo desmontada por outra coisa. Está sendo desmontada por nada. Não tem nada no lugar dessas coisas ou uma evolução dessas políticas. É só desconstrução.
Junho de 2013 foi o período mais difícil do seu mandato. Raymundo Faoro questiona a participação popular dizendo que esta “oscila entre o parasitismo e a mobilização de passeatas sem participação política”. As jornadas de junho mostram uma mudança de paradigma e, por isso, ainda não foram totalmente compreendidas?
Eu dei minha opinião sobre o que aconteceu. Do meu ponto de vista, existia uma tensão social, em função do sucesso econômico do governo. Os números mostram que os pobres ficaram bem menos pobres, os ricos ficaram bem mais ricos e a classe média ficou com a sua posição relativa prejudicada. Ela não perdeu poder de compra, mas perdeu status. Havia um ressentimento no ar. O 13 de Junho deu uma senha de como fazer esse ressentimento se expressar. Foi um rapto da forma. O movimento era sobre a tarifa, mas o que foi importante ali não foi a tarifa. Foi a forma de fazer protesto, capturada pela direita, que angariou apoio ao contestar os partidos, o poder estabelecido, com uma agenda cada vez mais conservadora ao longo do tempo. A direita manteve a fórmula e alterou os conteúdos, a ponto de os promotores das primeiras manifestações serem enxotados duas semanas depois.
Por que as pessoas não estão nas ruas agora?
Porque as vítimas desse processo de cortes, que são os mais pobres, não estavam nas ruas em 2013, não estavam no impeachment e continuam não estando na rua. Elas observam esse quadro com muita dificuldade, como qualquer um de nós teria para entender esse processo. Veja o que aconteceu nas eleições do ano passado: todas as denúncias sobre o PSDB e o PMDB foram represadas. Passada a eleição, vieram a público todas as acusações aos demais partidos. Mas o estrago eleitoral já estava feito.
Você foi vítima desse estrago, certo?
O PT perdeu 60% dos votos no Brasil. Não foi uma questão local. Eu estava no meio dessa barca. Aqui nós só perdemos 40%, e com a Marta [Suplicy] na briga.
A entrada da Erundina também dificultou mais?
Também, sobretudo porque ela veio pela esquerda. Das outras vezes em que ela disputou as eleições contra o PT, veio pelo centro, pelo PSB, então o estrago era pequeno. Ela era da base do Alckmin, não é? A gente esquece essas coisas, mas o PSB era base do Alckmin…
Houve uma rusga entre PT e Psol recentemente…
Eu gosto do Psol, sobretudo do Psol do Rio de Janeiro. Gosto do [deputado estadual Marcelo] Freixo, sou amigo dele, tenho muito prazer nisso e espero que seja recíproco. Acho que eles estão fazendo um bom trabalho, com uma postura muito íntegra nesse processo todo. Nós devemos e temos que saber valorizar isso. O Psol cresceu em presença, que pode ou não se traduzir em voto. O PT, o PCdoB, o PCO, a esquerda, precisam respeitar e valorizar o Psol.
Você acha que esses outros partidos esperavam um recuo do PT para lançar outro candidato que não fosse o Lula?
As pessoas acham que fazer um PT é fácil. Mata esse que nasce outro. Lamento informar, mas a história mostra que não é assim. É muito difícil fazer um partido de esquerda, com base. São condições históricas únicas que permitem isso. Vários analistas estrangeiros apontam essa tese. Quando a esquerda europeia acaba, são vinte ou trinta anos para se remontar.
Faoro diz que o “aparelhamento político – uma camada social, comunitária, embora nem sempre articulada, amorfa, muitas vezes – impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando”. Essa camada muda e se renova, mas não representa a nação. Há como romper esse círculo político, alterar essa camada, que hoje é impermeável?
Em 2003, escrevi um artigo dizendo que nosso maior risco era não levar Raymundo Faoro a sério. Há como acabar com essa camada. A tarefa começa por republicanizar o Estado que, infelizmente, está na ordem do dia. E não nego que houve avanços, tanto no governo de Fernando Henrique como no do Lula. Mas a nossa tradição patrimonialista está aí, até hoje, sem pudor, estampada nos jornais. Essa agenda de reforma do Estado é muito importante, e é uma agenda de fácil execução do ponto de vista doutrinário e difícil do ponto de vista político. Você sabe o que precisa fazer, mas o problema é reunir forças para fazer, porque a resistência é enorme, inclusive do Judiciário, não só do Parlamento.
*Guilherme Henrique é jornalista.