A cooperação internacional brasileira
Silvio Caccia Bava
O governo brasileiro vem dando importantes passos no campo da cooperação internacional com outros países do Sul. Na esteira de uma estratégia de se construir como um global player, os recursos alocados pelo governo para a cooperação internacional têm crescido muito nos últimos anos. Segundo estimativas do próprio Le Monde Diplomatique Brasil,1 de 2005 a 2009 doamos US$ 1,88 bilhão. Mas esse valor não diz tudo, pois de acordo com o Ipea houve um crescimento de 50% na “ajuda para o desenvolvimento” prestada pelo Brasil nesse período. Se essa tendência se consolidar, ultrapassaremos facilmente a casa dos US$ 2 bilhões no quinquênio seguinte.
Mas, a bem da verdade, mesmos considerando estudos recentes como o do Ipea, publicado em janeiro passado,2 não sabemos bem para o quê e para quem se destinam esses recursos. Sabemos que US$ 448 milhões foram destinados ao perdão da dívida de países pobres para com o Brasil. Sabemos que a “cooperação técnica” cresceu muito. Somente na África, em 2010 foram concluídos trezentos projetos em 38 países. Comparados aos 21 projetos realizados em 2002 em seis países, o crescimento é muito significativo. Essa modalidade de cooperação abrange desde a área de agricultura tropical até o combate à AIDS, e absorveu US$ 252 milhões nesse período. Mas também empréstimos a juros subsidiados para obras de infraestrutura em países onde operam as grandes empreiteiras brasileiras são computados nessa rubrica.
A partir de 2008 o governo brasileiro envolveu em seus projetos internacionais de cooperação a Embrapa, a Fundação Oswaldo Cruz e o Senai. E agora busca envolver também as ONGs em formas de cooperação com a sociedade civil, buscando trazer para o debate suas experiências de participação. Não é demais lembrar a importância e a projeção internacional que tem o OP, o Orçamento Participativo, como experiência inovadora de um governo democrático. Ele começou em Porto Alegre, cerca de vinte anos atrás, e hoje é adotado por 13.500 municípios distribuídos por todo o planeta.
Mas o Brasil tem uma política de cooperação internacional? É provável que o Brasil não tenha uma, mas várias. Cada qual atendendo a interesses específicos do órgão que a aplica. Senão, como entender que a Agência Brasileira de Cooperação – a ABC –, que em princípio é a responsável por essa área, tenha em 2011 um orçamento de apenas US$ 52 milhões?
Os desafios são grandes para a integração dessas múltiplas iniciativas em uma estratégia comum. E tornam-se maiores quando essa questão, necessariamente, precisa envolver as representações da sociedade civil, as universidades, as ONGs, muitas delas já com projetos de cooperação na África e na América Latina.
Em recente reunião da Associação Brasileira de ONGs sobre o tema, foi identificado que o primeiro passo para alimentar esse novo diálogo é a realização de um raio X sobre o conjunto das iniciativas governamentais e da sociedade civil, algo como reconhecer o estado da arte neste assunto. A partir daí passa a ser possível pensar as formas de articulação dos distintos atores, as políticas em cada frente. Também se ponderou que esse raio X precisa contar com uma avaliação independente da sociedade civil, que se some aos trabalhos de órgãos do governo. A exemplo de outras políticas públicas, a formulação de uma política de cooperação internacional, que irá demandar a participação das ONGs, precisa ser desenhada de uma maneira aberta, pública e compartilhada.
O ponto de partida é a transparência. Não podemos culpar o governo por falta de transparência, porque é provável que nem mesmo ele saiba de todas as ações que envolvem hoje a cooperação internacional do Brasil. Mas impõe-se um esforço de mapeamento e análise nessa área.
Junto com esse raio X, é preciso o reconhecimento político da importância das redes de cidadania na atuação junto às políticas públicas brasileiras. O sucesso no programa de combate à AIDS é exemplo disso. Ele só foi possível com a participação de centenas de ONGs, que apresentaram projetos próprios, articuladas com o Ministério da Saúde.
E, finalmente, precisamos reafirmar coletivamente uma constatação óbvia: você só exporta o que você produz. Se a cooperação internacional brasileira precisa se apoiar nas experiências da participação cidadã, é preciso apoiá-las também aqui dentro, em nosso país.
Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.