A direita disputa Fortaleza
A entrada de Bolsonaro na disputa municipal de Fortaleza ocorreu no início de outubro. Em live transmitida no dia 8, o presidente afirmou: “Em Fortaleza tem um capitão lá. Se Deus quiser vai dar certo, já está na frente”, numa clara referência ao Capitão Wagner, que despontou em primeiro lugar nas pesquisas
Desde 2018, especula-se em que medida a onda conservadora e de direita conseguirá se reproduzir em nível municipal. Na análise de Antonio Lavareda e Antônio Fernandes,1 os aspectos que tornaram 2018 uma disputa crítica já estavam anunciados no último pleito municipal: crise econômica, rejeição ao PT e candidatos outsiders vitoriosos. Devemos, portanto, pensar as candidaturas de direita, na atual disputa, não apenas como um reflexo da organização de 2018, mas também como fluxo de um processo que obteve destaque nas grandes cidades já em 2016.
Apresento as estratégias e embates de duas candidaturas que disputam votos, no campo da direita, para a Prefeitura de Fortaleza: Capitão Wagner (Pros), representante do fluxo iniciado em 2016, e Heitor Freire (PSL), que emergiu na onda de 2018.
Wagner é deputado federal (2019-2022), foi vereador (2013-2014) e deputado estadual (2015-2018). Em sua trajetória prévia à carreira política, evidenciou sua vinculação às forças de segurança pública, na condição de capitão da Polícia Militar do estado do Ceará. Heitor Freire, também deputado federal (2019-2022), em sua trajetória destaca a relação com a Igreja evangélica, que lhe concedeu a oportunidade de estudar fora do país e trabalhar em bancos internacionais.
Apesar de disputarem o mesmo espectro político e terem feito campanha para Bolsonaro em 2018, foi em torno da candidatura de Capitão Wagner que se reuniram as lideranças eleitas na onda bolsonarista: o senador Eduardo Girão (Podemos), o deputado estadual André Fernandes (Republicanos), além de figuras já estabelecidas, como os deputados estaduais Dra. Silvana (PL) e delegado Cavalcante (PSL), entre outros. É relevante destacar que o distanciamento de Freire do núcleo bolsonarista ocorreu em 2019 por um dissenso com o presidente, que o acusou de ter vazado o áudio de uma conversa entre os dois.
Wagner reuniu nove partidos em sua coligação (Pros, Republicanos, Podemos, Avante, PSC, PMN, PMB, PTC e DC), tendo como vice a advogada Kamila Cardoso (Podemos). Já Heitor Freire firmou aliança apenas com o PRTB, do vice-presidente Hamilton Mourão, e a cabo da Polícia Militar Laurice Maia (PSL), filiada no dia da convenção, ficou como vice.

Se a campanha de Wagner foi exitosa em reunir as lideranças bolsonaristas, o léxico e os símbolos mais expressivos da direita que compuseram a campanha do presidente em 2018 não ganham notoriedade em sua propaganda eleitoral na TV. Os programas têm sido dedicados à produção da imagem retomando sua trajetória pessoal e profissional. Busca-se apresentá-lo como alguém oriundo da periferia, que “venceu na vida” pelo esforço na educação. Por isso, conheceria os problemas da maioria da população. A pauta da segurança, que marcou sua inserção na vida pública, fica esmaecida diante de novas imagens, como a de professor e liderança política independente. A relação com o bolsonarismo emerge na menção ao governo federal, não diretamente ao presidente, e à conquista de recursos para o enfrentamento à Covid-19 no Ceará. A bandeira do Brasil aparece rápida e sutilmente; as cores que marcam a comunicação visual são o branco, o roxo e o azul.
Os programas de Heitor Freire, por sua vez, emulam os signos mobilizados na campanha de Bolsonaro em 2018. As referências às redes sociais, às cores da bandeira nacional, à ideia da necessidade de “endireitar” Fortaleza, entre outras, fazem a linha direta com a onda que se espalhou no último pleito nacional. A direita, como espectro político, é acionada explicitamente no mote “a direita faz direito”. Uma das peças veiculadas chama atenção: num quiz de conhecimento sobre o candidato, são lidas perguntas que envolvem informações sobre Freire e seus concorrentes. Na tela, dividida em duas colunas, SIM e NÃO, o candidato se posiciona quando da leitura. Chamam atenção as assertivas que demarcam críticas a Wagner. São elas: a) Precisa de colete à prova de balas para entrar na favela?; e b) Já esteve do lado do PT alguma vez na vida? A segunda pergunta sinaliza uma disputa sobre o monopólio da representação da direita, buscando sugerir falta de pureza e/ou oportunismo do adversário na defesa das causas e valores.
A entrada de Bolsonaro na disputa municipal de Fortaleza ocorreu no início de outubro. Em live transmitida no dia 8, o presidente afirmou: “Em Fortaleza tem um capitão lá. Se Deus quiser vai dar certo, já está na frente”, numa clara referência a Wagner, que despontou em primeiro lugar nas pesquisas. Na mesma ocasião, Bolsonaro também se referiu, de modo negativo, a Freire, chamando-o de “cara de pau” pelo fato de ter rompido com o grupo e estar usando sua imagem. Os comentários do presidente repercutiram na imprensa local. Wagner afirmou a relevância do apoio, enquadrando-o na perspectiva da importância do acesso a recursos para a cidade. Heitor Freire, por sua vez, afirmou que o desentendimento com o presidente foi fruto de fofoca e voltou a disputar com Wagner o posto de bolsonarista autêntico: “Sou o deputado mais fiel a Bolsonaro nas votações”. Estendendo sua disputa para o espectro da direita, Freire continuou: “Votou contra a reforma da Previdência. Já apoiou o PT no passado […]”, referindo-se a Wagner.
A pesquisa Datafolha de 17 de outubro trouxe os candidatos de direita em posições opostas: de um lado, Capitão Wagner, consolidado em primeiro lugar (33%); de outro, Heitor Freire, que nem sequer pontuou. Um dado relevante nesse levantamento é a rejeição do eleitorado a um candidato apoiado pelo presidente (64% dizem não votar de jeito nenhum). Wagner, por sua vez, é o candidato mais mencionado (27%) diante da questão: “Quem Bolsonaro apoia na disputa?”. Tal dado levanta questões sobre como é possível ao candidato do Pros, que reúne o apoio do presidente e das principais lideranças bolsonaristas do estado, ter uma performance tão positiva nas pesquisas. Elenco dois motivos: 1) o recall do pleito de 2016, no qual ele foi ao segundo turno; e 2) a pré-campanha, que foi bastante presente nas redes sociais e na cobertura midiática. Mais especificamente sobre a associação com Bolsonaro, é relevante ainda destacar que a campanha de Wagner tem buscado despersonalizar e positivar a relação, mencionando o governo federal e a conquista de recursos, em vez de nominar diretamente o presidente. Por ora, Capitão Wagner não tem precisado lidar com a campanha negativa que o associa a Bolsonaro. Seus opositores diretos, Luizianne Lins (PT) e Sarto Nogueira (PDT), segunda e terceiro colocados nas pesquisas, respectivamente, não propuseram tal associação. O fato de estar isolado no primeiro lugar e ter vaga praticamente assegurada no segundo turno parece garantir ao candidato do Pros a possibilidade de enfrentar o imbróglio da rejeição de Bolsonaro em Fortaleza somente na segunda volta. Até lá veremos se a estratégia de despersonalização e positivação terá funcionado.
*Monalisa Soares Lopes é professora do Departamento de Ciências Sociais da UFC e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC).
1 Antonio Lavareda e Antônio Fernandes, “Um ciclo de eleições críticas: 2018 começou em 2016”. In: Antonio Lavareda e Helcimara Telles, Eleições municipais: novas ondas na política, FGV Editora, Rio de Janeiro, 2020.