A disputa do parlamento e a importância de candidaturas do MST
A luta pela terra é o berço da luta contra a desigualdade. Candidaturas do MST têm a responsabilidade de serem firmes no projeto de combate à fome e à desigualdade em nosso país
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o maior movimento popular da América Latina. Há quatro décadas, é referência na luta pela reforma agrária em um dos países com maior concentração de terras do mundo – concentração de renda e desigualdade que remontam a um passado colonial, escravocrata e de exploração da monocultura para exportação em nosso país. A luta pela terra é o berço da luta contra a desigualdade. Ao mesmo tempo, foi no espaço institucional que nos últimos anos se organizaram e foram aprovados retrocessos inimagináveis para a nossa democracia. Do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff à organização da bancada do agronegócio pautando liberação desenfreada de agrotóxicos e o absurdo Marco Temporal. Vale aquela frase: nas urnas não cabem nossos sonhos, mas com certeza cabem nossos pesadelos.
É nesse contexto que há meses eu e outras companheiras e companheiros pelo Brasil inteiro temos ouvido que “precisamos do MST disputando as eleições”. A participação eleitoral do movimento não é inédita, o Sem-Terra Valmir Assunção, por exemplo, está em seu quarto mandato como deputado federal pela Bahia. Mas, há, sim, uma novidade: hoje o MST está organizado para disputar as eleições pelo Brasil, levando a luta pela Reforma Agrária Popular e pela soberania alimentar para o centro da disputa política. Somos mais de 600 candidaturas ligadas ao movimento, distribuídas em mais de 350 municípios.
No Rio de Janeiro, em 2022, tivemos uma vitória política com a eleição da deputada Marina do MST, a primeira mulher Sem-Terra da ALERJ. De lá para cá, amadurecemos a necessidade de uma candidatura para a Câmara de Vereadores na capital fluminense. Meu nome foi escolhido por urgências concretas: o combate à fome e à emergência climática – e não dá para falar sobre sem lembrar do protagonismo das mulheres negras e da juventude nessa luta. São as mulheres negras que mais chefiam famílias e lutam todos os dias para colocar comida na mesa e é a juventude que se prepara para lidar com mudanças nunca vistas no nosso mundo. Nosso desafio é colocar o combate à fome no centro da disputa eleitoral em nossa cidade. Se avançamos no combate à fome nacionalmente com o retorno do presidente Lula, essa ainda não é a realidade local.
O I Inquérito de Insegurança Alimentar do Rio de Janeiro, publicado em junho, revela um quadro assustador: a fome, identificada como insegurança alimentar grave, entre a população carioca é quase o dobro daquela constatada a nível nacional. Em números absolutos, em 2023, quase meio milhão de cariocas (488.709) vivenciou a fome e mais de dois milhões de cariocas (2.043.492) conviveram com algum nível de insegurança alimentar. Obviamente, isso se acentua de acordo com o bairro e marcadores de raça, gênero e escolaridade. São os lares liderados por mulheres negras que mais sofrem, sobretudo na zona norte. Outro dado alarmante: a insegurança alimentar grave foi seis vezes maior entre casas em que o/a responsável tinha trabalho informal, comparando com as residências cujo/a responsável possui trabalho formal. A falta de acesso à água também se relaciona com a fome: entre os lares marcados pela insegurança hídrica, apenas 30,3% estão em segurança alimentar e 27% estão em insegurança alimentar grave.
O Poder Executivo tem algumas ferramentas que atuam nesse sentido, distribuídas entre várias secretarias, mas precisamos de mais. Desde a pandemia, o MST aposta em uma ferramenta que tem a solidariedade como princípio: as Cozinhas Populares. Essas cozinhas combinam três dimensões: a) a distribuição de refeições preparadas com alimentos saudáveis, lidando imediatamente com a fome; b) a geração de emprego e renda para as pessoas diretamente envolvidas; c) e a organização popular, na medida em que se torna um espaço de construção política da comunidade.
Uma das minhas principais propostas é a ampliação do número de Cozinhas Comunitárias, a partir da regularização de Cozinhas Populares promovidas por organizações territoriais e subsídio para construção de novas cozinhas. Diferentemente dos restaurantes populares, que são importantes e precisam ser revitalizados, as cozinhas são descentralizadas, sendo mais acessíveis para os moradores de cada local.
As cozinhas, por si só, não bastam. Precisamos da regulamentação da Lei Municipal 6691/2019, que dispõe sobre a agricultura urbana; de apoio técnico e subsídio para agricultura familiar, visando a ampliação do consumo desses alimentos em creches e escolas municipais, de acordo com o PNAE; de feiras populares nas favelas, alterando seu eixo de concentração geográfica; de transformação de terrenos baldios em terrenos de produção agroecológica; e a promoção de viveiros e hortas populares para produção de hortaliças para distribuição.
Uma candidatura do MST tem a responsabilidade de ser firme no projeto de combate à fome e à desigualdade em nosso país. Carrego o desafio de pautar alternativas ao modelo de destruição do agronegócio, tão enraizado nos parlamentos pelo Brasil. Não é à toa que 2024 marca uma virada de chave na ocupação dos Sem-Terra nas instituições: não temos tempo a perder.
Maíra do MST, jovem de 29 anos, é candidata a vereadora pelo PT no Rio de Janeiro. Nascida e criada em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, é professora de história pela UERJ, onde atualmente cursa doutorado.