A diversidade dos cristãos no Oriente
Após atentados em igrejas do mundo árabe, em um contexto de confusão intelectual, os holofotes do ocidente permaneceram desviados para o destino dos “cristãos do Oriente”. Estes não constituem um grupo social autônomo e menos ainda uma etnia. Seu histórico é indissociável dos processos vividos pelos povos da regiãoRudolf El-Kareh
O atentado cometido em 31 de dezembro de 2010 contra a igreja dos Dois Santos de Alexandria (21 mortos) – depois daquele que atingiu em novembro a catedral de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Bagdá (46 vítimas) – foi condenado em todo o mundo. A censura, expressa em especial por parte do xeique de Al-Azhar, da Arábia Saudita, dos Irmãos Muçulmanos, de líderes religiosos e políticos sunitas e xiitas, fez eco às inquietações das igrejas orientais. Porém, para o ex-primeiro-ministro libanês Selim Hoss, sunita, “as condenações verbais [continuam sendo] insuficientes”. Ele pediu “a realização de uma reunião árabe, a fim de cessar com esses eventos que tentam promover a discórdia”. Ele foi acompanhado pelo Hezbollah libanês, para quem “as palavras que exprimiam a cólera e a tristeza seguem sendo insuficientes em face das tentativas sanguinárias visando abalar as bases da diversidade sociorreligiosa em um país árabe, em especial na Palestina”.
Essas reações não repercutiram na mídia ocidental. Os holofotes permaneceram sobre o destino dos “cristãos do Oriente”. Contudo, os lugares de cultos iraquianos, cristãos ou muçulmanos, em particular as mesquitas xiitas, foram palco frequente de banhos de sangue que o país sofre desde a invasão estadunidense. O vocabulário do culturalismo de combate voltou à tona. As minorias cristãs seriam oprimidas por causa de sua fé, sofreriam martírio, perseguições, a descida aos infernos, o expurgo. Era preciso, portanto, que o Ocidente os protegesse. Esses fanfarrões, por meio de ações ornamentadas em compaixão seletiva, não trouxeram nenhuma solução à tragédia cotidiana, mas alimentaram as teses de Bernard Lewis e Samuel Huntington sobre o choque de civilizações e religiões.
ALIANÇA DECISIVA
A desordem conceitual leva a considerar os cristãos como um tipo de estrangeiro isolado de seu ambiente. A expressão “cristãos do Oriente” não cobre uma realidade uniforme. Esses cristãos não constituem um grupo social autônomo e, menos ainda, uma etnia. Seu histórico é indissociável dos processos de aculturação, das mutações, das misturas e recomposições comunitárias que, do Império Bizantino ao Império Otomano, passando pelos cismas de Roma e de Constantinopla, pelos impérios do califado omíade e abássida, formaram a paisagem humana compartilhada pelos povos da região. Urbanas ou rurais, essas comunidades foram repartidas sobre o conjunto do Levante, mas são mais particularmente presentes no Iraque e na Síria histórica, que inclui o Líbano e a Palestina.
Considerada etapa decisiva para as relações entre essas comunidades e a Europa, a aliança de Suleiman II e Francisco I da França para combater os Habsburgo, no século XVI, selaria um conjunto de convenções (as “Capitulações”) que dava aos súditos franceses em viagem ou residindo no Império Otomano o direito de exercer a liberdade de culto, de fazer comércio e se deslocar, e dava aos cônsules a autoridade de arbitrar sobre as questões (litígios, heranças…) de seus concidadãos sobre o território otomano. Em pouco tempo estendidos a outras potências, em particular à Inglaterra, aos austro-húngaros e à Rússia, esses tratados constituem a base jurídica de um longo processo em que se deram as relações econômicas, comerciais, políticas e culturais diferenciadas entre as potências europeias e as comunidades que constituíam o Império, entre as quais as comunidades cristãs de obediência romana.
Essas ligações forneceram a base de poderes comunitários à autoridade local e serviram simultaneamente aos projetos europeus e de desmembramento do Império, que encontrou seu fim com a Primeira Guerra Mundial, depois de longa erosão vinda desde os Bálcãs até o Egito.
Os EUA no Iraque
O terremoto que representou a ocupação estadunidense do Iraque criou um fato novo: um mecanismo de deslocamento, de tipo colonial, foi instalado, fundado sobre a institucionalização das “confissões” religiosas como base de sistemas estatais, por uma partilha de poderes em função das comunidades e grupos nacionalistas.
Esse mecanismo encorajou associações de grupos sob o efeito de violências direcionadas e medos. Herdeiros seculares do cristianismo oriental, os iraquianos cristãos se deslocaram na região do Ninive ou se refugiaram na Síria, na Jordânia ou no Líbano. A ansiedade das populações cresceu devido à relação entre a nova estratégia de deslocamento estadunidense e a estratégia recorrente do Estado israelense, segundo a qual todos os Estados árabes devem ser desmantelados e fragmentados em pequenas unidades. O Sínodo das Igrejas orientais de obediência romana, que se deu em outubro de 2010, retransmitiu essas inquietações, insistindo sobre o destino dos cristãos da Palestina, alvos de discriminações metódicas com o objetivo de forçá-los ao exílio.
Para os orientais cristãos, a palestina segue sendo determinante. Mas, para além dos particularismos culturais, é o grande jogo político regional que marca as comunidades cristãs do Oriente.
A estratégia de deslocamento conduzida pelos Estados Unidos certamente atualizou os métodos das potências europeias do século XIX, mas o terreno é pouco homogêneo. As fraturas políticas do Oriente árabe atravessam comunidades cristãs ou muçulmanas. Nas comunidades dos cristãos do Oriente, os desastres das expedições iraquianas suscitaram tomadas de consciência que afetaram tanto as igrejas quanto o campo secular. O papa copta Chenouda III é um crítico tenaz da complacência das autoridades egípcias em relação ao Estado de Israel e aos EUA. No Líbano, a corrente política do general Michel Aoun, ou aquela do deputado libanês Sleiman Frangie, que representa uma fração importante das comunidades cristãs e notadamente maronitas, é aliada ao Hezbollah. Na Palestina, os cristãos se encontram na maioria dos municípios dirigidos pelo Hamas.
Mas a invasão estadunidense de 2003 também colocou em evidência a crise profunda dos Estados do Oriente árabe. Ela mostrou os obstáculos das correntes dominantes do islã político, fechadas em um processo estéril de captação do político e da memória histórica – com consequências por vezes fatais – e a tirania dos movimentos unitários panárabes. Essa conjuntura de crise, exacerbada pelas fraturas confessionais, transformou a ideia de cidadania em quimera, e os árabes cristãos, em sua diversidade, sofreram pesadamente as consequências.
Os bajuladores da “proteção das minorias” e os pregadores conservadores muçulmanos levam seu raciocínio à mesma fonte. Eles retiram os cristãos do Oriente de suas raízes e os transformam em hóspedes de passagem que a caridade e a tolerância obrigam a aceitar. Uma exortação apostólica vaticana, texto de orientação vinda do papa, tinha reconhecido, desde 1996, sua profunda ligação oriental. Todos esses desafios não têm resposta comunitária ou confessional: eles concernem às sociedades em seu conjunto e pedem uma resposta secular comum.
Rudolf El-Kareh é professor universitário, lecionou em instituições de ensino superior no Líbano, na França e no Canadá.