A entrevista que não acaba
Quem gosta de cinema não vai se arrepender de percorrer as quase quinhentas páginas desse livro.Fábio Fernandes
Preciso pensar que estou aprendendo o tempo todo. Não posso pensar: pronto, é isso aí, sou um cara que faz comédia surrealista e é isso o que vou fazer. Ao contrário, sinto que nos próximos anos tenho de experimentar diversos tipos de comédia.
Woody Allen fez essa declaração ao repórter Eric Lax no verão de 1973, pouco depois de filmar O Dorminhoco. Allen, que já era um comediante stand-in famoso e escrevia piadas para programas da TV americana na década de 1950, havia feito várias peças de teatro e alguns filmes antes desse, mas a história de ficção científica do sujeito que vai fazer uma cirurgia simples e acaba sendo congelado para acordar séculos depois, numa sociedade autoritária que ele involuntariamente terá de salvar, foi sua primeira produção de grande orçamento.
Mas a história da entrevista a Eric Lax não começa (tampouco termina) aí. Em 1971, quando Allen tinha 35 anos, um editor da New York Times Magazine ofereceu a um Lax de 27 três pautas para investigar. Uma delas era um perfil de Woody Allen.
Gravador (de fita) em punho, Lax foi fazer o tal perfil – que quase não deu certo, tamanha a timidez de Allen e suas respostas monossilábicas, o terror de qualquer jornalista. Por sorte (na verdade, mais por correr atrás, pois um bom jornalista nunca desiste), Lax acabou conseguindo fazer mais entrevistas com Woody Allen. E, aos poucos, foram descobrindo afinidades em música e cinema, afinidades que acabaram por torná-los amigos – e fizeram de Eric Lax o único biógrafo autorizado de Allen.
Hoje, dezoito anos depois do lançamento da biografia de Allen e trinta e sete anos depois daquela primeira entrevista tímida, Lax lança um verdadeiro compêndio do pensamento Woody-alleniano: o livro de entrevistas Conversas com Woody Allen (Editora CosacNaify).
Sem nostalgia
O livro é dividido em oito partes temáticas. Nelas, Lax conversa com Allen sobre praticamente tudo em cinema, de idéias e roteiros a seleção de atores, suas influências, a parte técnica de seus filmes, o processo de direção, trilha sonora, e sua própria carreira como ator e diretor.
É uma espécie de continuação/complemento à ótima biografia de 1991. A biografia já desmistificava a imagem tímida e neurótica de Allen, revelando-o como um arguto pensador do cinema e, mais que isso (porque ele em momento algum admite entender tanto assim de cinema, ao contrário), um fazedor. Allen descreve seu famoso relacionamento quase inexistente com os atores de seus filmes, brinca com a própria timidez e lembra sem nostalgia, mas com serenidade, de seus relacionamentos amorosos – embora esse não seja nem de longe o tema do livro.
Quem estiver esperando confissões sobre o fim conturbado do relacionamento de Allen com Mia Farrow pode esquecer. Mas, francamente, para quê? Isso é para quem gosta de coluna de fofocas. Quem gosta de cinema não vai se arrepender de percorrer as quase quinhentas páginas desse livro.
Eric Lax conhece Woody Allen desde o final da década de 1960. Se Allen morrer primeiro, o jornalista falará mais alto que o amigo e dificilmente deixará de completar a biografia do cineasta antes de sua própria morte.
A entrevista sem fim de Lax e Allen é um work in progress. Se continuará? É provável que sim. Apesar de Conversas com Woody Allen ser um livro bastante recente (a data das últimas entrevistas é novembro de 2006, quando ele tinha acabado de rodar O Sonho de Cassandra, e o livro saiu nos EUA em 2007), Allen faz praticamente um filme por ano, e já tem mais dois em sua filmografia: o drama Vicky Cristina Barcelona, com Javier Bardem e Penélope Cruz, e Whatever Works, ainda inédito, além de um em pré-produção, sem título, mas que será filmado em Londres e já tem confirmados os atores Josh Brolin e Anthony Hopkins no elenco.
Woody Allen tem setenta e três anos, mas muito o que fazer ainda. E Eric Lax ainda tem muitas perguntas a fazer ao cineasta.