A era pós nuclear
Fukushima marca, em matéria de energia atômica, o fim de uma ilusão e o começo da era pós-nuclear. Agora classificado como de nível sete, o mais alto na escala de acidentes nucleares, o desastre japonês já é comparável ao de Chernobyl, por seus “efeitos radioativos consideráveis na saúde das pessoas e no meio ambienteIgnacio Ramonet
O tremor de magnitude nove e o descomunal maremoto que castigaram o Noroeste do Japão com inaudita brutalidade no dia 11 de março deste ano não só originaram o desastre na central de Fukushima como dinamitaram todas as certezas dos partidários da energia nuclear civil.
A indústria nuclear, com a construção de dezenas de centrais atômicas prevista em inúmeros países, vivia curiosamente sua época mais idílica, essencialmente por duas razões. Primeiro, porque a perspectiva de “esgotamento do petróleo” antes do fim deste século e o crescimento exponencial da demanda energética por parte dos gigantes emergentes (China, Índia, Brasil) a convertiam em energia de substituição por excelência.1 Segundo, porque a tomada de consciência coletiva diante dos perigos das mudanças climáticas, causadas pelos gases do efeito estufa, conduzia paradoxalmente à opção por uma energia considerada “limpa”, não geradora de CO2.
A esses argumentos recentes, somavam-se os já conhecidos: o da soberania energética e menor dependência em relação aos países produtores de hidrocarbonetos; o baixo custo da eletricidade forjada nas usinas nucleares; e, por mais insólito que pareça no contexto atual, o da segurança, com o pretexto de que, das 441 centrais nucleares espalhadas pelo mundo (a metade na Europa ocidental), apenas três foram cenário de acidentes graves nos últimos cinquenta anos. Todos esses argumentos – não forçosamente absurdos – foram por água abaixo depois da descomunal dimensão do desastre de Fukushima. O novo pânico, de alcance mundial, fundamenta-se em várias constatações.
Em primeiro lugar, e contrariamente à catástrofe de Chernobyl – atribuída, em parte por razões ideológicas, ao descalabro de uma vilipendiada tecnologia soviética –, essa nova calamidade ocorreu no centro hipertecnológico do mundo e onde se supõe (pelo Japão ter sido, em 1945, o único país vítima do inferno atômico militar) que os técnicos tomaram todas as precauções possíveis para evitar um cataclismo nuclear civil. Logo, se os mais aptos não conseguiram evitar o desastre, seria razoável permitir que os demais sigam brincando com fogo atômico?
Em segundo lugar, as consequências temporais e espaciais do desastre de Fukushima são aterrorizantes. Em razão da elevada radioatividade, as áreas que circundam a central ficarão desabitadas por milênios. As zonas mais afastadas, por séculos. Milhões de pessoas serão definitivamente deslocadas em direção a territórios menos contaminados e terão de abandonar para sempre suas propriedades e explorações industriais, agrícolas ou pesqueiras. Para além da própria região mártir, os efeitos radioativos terão repercussão na saúde de dezenas de milhões de japoneses. E, sem dúvida, de numerosos vizinhos coreanos, russos e chineses. Sem mencionar outros habitantes do hemisfério boreal2 – o que confirma que um acidente nuclear nunca é local, mas sempre planetário.
Em terceiro lugar, Fukushima demonstrou que a questão da pretendida “soberania energética” é muito relativa, já que a produção de energia nuclear supõe uma nova sujeição: a “dependência tecnológica”. Apesar do enorme avanço técnico, o Japão precisou recorrer a especialistas estadunidenses, russos e franceses (além de especialistas da Agência Internacional da Energia Atômica) para controlar a situação. Por outro lado, os recursos do planeta ricos em urânio,3 combustível básico das centrais, são muito limitados. Calcula-se que, no ritmo atual de exploração, as reservas mundiais desse mineral se esgotarão em oitenta anos – ou seja, o mesmo tempo previsto para o desaparecimento do petróleo.
Por essas e outras razões, os defensores da opção nuclear devem admitir que Fukushima modificou radicalmente o enunciado do problema energético. Nesse cenário, quatro medidas urgentes impõem-se: parar de construir novas centrais; desmantelar as existentes no prazo máximo de trinta anos; ser extremamente econômico com o consumo de energia; e apostar a fundo em todas as energias renováveis. Só assim, talvez, salvaremos o planeta. E a humanidade.
Ignacio Ramonet é jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.