A estagnação econômica brasileira à luz da prosperidade sul-coreana
Enquanto o Brasil se digladia no populismo entre direita e esquerda, o leste asiático, principalmente em seu expoente sul-coreano, se concentra em alavancar seu PIB.
Até a década de 1980, o Brasil possuía PIB e produção industrial superiores aos da Coreia do Sul (os demais tigres asiáticos sequer eram citados). Contudo, a partir daquela década, tudo começou a mudar.
Um dos principais expoentes desta transformação sul-coreana é o Estado, que, a partir da década de 1960, sob a gestão do general Park Chung-hee, desenhou e promoveu o sistema produtivo orientando investimentos, formando rincões industriais com ausência de multinacionais, fazendo utilização de câmbio desvalorizado, efetuando reforma agrária (onde o público se sobrepôs às elites) e articulando o sistema financeiro com as indústrias.
Vale lembrar que, não fosse a perseverança e insistência do presidente Park Chung-hee em desenvolver a estatal de aço – em oposição ao FMI, que não financiou o projeto por não se tratar de uma vantagem comparativa – a Coreia do Sul não teria desenvolvido uma das maiores indústrias siderúrgicas existentes no mundo.
O presidente à época concedeu benefícios fiscais à formação da indústria local, em contrapartida de desenvolvimento tecnológico e metas de exportação a serem alcançadas (oposto ao ocorrido no Brasil). Ao contrário do que preconiza os liberais, o desenvolvimento da indústria automobilística local contou com o auxílio do aumento das tarifas de importação para proteção e desenvolvimento da indústria local.
Essa estratégia, baseada no protagonismo do Estado, em um primeiro momento incrementou o investimento público sul-coreano e subsidiou, com benefícios fiscais e linhas de crédito a juros preferenciais, a criação das chaebols, os grandes conglomerados sul-coreanos, que impulsionaram o crescimento daquela nação e que, atualmente, representam em torno de 40% do PIB sul-coreano.
Industrializações tardias requerem uma maior participação do Estado, haja vista que a oligopolização do setor externo inibe a entrada de novos participantes. Desse modo, sem a distorção de preços relativos promovida pelo governo sul-coreano, não haveria como ter produto sul-coreano no mercado internacional.
Somente após o desenvolvimento tecnológico sul-coreano é que o país iniciaria políticas econômicas mais liberais. A partir da década de 1980, iniciam-se as privatizações do sistema financeiro que, em sua maioria, é absorvido pela chaebols.
Importante também mencionar a fundamental importância da participação norte-americana no desenvolvimento regional do leste asiático. Isto porque, a partir do auxílio norte-americano para recuperação da economia japonesa pós II Guerra, os americanos dispenderam vultosos investimentos naquele país que rapidamente se tornou superavitário em sua Balança Comercial, em especial, com a nação que viera a socorrê-la. O Japão, por sua vez, logo após sua recuperação e retomada das relações diplomáticas com a Coreia, na década de 1970, licenciou a tecnologia de seus produtos de menor tecnologia a este país.
Vale lembrar que, em decorrência da posição geográfica do leste asiático, os EUA, após concluído o plano de recuperação da economia japonesa, não apenas permanecem na região como aprofundam suas relações políticas com os demais países, na tentativa de evitar uma expansão soviética. Isto, principalmente, durante a década de 1980, período posterior a duas crises do petróleo e de alta dos juros internacionais. Enquanto o Brasil cessava seu desenvolvimento econômico para se dedicar quase que exclusivamente ao pagamento da dívida externa, o leste asiático, dada sua importância regional (em especial após os americanos perderem a Guerra do Vietnã), permaneceu com seus empréstimos internacionais com taxas de juros diferenciadas. Os bancos públicos sul-coreanos se endividavam com os EUA e emprestavam o valor para desenvolvimento da economia local.
Vale lembrar também que o processo de reforma agrária na Coréia do Sul foi patrocinado pelos norte-americanos, como estratégia de enfraquecer a oligarquia agrária e fomentar a nova classe industrial. De 1965 a 2015, o Índice de Complexidade Econômica da Coréia do Sul em uma escala de -2 para os menos complexos a 2 para os mais complexos, foi de 1 a quase 1,75.
Em 1985, em decorrência do Acordo de Plaza entre EUA e Japão, que culminou com a valorização da moeda japonesa, os sul-coreanos se beneficiaram em decorrência da automática desvalorização da moeda sul-coreana, o que auxiliou na expansão dos produtos locais.
A Coreia do Sul se especializou na cadeia produtiva total a partir de tecnologia patenteada no Japão e, da mesma forma como este, auxiliou no desenvolvimento regional através de investimentos intra empresas (externalização das partes periféricas de seus processos produtivos), minimizando o poder de atuação norte-americana na região. Importavam bens de capital do Japão e exportavam bens industrializados mais simples ao ocidente.
Na década de 1960, a renda na Coreia do Sul equivalia a metade da renda brasileira e o ensino na Coreia do Sul era voltado a capacitação, considerando que, diferentemente do Brasil, a Coréia do Sul não possui capital natural; logo, teve que desenvolver o capital humano, sendo o governo sul-coreano o grande responsável pelo subsídio às universidades que desenvolveram pesquisas para as chaebols.
A abertura dos grandes centros tecnológicos ocorreu entre as décadas de 1980 e 1990, quando o processo educacional já estava concluído (iniciado na década de 1960) e o investimento em pesquisa e desenvolvimento já estava em fase avançada, haja vista que seu início havia ocorrido há pelo menos dez anos. A partir da década de 1990, assim como o restante da Ásia, a Coreia promove a abertura da conta de capitais, momento no qual ocorre a crise asiática. Segundo o FMI, esta crise decorreu do elevado volume de empréstimos subsidiados a empresas não solventes e alto grau de alavancagem.
Já pela visão heterodoxa, a despeito da consequência apontada pelo FMI estar correta e do efeito benéfico sobre o controle inflacionário que a abertura econômica provocou, a causa fundamental da crise remonta ao Estado que falhou na regulação da competição entre as chaebols, o que reduziu a lucratividade das mesmas.
Verdade que a oligopolização, através dos chaebols, concentrou poder econômico e expôs o país na crise de 1997. Todavia, graças ao arcabouço industrial arquitetado pelo Estado, não houve uma maior venda de ativos sul-coreanos ao mercado internacional.
Estes movimentos fizeram com que o governo revisse para maior a necessidade da presença do Estado na economia, não mais ativamente como investidor, mas como articulador de mercado, sociedade civil, sistema produtivo e sistema financeiro, não perdendo o foco da sociedade que desejavam ter.
A distinção entre Brasil e Coreia do Sul começa a ocorrer a partir da década de 1980, quando a situação externa obriga os dois continentes a adotarem políticas econômicas distintas. A Ásia se financiou pela conta corrente e o Brasil pelo financiamento externo da conta de capital. Enquanto na Ásia o câmbio se manteve desvalorizado para promoção das manufaturas mundialmente, no Brasil apreciou-se o câmbio para controle inflacionário. A valorização cambial na Coreia iniciaria apenas na década de 1990, em decorrência da abertura financeira.
Como o Brasil não completou o processo de industrialização conseguindo romper a chamada fronteira tecnológica (de produtor de baixa e média tecnologia para indústria high tech), a partir de 1990, quando se inicia o processo de liberalização econômica, as privatizações promoveram uma avalanche de grupos internacionais chegando ao Brasil, o que acarretou um aumento da internacionalização dos produtos fabricados em terras brasileiras, mas não necessariamente de produtos brasileiros. Já na Coreia do Sul, a abertura ocorreu apenas após a formação de grandes grupos sul-coreanos competitivos no mercado internacional.
Do mesmo modo, a Coreia do Sul, assim como os demais ‘tigres asiáticos’, “pactuou”, por anos, a manutenção do câmbio desvalorizado para fomento das exportações regionais. Vale destacar que as desvalorizações cambiais contribuem à medida que estimulam as exportações para contrabalancear os efeitos negativos da abertura econômica.
Parece que dois foram os pressupostos principais da distinção do crescimento econômico do Brasil e da Coreia do Sul: Estado articulador e fomentador da indústria nacional, que não apenas desenvolveu seu país, mas, até hoje, promove o desenvolvimentos de países vizinhos, ‘os novos tigres asiáticos’, e auxílio norte-americano que enxergou na Coreia do Sul uma base geopolítica importante; enquanto no Brasil a inserção foi passiva, distantes dos centros decisórios e desarticulado das cadeias produtivas globais.
De todo modo, não será a dicotomia ‘direita X esquerda’ que fará o Brasil alterar o modelo do crescimento econômico. A escalada produtiva e o Estado propulsor de desenvolvimento econômico transcendem as ideologias políticas e deve ser pauta comum de qualquer um dos vieses. Enquanto essa ‘conversa de adulto’ não permear as discussões político-partidárias, seremos eternamente um país preso à Armadilha da Renda Média, ampliando as desigualdades presentes em nossa sociedade.
Daniela Cardoso é economista, mestre em Ciências Sociais e professora convidada na Pós-graduação da Sociologia e Política – Escola de Humanidades