A estável relação entre os governos Lula e as agências de rating
Agências de rating atacam sistematicamente a candidatura de Lula em eleições presidenciais, sempre em benefício do candidato da direita. Por outro lado, uma vez eleito, Lula assiste apenas a melhoras recorrentes do rating brasileiro
A experiência dos três governos de Lula com as agências de rating é marcada por uma notória estabilidade. Por um lado, em períodos eleitorais, S&P Global, Moody’s e Fitch, as três agências que oligopolizam o setor global de classificação de risco, sempre vocalizam o “temor” do mercado financeiro em relação ao candidato do PT e manifestam opiniões favoráveis ao candidato da direita. Foi assim nas eleições de 2002, 2006 e 2022. Por outro lado, uma vez eleito presidente, Lula assiste apenas a melhoras recorrentes do rating brasileiro – um privilégio do qual nenhum outro presidente da história do país pôde desfrutar. Foi assim de 2003 a 2006, de 2007 a 2010 (período no qual o Brasil alcançou o grau de investimento) e, agora, em 2023. O que explica esse padrão?
Essa não é uma questão trivial, dada a importância das agências de rating no sistema financeiro internacional. Responsáveis por informar a investidores sobre a “capacidade e vontade de governos para honrar seus compromissos de dívida pública” (essa é a definição de “rating soberano” pelas agências), S&P, Moody’s e Fitch funcionam como gatekeepers do acesso de Estados aos recursos financeiros disponíveis nos mercados de dívida soberana. Isso ocorre a partir da atribuição de ratings a um dado país, que influenciam a precificação de seus títulos públicos e o fluxo de capitais em sua economia. Mas as agências também atuam por meio da publicação de relatórios (em que explicam o que o governo precisa fazer para melhorar sua credibilidade) e declarações em canais de mídia. Dados o poder estrutural e a autoridade epistêmica que possuem no mercado, essas manifestações discursivas afetam o processo político e econômico nacional.
Talvez essa seja a razão pela qual as agências de rating atacam sistematicamente a candidatura de Lula em eleições presidenciais, sempre em benefício do candidato da direita. Moldando expectativas de investidores via ações de rating ou simplesmente declarando seus “votos” discursivamente, essas empresas atuam pela vitória eleitoral de candidatos que prometem a agenda da austeridade fiscal para garantir que credores do Estado tenham seus direitos contratuais priorizados pelo governo (em detrimento das demandas de eleitores). Em 2002, por exemplo, a crise de confiança no contexto eleitoral foi potencializada pelas agências, que viam em Lula e no PT uma ameaça ao serviço da dívida pública, o que se traduziu em uma série de downgrades e manifestações contrárias à candidatura petista. Em 2006, a despeito de Lula já ter então conquistado a “confiança” dos investidores, Geraldo Alckmin era o favorito do mercado, sobretudo depois da substituição de Pallocci por Mantega no ministério da fazenda. Já em 2022, os relatórios das agências mostraram predileção por Bolsonaro, cuja “gastança” no período eleitoral supostamente daria lugar à “agenda Paulo Guedes” após a reeleição, enquanto Lula (inexplicavelmente) arriscaria estar mais “radical” e “vingativo” após deixar a prisão.
Com Lula no poder, porém, tudo sempre muda. O pessimismo desaparece rapidamente e a nota de crédito do Brasil só muda para melhor. Entre 2003 e 2010, o rating brasileiro escalou de B+ para BBB-, ingressando na categoria de grau de investimento. Em 2023, após apenas um semestre de governo, a S&P já melhorou a perspectiva do rating brasileiro, enquanto a Fitch acaba de promover seu upgrade de BB- para BB. O pano de fundo é a conciliação entre políticas ortodoxas, sobretudo no plano macroeconômico, e uma agenda de políticas sociais e investimentos públicos (além do respeito às leis e instituições, o que já não é algo trivial no Brasil).
Dessa dupla estabilidade decorrem duas observações importantes. Por um lado, ela confirma a “discriminação partidária” das agências de rating, documentado por uma série de estudos acadêmicos de natureza quantitativa e qualitativa. Via de regra, essas pesquisas apontam que países que elegem governos de esquerda tendem a ser punidos com notas piores em função da ideologia partidária do governo (ou seja, sem que haja qualquer respaldo dos critérios “técnicos” oficialmente avaliados pelas agências). Por outro lado, fica claro que nem sempre a agenda de austeridade fiscal irrestrita e reformas liberalizantes, defendida pelo mercado financeiro, é a ideal para melhorar a credibilidade de um país. Isso é ainda mais evidente quando se compara o desempenho dos governos Lula nesse quesito com os dos governos Temer e Bolsonaro, que nunca conseguiram melhorar o rating brasileiro, embora se alinhassem ideologicamente ao mercado.
Lula parece ter entendido que a moderação na agenda econômica é benéfica para o país, tal como atesta sua longa experiência na presidência da república. O mercado financeiro e suas instituições representativas, no entanto, permanecem adeptos a um radicalismo que resulta até no apoio (velado ou explícito) a populistas, como Bolsonaro. Bom seria se as agências de rating conduzissem seu trabalho com a imparcialidade e técnica que as notícias veiculadas pelos jornais brasileiros nos fazem acreditar que fazem.
Pedro Lange Machado é Doutorando em Ciência Política no IESP-UERJ e pesquisador visitante na Freie Universität Berlin. Contato: [email protected]