A Europa das empresas
“Substituir o patrão, no início, é mais trabalho. Mas pelo menos é trabalho!”: com esse pensamento, muitos operários europeus estão assumindo a direção de companhias quebradas, corrigindo os erros de gestão, saneando os rombos financeiros, retomando e modernizando a produção e conquistando mercados
“É por ser uma cooperativa que a nossa empresa ainda existe!” Se Salvador Bolance, um torneiro mecânico espanhol perto da aposentadoria, fala com convicção de uma palavra antiquada – autogestão –, é porque, com seus colegas, ele conseguiu “reanimar” uma empresa metalúrgica. Foi em 1981, em Barcelona. Deixando de pagar os salários, o empregador tinha desaparecido. Furiosos, cerca de trinta operários puseram as máquinas para funcionar e, usando o estoque de matérias-primas, pediram aos clientes que pagassem diretamente a eles, forçando grandes montadoras de automóveis a aceitar. “Era preciso no mínimo um ano, naquela época, para ajustar uma nova série de carrocerias”, ri o ex-dirigente sindical.
Bolance e seus companheiros foram até mais longe: seqüestraram o filho do patrão, que apareceu na empresa, até a assinatura de um acordo. Depois, com o auxílio de um advogado, apresentaram um plano de retomada no tribunal de comércio, que lhes cedeu as máquinas à guisa de pagamento do que lhes era devido. Embora não tivessem estudado, operários assumiram responsabilidades de executivos. Durante três anos, todos trabalharam sem olhar para o relógio, atribuindo-se salários baixos, igualitários num primeiro momento. “Substituir o patrão, no início, é mais trabalho”, observaram. “Mas pelo menos é trabalho!”
Hoje, a cooperativa catalã Mol-Matric ocupa 5 mil metros quadrados na zona industrial de Barbera del Valles e lida com um volume de negócios de 5 milhões de euros por ano. Ela dispõe de 45 empregos remunerados segundo uma escola de salários que atribui ao gerente eleito três vezes mais que aos operários. Graças a um investimento em máquinas de mais de um milhão de euros, os associados pretendem enfrentar deslocalizações para o Leste Europeu, que ameaçam o setor automobilístico espanhol.
Eles se diversificam na carroceria de vagões de trem e no acabamento de geradores de energia eólica. “A partir do salvamento, em vez de distribuir os excedentes, nós alimentamos as reservas da empresa com vistas a investir”, explica Bolance, persuadido de que um recuperador de empresa profissional teria enchido os bolsos antes de novamente abandonar a fábrica.
Essa reanimação de uma empresa falida por parte dos empregados não é um caso isolado na Espanha. Ao contrário, ela se operou no quadro de um movimento social tão amplo que teria permitido, no início dos anos 80, recuperar ao menos 38.500 postos de trabalho no país (cerca de 6 mil só no País Basco e 7 mil na Catalunha)1. “O movimento nasceu em 1978, em empresas muito politizadas de quinhentos operários”, explica Isabel Vidal, professora de teoria econômica na universidade de Barcelona. “Pouco a pouco, ele se espalhou pelo país, tornando-se ilegal.”
Essa efervescência lembra a criatividade dos trabalhadores argentinos depois da crise econômica de 20012. Diante dos liquidadores, nos leilões públicos, os operários espanhóis cantam: “Viva o direito à propriedade dos trabalhadores!”, como em Buenos Aires vinte anos mais tarde. Eles se apóiam na Constituição espanhola de 1978, que reconhece o direito ao trabalho (igualmente inscrito na Constituição francesa) e estimula os poderes públicos a promover a participação dos trabalhadores na empresa, a facilitar-lhes o acesso à propriedade dos meios de produção3.
A Espanha atravessava então um período de recessão. Entre 1975 e 1985, o país perde mais de 800 mil empregos industriais. A Catalunha, onde numerosas pequenas e médias empresas (PME) são implantadas, passa de um quase pleno emprego a uma taxa de desemprego de 20%. De um lado, empresários em dificuldades. Do outro, trabalhadores recusando a demissão. Entre esses últimos, alguns “pragmáticos” pretendem eventualmente se associar ao patrão ou a investidores. “Nós trazíamos somas diferentes para lançar a nova empresa; que aqueles que traziam mais pesassem mais nas decisões nos parecia bem fundado”, relata Pedro Jorge Puig. Com ele, cerca de trinta caminhoneiros recuperaram, no mesmo ano que a Mol-Matric, uma empresa igualmente situada em Barbera del Valles: a Unión de Cisternas. A fim de salvar seus empregos, eles vão preferir um modelo original de acionariado salarial impulsionado pelo movimento operário da época: a “sociedad anónima laboral” (SAL).
Eleição por voto proporcionalDiferentemente da cooperativa, a SAL não é uma sociedade de pessoas, mas uma sociedade de capitais. A eleição do conselho de administração se faz por voto proporcional à participação no capital. Para o resto, seus princípios são próximos dos da cooperativa: embora podendo haver acionistas externos, os trabalhadores permanecem como acionistas majoritários e ninguém pode possuir mais de um terço das partes; além disso, os associados da SAL se comprometem a constituir um fundo de reservas que assegure a perenidade do projeto.
Apertando o cinto, aqueles caminhoneiros reorientaram pouco a pouco a atividade inicial de importação de produtos químicos rumo à estocagem e ao transporte de óleos industriais recicláveis. Vinte e seis anos mais tarde, sua SAL emprega 23 trabalhadores-associados e gera um volume de negócios anual de 3 milhões de euros. “Hoje os bancos nos procuram, mas na época todo o sistema era hostil: os clientes, o mercado financeiro, a justiça e o Estado”, afirma Puig. Como presidente da Federação das Sociedades de Trabalho da Catalunha (Fesalc), esse militante reivindicou a anulação das dívidas herdadas por bom número de SAL no quadro dos acordos de reanimação, uma medida concedida somente no final de 2006 pelo governo.
Um azar para Puig e Bolance! Como precursores do movimento das recuperações de empresas, eles não se beneficiaram com a principal medida de apoio promulgada por Madri em 1985: o “pago único” (prestação única). Trata-se do pagamento antecipado da totalidade do seguro-desemprego ao qual o desempregado teria direito (em média, de 8 mil a 10 mil euros). A condição: colocar esta quantia no capital de uma cooperativa ou de uma sociedade de trabalho (ou até de um negócio próprio até 1992, e mais tarde a partir de 2002).
Essa “capitalização do seguro-desemprego” permaneceu como o principal recurso para investir na economia social. Adicionada à flexibilidade do estatuto das sociedades de trabalho, o sistema estimulou o terceiro setor da economia, embora tenha sido registrada uma desaceleração do crescimento do número de SAL após a adesão do país ao Mercado Comum. “Madri teve de alinhar as normas de suas empresas pelas da Europa. De repente, em 1989, tornou-se necessário um capital superior a 60 mil euros para se criar uma SA, portanto uma SAL. Uma soma difícil de juntar”, esclarece Manuel Rubio, gerente da Fesalc.
Foi preciso esperar a lei de 1997 autorizando a criação de sociedades de trabalho de responsabilidade limitada ao capital de 3005 euros (SLL) para se recuperar uma aceleração do número de empresas participativas. Desde então, essas SLL não param de se multiplicar, mais ou menos encorajadas pelas regiões autônomas. Com 25.667 cooperativas, 2.484 SAL e 17.666 SLL, a Espanha assumiu a dianteira na União Européia em número de empresas sociais. As SLL são principalmente microempresas de serviço compostas em média por três sócios e cujo capital, freqüentemente familiar, é detido em 40% por mulheres. “É uma mudança formidável”, observa Isabel Vidal. “Antes, era o homem que capitalizava e trabalhava!”
Em três anos, a taxa de sobrevida dessas empresas é de 67%. A partir de agora, raramente se trata de recuperações: a economia se reergueu, as falências são menos numerosas. Em contrapartida, esse movimento de auto-emprego coletivo se consolida amparado pela Coceta e Confesal, as duas confederações nacionais de cooperativas e de sociedades de trabalho. “Sem dúvida, nossas empresas sociais estão atomizadas em mercados de funcionamento cruel”, enfatiza Vidal. “Elas precisariam de formações mais bem adaptadas e de consórcios por ramos de atividade. Mas elas são viáveis porque salvar o emprego lhes parece mais importante do que obter lucros! Trata-se, além do mais, de uma cultura de empreendedores, mais do que de beneficiários!”
A seu tempo, a França também teve seu dispositivo destinado a suscitar vocações de empreendedores entre os desempregados, inclusive voltado para recuperadores de empresas sob a forma de cooperativas: a ajuda aos desempregados criadores de empresa (Accre). “Esse dispositivo amparou um bom número de reanimações durante os anos 80 e 90”, relembra Patrick Lenancker, presidente da Confederação Geral das Sociedades Cooperativas de Produção (Scop Entreprises). Mas essa ajuda, instituída sob a presidência de Valéry Giscard d’Estaing em 1979, foi sempre mal administrada, apesar do número de projetos que ela apoiou durante o período Mitterrand.
Em 1995, o governo de Alain Juppé instituiu uma norma que limita o benefício da ajuda aos desempregados de longa data e aos que recebem salário mínimo, tornando quase impossível a retomada de empresas em falência sob forma de projeto coletivo de trabalhadores. O ministro do comércio, Jean-Pierre Raffarin, suprimiu o prêmio-Accre em 1996, transformando-o em exoneração provisória de encargos sociais. Dois anos depois, constatando que o número de criações de empresas recuou, o governo de Lionel Jospin inventou o Eden. De início sob forma de empréstimos, em cinco anos à taxa zero, essa nova Accre volta a ser um prêmio, em 2001, quando Raffarin, dessa vez primeiro-ministro, a converteu em adiantamento ressarcível…
A Accre (ou o Eden) não teve a constância, muito menos a força, de seu equivalente espanhol pago como fundo perdido e concebido como um direito. “No entanto, é mais rentável para o Estado gastar 5 mil euros para criar uma Scop do que dar esta soma ou mais em Assedics [a indenização por demissão da Association pour l’Emploi dans l’Industrie et le Commerce]”, calcula Lenancker. “Se os sucessivos governos espanhóis não suprimiram o pago único é porque ele compensa”, assegura por sua vez Bruno Roelants, secretário-geral da Confederação Européia das Cooperativas de Produção (Cecop), um organismo que agrupa os movimentos cooperativos europeus. “Na Europa”, sustenta ele, “lá onde os poderes públicos encorajaram a retomada de empresas pelos trabalhadores, foi porque consideraram que isso gerava crescimento econômico e paz social. Mas a democracia, a participação nas empresas interessam pouco aos Estados e menos ainda à União Européia!”
Assim, na Itália, longe de encorajar as reanimações em cooperativas, a União chegou mesmo a freá-las. Nesse país, um movimento cooperativo vigoroso tinha se fortalecido num contexto semelhante ao da Espanha, a partir dos anos 70, período no fim do qual pelo menos 25 empresas em dificuldade eram recuperadas pelos trabalhadores a cada ano. Para enfrentar a crise que atingia particularmente os setores da metalurgia e do têxtil, o ministro da indústria, Giovanni Marcora, elaborou uma lei, promulgada em 1985 sob o impulso das três grandes federações de cooperativas e dos sindicatos: a “lei Marcora”. Ela visava a financiar os demitidos recuperando sua empresa ou elaborando um novo projeto cooperativo para escapar do desemprego. Estes recorriam a partir de então à Compagnia Finanziaria Industriale (CFI), uma sociedade de capital-risco subvencionada, que reinjetava na cooperativa um montante três vezes superior ao capital investido pelos sócios – podendo estes recorrer a suas próprias economias ou solicitar de três a cinco prestações de seguro-desemprego antecipadas para capitalizar.
Graças a esse sistema, 159 empresas recuperadas pelos trabalhadores foram apoiadas e amparadas em dez anos, e mais de 5 mil empregos puderam ser salvos, principalmente nas zonas industriais das Marcas e da Emília-Romanha. “Cerca de um terço das cooperativas assim financiadas fecharam após alguns anos, um terço continuam associadas à CFI, e as empresas que compõem o terço restante já compraram de volta a participação no capital”, explica o administrador da CFI, Alberto Zevi. “Pouco a pouco, o dinheiro recobrado pela CFI foi reinvestido no capital de outras cooperativas.” A equipe de Zevi calcula ter gasto em média três vezes menos que o Estado para criar ou salvar cada emprego4.
Em 1997, porém, a lei Marcora vai ser suspensa durante cinco anos porque a Comissão Européia lança “sérias dúvidas quanto à compatibilidade dessas ajudas com o Mercado Comum, uma vez que elas não parecem respeitar nem as linhas diretrizes sobre as ajudas ao emprego, nem o enquadramento das ajudas à reestruturação das empresas em dificuldade”. Exprimir tais “dúvidas” sobre as ajudas à economia social faz parte das ofensivas clássicas dos defensores da economia capitalista, ela mesma no entanto amplamente subvencionada. Na França, desde 1985, o Conselho Nacional do Patronato Francês (CNPF) – predecessor do Movimento das Empresas da França (Medef) – questionava a forma da Scop: “A extensão possível de tal movimento suscita uma reação de grande vigilância da parte das empresas do setor concorrencial, pois ela apresenta um duplo risco: ameaça a atividade e a competitividade destas empresas, e poderia enfraquecer o desempenho econômico do país”5. Nada menos…
Sistema de participação
No mesmo espírito, em 2002, o Medef relançava o debate sobre as empresas da economia social, pois, segundo a organização patronal, elas vinham competir com as empresas do setor privado ao continuar gozando de privilégios em subvenções ou exonerações6. Foi esse mesmo argumento de “concorrência desleal” lançado pela União Européia que levou os deputados italianos a revisar o texto da lei Marcora em 2001. “Agora, a CFI também outorga empréstimos, ainda que sua atividade principal continue sendo o aporte ao capital”, resume Zevi. “E esse aporte não pode mais ser o equivalente à soma investida pelos trabalhadores, sendo o capital multiplicado por um em vez de três.” Quanto ao dinheiro novo, ele provém essencialmente de um sistema de participação de cooperativas associadas semelhante ao do movimento cooperativo francês chamado Socoden.
Por causa disso, a partir de 2003, somente umas trinta cooperativas foram financiadas pela CFI, das quais uma dezena de empresas recuperadas. O contexto econômico italiano, sem dúvida, está mais sereno do que nos anos 80. Mas o italiano propõe outra explicação para a queda do número de reanimações: “As crises de empresas que ocorreram em alguns setores se tornaram tão graves que as retomadas são mais difíceis”.
Globalização não combina com reanimações: nos casos de deslocalização, a carteira de encomendas também se deslocaliza. A empresa sofre então os contragolpes de estratégias definidas em outro lugar e que ela não controla, e alguns de seus fornecedores são, por sua vez, ameaçados de desaparecer, num efeito dominó. Entre as empresas atingidas, somente as dotadas de uma competência específica, capazes de adaptá-la a mercados de “nicho”, poderão relançar a atividade.
Além disso, os demitidos de multinacionais candidatos à retomada de sua fábrica às vezes têm de enfrentar problemas com patentes, como aconteceu com os “Lustucru”, em Arles, ou os “P’tit Lu”, em Calais. Os primeiros sofreram a recusa do grupo Panzani em ceder as máquinas, os segundos não puderam utilizar as receitas do grupo Danone…
Outra eventualidade mais banal, o fechamento de uma unidade de produção pertencente a um grupo industrial, pode se inserir numa estratégia global, embora o local em questão ainda ofereça potencialidades. Essa situação afetou os trabalhadores de uma fundição de alumínio em Civrieux d’Azergues (Rhône-Alpes). Sua fábrica, criada em 1993 pelo grupo Dynacast International, tinha sido recomprada pelo fundo de investimento Cinven, que vendeu o local em 2004 ao fabricante de torneiras LCN, filial do grupo italiano Campisusa. Este decidiu liquidar a fábrica de Civrieux depois ter esvaziado seus cofres.
Em janeiro de 2005, a metade dos 66 trabalhadores parados conseguiram prosseguir a atividade como Scop sob o nome de Precial Casting, após terem obtido o compromisso de clientes e empréstimos cooperativos que motivaram o apoio de bancos comerciais, difícil de conseguir de outro modo. Apostando no desenvolvimento do escritório de estudo, os trabalhadores se esforçam para salvar o projeto fragilizado pela perda de um cliente. Segundo Bruno Sanchez, responsável pelo controle de produção, “seria preciso mostrar aos acionistas que dirigem à distância que não é somente a carteira que traz resultados; há também a relação humana”.
Carteira pessoal
De modo mais geral, a falência de uma PME não se deve necessariamente a uma perda de mercado. O fracasso do dirigente pode ser a causa, ou sua tendência a confundir os caixas da empresa com sua carteira pessoal. O economista britânico Anthony Jensen considera que, no Reino Unido, quase 50% das falências poderiam ser evitadas: “Graças às reanimações, reconhece-se cada vez mais as capacidades dos empregados em compreender o business e ver potencial em situações em que o capital de risco não o vê”7.
Jensen preconiza mudanças nas práticas ligadas às falências a fim de dar uma chance aos trabalhadores. Parece-lhe ilógico que eles não sejam credores prioritários em relação aos bancos e que fiquem excluídos das reuniões dos creditadores e das negociações. Reiterando uma reivindicação histórica do movimento cooperativo, o economista pede que se conceda aos trabalhadores-recuperadores um direito de preempção. Na França, em teoria, os tribunais de comércio atribuem a retomada em função da pertinência econômica do projeto e do número de empregos salvos. Na realidade, o argumento social freqüentemente vai pelo ralo e os tribunais consideram que uma cooperativa recém-criada é menos viável do que um recuperador capitalista que seja “calejado”.
Se a justiça comercial é pouco complacente com os demitidos, é porque seus tribunais são compostos de diretores de empresas, freqüentemente cooptados, e seus mandatários designados para administrar as empresas em dificuldades são regularmente objeto de inquéritos judiciais por abuso de confiança ou tráfico de influência8. Além disso, conforme as regiões, juízes e tomadores de decisão duvidam em parte da capacidade dos trabalhadores de se tornar patrões. Por isso, o trabalhador candidato à retomada em cooperativa no Norte da França é suscetível de ter menos chance que aquele que vive em Rhône-Alpes.
Em 2005, dezessete retomadas de empresas pelos trabalhadores foram apoiadas pela união Scop Entreprises de Lyon, cujo diretor, Bruno Lebuhotel, se rejubila com a criação, no final de 2007, de Transmea, um fundo de capital de risco de 5,5 milhões de euros subvencionado pelo Conselho Regional no montante de um milhão. “Quatrocentos e trinta projetos por ano podem ser potencialmente apoiados: trinta empresas em dificuldade e quatrocentas, sadias, em transmissão aos empregados, após a aposentadoria do patrão”, explica ele. Pois a hora da “transmissão” chegou para bom número de empresas criadas por pessoas nascidas depois da Segunda Guerra Mundial. Todavia, esses cedentes em potencial – sem herdeiros interessados em seu negócio – freqüentemente se mostram reticentes diante do modelo cooperativo: “A Scop evoca o kolkhoz soviético”, lamenta Lebuhotel. Essa constatação orientou um reposicionamento do projeto Transmea, que apoiará não somente transformações em cooperativas, mas também em “sociedades de trabalho” à moda francesa, cujo estatuto está por definir. “Cooperativa ou acionariado salarial, que importa”, dispara este cooperativista. “O importante é redirecionar as tendências do capitalismo atual e propor soluções de mudança realizáveis.”
Lebuhotel reconhece que nem todos os cooperativistas aderem a seu “pragmatismo”. O acionariado salarial, de fato, carece de anteparos e, neste caso, distorce a filosofia das cooperativas, que faz do capital um meio financeiro a serviço do projeto coletivo, e não o inverso. Na Espanha, embora Coceta e Confesal se exibam como parceiras, membros de uma e de outra das confederações criticam de bom grado o modelo concorrente, em privado: os cooperados censuram aos membros das SAL uma gestão mais capitalista e menos democrática da empresa, ao passo que estes ironizam a Mondragon Corporación Cooperativa, o célebre grupo cooperativo basco constituído por 250 empresas. Para “brincar no quintal dos grandes” ele criou, fora da Espanha, especialmente na China, empresas-satélites de tipo capitalista, como faria uma multinacional, e às vezes em joint venture.
Entretanto, não se pode permitir que os erros apaguem um bom exemplo. Bolance, o torneiro mecânico catalão, afirma que se ele e seus colegas conseguiram reerguer a Mol-Matric, foi porque puseram as pessoas acima de qualquer outra prioridade. Foi porque afirmaram: “É possível”.
*Cécile Raimbeau é jornalista, autora de Argentine rebelle, un laboratoire de contre-puvoirs, Paris, Éditions Alternatives, 2006.