A Europa que lucra com a guerra
A indústria armamentista européia vê na conjuntura pós-11 de Setembro uma chance de ouro para lucrar. Além de incluir privatização e demissões, as mudanças no setor podem entregar parte da produção às corporações gigantes norte-americanasLuc Manpaey
Investimento ou engano gigantesco? Levados pela onda de otimismo que sucedeu o fim da Guerra Fria, tanto na Europa como nos Estados Unidos, os poderes públicos implementaram vastos programas de conversão/diversificação do setor armamentista (bases militares supérfluas, indústria bélica superabundante…). Entre 1991 e 1999, as iniciativas da Comissão Européia custaram mais de 900 milhões de euros. Como este financiamento cobre no máximo 50% das despesas previstas pelos Estados membros e soma-se, às vezes, a iniciativas nacionais, são quase 2 bilhões de euros “investidos”.
No entanto, enquanto os contribuintes pensavam participar da realização de um mundo mais pacífico, a lógica de mercado e os perigos inerentes a uma globalização predadora [1] permitiram uma extensão inédita do “sistema industrial de segurança militar”. São os interesses econômicos e industriais ? e não uma vontade política real ? que levaram à implementação, pelo Tratado de Nice (2002), da Política Européia de Segurança e Defesa (PESD).
Os EUA haviam estabelecido o ritmo desde 1993. Consciente de que não seria mais possível garantir contratos tão rentáveis como os da época do governo Reagan, o Departamento da Defesa norte-americano encorajou um processo espetacular de concentração no setor armamentista. Este processo foi inteiramente deixado à discrição dos acionistas e das instituições que compõem o capital financeiro (fundos mútuos, fundos de pensão, etc.). Ao menos até o Departamento de Justiça dos EUA manifestar-se, em 1998, contra o projeto de aquisição da Northrop Grumman pela Lockheed Martin, por um total de 8,3 bilhões de dólares [2]. Desde 2001, começou a haver cada vez mais fusões entre as empresas mais importantes. Estão entre as principais a aquisição da Newport News Building e da TRW pela Northrop Grumman, em 2002 (respectivamente por 2,6 e 7,8 bilhões de dólares), a aquisição da Titan pela L3-Communications por 2,65 bilhões de dólares no transcorrer de 2005; a compra da Anteon foi pela Geral Dynamics, por 2,2 bilhões de dólares, em 2006.
No 11 de Setembro, o início de um boom
A vontade de controlar o conjunto do filão tecnológico — e portanto, de frear a entrada de eventuais concorrentes — resultou na posição de monopólio de algumas empresas. Sua capacidade de influenciar os poderes públicos fortaleceu-se, contribuindo à militarização da política externa [3]. Uma vez entregue à “nova economia”, o setor armamentista conquistou progressivamente a confiança dos investidores. Desde 1999, quando houve os primeiros aumentos do orçamento da Defesa (particularmente as despesas de aquisição de material que estavam continuamente em baixa desde 1986), os índices da Bolsa do setor armamentista voltaram a aumentar. O estouro da bolha especulativa da Nasdaq, no primeiro semestre de 2000, reforçou o movimento. Mas, sobretudo os atentados de 11 de setembro de 2001 ofereceram aos investidores institucionais privados, beneficiários de rendimentos e outros especuladores um novo efeito de vantagem inesperada. Em 17 de setembro de 2001, primeiro dia de abertura da Wall Street após os atentados, os títulos do setor registraram um ganho de 15 a 30%…
Cinco anos mais tarde, o entusiasmo dos investidores continua intacto, como testemunha o aumento regular do índice Spade Defense Index (DXS), composto pelas 58 empresas mais representativas dos mercados armamentista e de segurança. A trajetória do índice DXS desmente de maneira contundente a afirmação dos economistas neoclássicos, segundo a qual os mercados financeiros observam com repulsa a utilização de violência militar. Os dividendos da paz saíram de cena e o século 21 desponta sob o signo dos dividendos da guerra.
Este novo ambiente, mescla de terrorismo e euforia financeira, explica o aumento repentino e significativo de questões militares nos negócios da União Européia, superior à vontade de aprofundar a construção comunitária. Até o início dos anos 1980, o fracasso da Comunidade Européia da Defesa (CED), após ter sido rejeitada pela França em 30 de agosto de 1954, havia resultado no afastamento de todas as questões de defesa e armamento dos debates e projetos. A produção de armas era confiada com mais freqüência aos arsenais e empresas estatais, no centro das prerrogativas e regalias de segurança e soberania. As empresas estatais beneficiavam-se de um regime particular, infringindo a regulamentação comunitária da concorrência e dos mercados públicos.
O “direito” europeu de disputar a indústria da guerra
Este tempo acabou. Em meados dos anos 1990, os governos da União Européia favoreceram a integração de suas empresas armamentistas. Tratava-se de por fim à lógica de “campeões nacionais” e de europeizar a produção armamentista, com vistas a contrapor-se com mais eficácia à concorrência dos grandes grupos norte-americanos. Esta estratégia baseia-se em uma política de privatização e na prioridade dada aos mercados. Três objetivos foram estabelecidos: competitividade industrial e armamentista, abertura dos mercados e facilitação da exportações de armas. Estes objetivos correspondem aos interesses dos novos acionistas. E constituem o resultado de uma estratégia eficaz de um setor (e de seus lobbies em Bruxelas) bem determinado a fazer prevalecer seus interesses ameaçados pelos partidários de uma Europa “potência tranqüila” e pacífica [4].
As mudanças institucionais dos anos 1990 ilustram bem este processo. Assim, já em 1997, o Grupo Armamento da Europa Ocidental (GAEO) foi consagrado como instância européia de cooperação em matéria de armamento pela União Européia Ocidental (UEO), que era nesta altura o braço armado da União Européia. Grupo informal de 19 países (os 16 países europeus da Aliança Atlântica mais a Áustria, Finlândia e Suécia), o GAEO tinha por objetivo a abertura dos mercados de armamento nacionais à concorrência européia e o reforço da Base Industrial e Tecnológica de Defesa (BIT) da União Européia. Em seguida, as iniciativas se multiplicaram, até a criação, em 12 de julho de 2004, de uma Agência Européia de Defesa (AED), com o objetivo de favorecer um mercado europeu competitivo para o armamento. Em 21 de novembro de 2005, um “Código de Conduta” [5] não compulsório, que visava a liberalização do mercado armamentista, foi igualmente adotado pelos ministros da Defesa [6].
É sob pressão de suas indústrias armamentistas, e muito mais por resignação que convicção, que os países membros da União Européia resolveram acabar com os protecionismos nacionais que prevaleciam há décadas no mercado armamentista do continente. O resultado deste processo de concentrações/privatizações é espetacular. Três grupos europeus figuram entre os dez maiores produtores mundiais: BAE Systems (Reino Unido), EADS (Países Baixos) e Thalès (França). Todavia, enquanto os grupos norte-americanos são bem cotados na Bolsa e controlados majoritariamente pelos investidores institucionais (instituições financeiras, fundos de pensão e fundos mútuos detêm geralmente entre 70% e 100% do capital), a indústria européia aparece como um emaranhado complexo de participações cruzadas, joint ventures e colaborações, nas quais se torna difícil compreender quem controla o que.
Armar mais, empregar cada vez menos
No final deste processo, marcado por uma retirada significativa do Estado, o emprego diminuiu cerca de 40%. Somente a França e o Reino Unido, os dois primeiros produtores armamentistas europeus, perderam mais de 200 mil empregos entre 1991 e 2000. Apesar disso, os meios financeiros e de negócios consideram esta reestruturação inacabada e não escondem sua impaciência para ver o Estado afastar-se completamente. Assim, em um breve relatório publicado em 2002, os analistas de Ernst & Young ? um dos mais importantes escritórios de consultoria do mundo ? repetem continuamente que são os acionistas e não os clientes (os governos) que “devem ser os juízes definitivos do gerenciamento e das estratégias” [7]. Os analistas ressaltam que os investidores julgarão os dirigentes com base no crescimento e no desempenho global de suas empresas — e “não a partir de sua aptidão para servir os interesses de um governo particular ou grupo de governos”. Portanto, uma empresa só deveria aceitar um contrato do respectivo Ministério Nacional da Defesa, “se a rentabilidade da oferta fosse atrativa o suficiente”. Eles convidam os industriais europeus a não se deixarem distrair pelos seus vínculos tradicionais e regionais com o Velho Continente, mas a se desenvolverem onde houver as melhores possibilidades de crescimento — ou seja, nos Estados Unidos.
Estas declarações, representativas da preocupação dos meios financeiros e de negócios, poderiam parecer contraditórias com a posição defendida por vários governos, que se mostraram oficialmente inquietos quanto às amplas transferências de propriedade para os investidores institucionais ou grupos industriais norte-americanos. Contudo, a General Dynamics apoderou-se das duas grandes indústrias de armamento terrestre europeu: a indústria austríaca Steyr-Daimler-Puch (em 2003) e a espanhola Santa Barbara (em 2001). O grupo Carlyle, por sua vez, adquiriu a italiana Fiat Avio, assim como 30% da britânica Qinetiq (2003), enquanto a Kohlberg Kravis engolia a alemã MTU Aero Engine. A ofensiva norte-americana é, portanto, bem visível e esta lista poderia estender-se. Para os Estados acionistas europeus, o momento estava mais para a elaboração de estratégias de bloqueio e retenção do capital, submetendo ao acordo governamental qualquer participação de capitais estrangeiros nas indústrias de armamentos européias que ultrapassassem uma certa porcentagem [8]. Portanto, apesar das privatizações espetaculares, uma presença sempre significativa do Estado, particularmente no armamento terrestre e na construção naval.
No entanto, estes reflexos protecionistas pesam pouco na relação de forças que se instalou entre o Estado e o capital financeiro desde a virada dos anos 1990. Sob a dependência das finanças e exigências de rentabilidade dos acionistas, a indústria armamentista torna-se a locomotiva da Política Européia de Segurança e Defesa (PESD) e uma determinante. Esta estranha configuração da produção de armamento na União Européia corresponde à emergência de uma “orientação inversa” descrita pelo economista americano John Kenneth Galbraith. Uma orientação clássica supõe que as ordens vão do consumidor ao mercado, depois do mercado ao produtor. Na orientação inversa, “é a empresa de produção que joga seus tentáculos para controlar seus próprios mercados, muito mais para dirigir o comportamento do mercado e modelar as atitudes sociais daqueles a quem aparentemente ela serve” [9].
Esta configuração incita à militarização da Europa e ao aumento dos orçamentos nacionais da Defesa, como previa o projeto de tratado constitucional [10]. Assim entre bom negócio estatal e lógica financeira míope, a PESD não favorecerá a afirmação política da União Européia. Ela até mesmo carrega consigo os germes de seu enfraquecimento. Pois, para defender seus interesses no mundo, os grandes Estados produtores de armamento terão menos