A história da rejeição aos servidores
Há dois séculos, dirigentes de todas as tendências políticas reivindicam a diminuição do número de agentes do Estado na França – por razões, por vezes, diametralmente opostas
Ao assumir o desejo de suprimir 120 mil cargos de funcionários públicos em cinco anos, Emmanuel Macron não é nada original. A denúncia do peso do Estado e do número de seus empregados é, há mais de dois séculos, uma ladainha repetida, segundo os períodos, por agentes cujas convicções atravessam todo o espectro político. Ainda que essa diversidade possa parecer espantosa hoje em dia, ela se explica facilmente: mais do que seu número, é frequentemente o que os funcionários públicos simbolizam que é criticado.
Da Revolução Francesa até a metade do século XIX, a denúncia do Estado e de sua administração repousava principalmente em um questionamento do “poder político das repartições públicas” e da “influência excessiva da administração”, sob uma apelação forjada pelo economista fisiocrata Vincent de Gournay em meados do século XVIII: a “burocracia”. Em 1793, o líder revolucionário Louis Antoine Saint-Just considerou que “todos aqueles que são empregados pelo governo são preguiçosos” e que era necessário “diminuir em toda parte o número de agentes”.1 Seu objetivo não era orçamentário, mas político. Tratava-se então de denunciar a “constituição de repartições com poder autônomo” e o “risco de confisco do poder estatal” pela administração, esta sendo vista como “suscetível de criar obstáculo ao governo direto da vontade geral”.2
Diante da expansão provocada pela “supermonarquia administrativa” napoleônica,3 um conceito nasceu da crítica ao número de funcionários do Estado: o “funcionalismo”. Em 1872, ele fez sua grande entrada no oitavo tomo do Grande dicionário universal do século XIX, de Pierre Larousse, e se referia então a um “sistema fundado sobre a existência de um grande número de funcionários públicos”, uma “mania de empregos públicos” que constitua uma “praga social”. Nesse caso, Larousse não estava preocupado com uma questão de economia. Republicano feroz, ele atribuía o nascimento desse mal à monarquia e imputava a responsabilidade de seu desenvolvimento ao império: “De 1789 a 1800, existiram na França cidadãos”, escreveu. “A partir do ano de 1800, passaram a existir apenas funcionários públicos e administrados”, os primeiros compondo um verdadeiro “exército do despotismo”.
“Devoradores de orçamento”
Na Terceira República, as queixas contra o número de funcionários públicos ganharam a forma da metáfora dos “devoradores de orçamento”. No jornal satírico Le Grelot, o caricaturista Alfred Le Petit os representou como bonapartistas, militares e padres pilhando a República.4 A serviço de uma crítica da administração, a denúncia do funcionalismo estava vinculada então a um apelo a uma purificação indispensável ao bom funcionamento da República. No mesmo momento, do outro lado do espectro político, foi justamente a esse regime que o visconde Georges d’Avenel atribuiu a responsabilidade do funcionalismo. Ele escreveu na revista La Revue des Deux Mondes: “Dizer que a sociedade deve oferecer escola primária gratuita a todas as inteligências é um paradoxo igual, se não superior, ao que consistiria em dizer que ela deva oferecer sopa gratuita a todos os estômagos”. Ele quer dizer com isso que a multiplicação dos agentes do Estado dá testemunho da incapacidade da República de manter suas promessas de “governo barato”,5 ao mesmo tempo que questiona o perímetro da intervenção pública.
A despeito dessa unanimidade, nenhuma política de redução de efetivos foi colocada em ação antes do fim da Primeira Guerra Mundial. Na primavera de 1920, depois de quatro anos de conflito e da extensão inédita das atribuições do Estado, o ministro das Finanças anunciou à Câmara que “o problema financeiro em sua totalidade” exigia uma “compressão enérgica das despesas” e a supressão de “todo serviço inútil”. Múltiplas políticas de compressão foram instauradas entre as duas guerras mundiais, sem que o volume dos efetivos públicos encontrasse seu nível de 1913. Principalmente, a chegada do regime de Vichy provocou uma nova aceleração no desenvolvimento das intervenções – da estatização das polícias municipais à criação do Ministério da Produção Industrial – e do número de agentes públicos.
Nos dias que se seguiram à libertação da França da ocupação nazista, a denúncia do número de funcionários públicos suscitou novamente um amplo consenso, dos comunistas aos nostálgicos de Vichy. Os primeiros viam nas compressões uma maneira de continuar a purificação por outros meios. Em dezembro de 1947, com os ministros comunistas tendo sido excluídos oito meses antes, Jacques Duclos continuou apoiando as políticas de redução de efetivos realizadas pelo governo. Em um debate na Assembleia Nacional, ele pediu, inclusive, o “excepcional”.6 De fato, ao menos até 1948, as políticas de economia deveriam afetar prioritariamente os agentes recrutados nos “organismos parasitários nascidos desde Vichy”7 e poupar as pessoas tocadas pelas políticas de exclusão do Estado francês e reintegradas desde então.8
Por sua vez, os nostálgicos do pétainismo [referente ao general Philippe Pétain, chefe de Estado francês durante a ocupação alemã (N.T.)] denunciavam o crescimento dos efetivos públicos desde a libertação, visando principalmente às empresas nacionalizadas e à criação do regime de Segurança Social. Em 1949, Pierre-Étienne Flandin, vice-presidente efêmero do Conselho dos Ministros entre dezembro de 1940 e fevereiro de 1941, afirmou, nas colunas de uma revista de extrema direita com a qual colaborava regularmente, que o número de funcionários públicos, os “reis do sistema”, não “parou de crescer”. “Esse desenvolvimento monstruoso é a manifestação do processo mórbido que invade o organismo econômico francês e cujo fim só pode ser a morte progressiva da máquina invadida pela ferrugem.”9
O consenso que reinou ao final da Segunda Guerra Mundial levou, assim, a importantes reduções de efetivos. A aplicação das medidas preconizadas pelas comissões da “Hache” [machado], depois da “Guilhotina”, a fim de suprimir ao menos 150 mil cargos entre 1946 e 1949, conduziu a compressões reais situadas entre um pouco mais de 63 mil (segundo o Ministério das Finanças) e um pouco menos de 140 mil (segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e de Estudos Econômicos). As consequências não foram pequenas. O próprio diretor de orçamento, ardente promotor das políticas de economia, constatou que essas medidas “um pouco brutais e simplistas” entravaram o bom funcionamento dos serviços administrativos.10 Para realmente reduzir os efetivos do Estado e fazer economias, os observadores concordaram então com a necessidade de uma “escolha entre as missões que o Estado pretende cumprir”.11
Mais próximo de hoje, entre 2007 e 2012, a política de não substituição de um a cada dois funcionários aposentados produziu efeitos comparáveis. Durante a campanha eleitoral, Nicolas Sarkozy prometeu suprimir até 1 milhão de cargos, argumentando que assim o Estado seria mais eficiente e menos custoso. De acordo com os relatórios anuais sobre o estado da função pública, foram finalmente 94 mil empregos de período integral que desapareceram (e não 150 mil, como seus promotores gostam de afirmar). O balanço feito pelas grandes inspeções do Estado mostram que essa política fez menos economias do que desorganizou os serviços. Com missões constantes, “economias significativas não podem ser esperadas apenas sobre o funcionamento do Estado”, concluíram em 2012.12
Enquanto as promessas de redução dos efetivos se multiplicaram, a eficiência orçamentária das medidas adotadas nos anos 1990 e 2000 está longe de ser flagrante. No entanto, nos discursos parlamentares e governamentais, tudo se passa como se o argumento de “funcionários públicos demais” fosse completamente desconectado da questão do perímetro dos serviços públicos. Dando testemunho paradoxal da legitimidade adquirida pelo desenvolvimento do Estado, os assassinos do “funcionalismo” do século XXI minimizam sistematicamente as consequências políticas das economias que preconizam.
*Émilien Ruiz é mestre de conferências em História Contemporânea e Ciências Humanas Digitais da Universidade de Lille (IRHiS), na França.