A Inadimplência no ensino superior privado: Desafios e Perspectivas
De quem é a responsabilidade pela educação superior?
O cenário econômico do Brasil tem refletido de forma contundente no ensino superior privado. Em 2024, a taxa de inadimplência no setor atingiu a marca de 9,33%, conforme dados divulgados pelo Instituto Semesp, uma alta preocupante que revela as dificuldades enfrentadas por estudantes e instituições de ensino.
A pesquisa do Semesp detalha que o impacto dessa inadimplência varia de acordo com o porte da instituição. As pequenas instituições sentiram um aumento de 0,7% nos créditos não recebidos, o que representa uma vulnerabilidade para essas instituições, enquanto as instituições de médio porte tiveram um aumento de 10,3% e as grandes instituições registraram um percentual próximo de 4,7%, o que mostra a relativa resiliência das grandes redes educacionais.
As instituições privadas, que representam uma grande fatia do ensino superior no Brasil, precisam assumir uma postura responsável, conciliando a busca por lucro com o compromisso social. A pandemia da COVID-19 serviu como um alerta, escancarando a vulnerabilidade de muitos alunos que dependem dessas instituições para transformar suas realidades. Cabe a uma das funções da instituição oferecer apoio financeiro e investir em inovação, empregabilidade e empreendedorismo, a fim de fomentar novas e melhores fontes de renda para seus estudantes, de forma que eles possam alcançar maior autonomia para o pagamento das mensalidades.
O papel do governo, por exemplo, deve ir além da regulamentação. Políticas públicas eficazes são fundamentais para garantir o acesso universal ao ensino superior e um financiamento estudantil acessível e justo. Programas como o Fies e o ProUni têm demonstrado o impacto positivo da intervenção estatal, mas suas limitações e ajustes necessários indicam que há um longo caminho a percorrer.
Um ponto crítico a ser destacado é a Lei do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Embora tenha sido criada com o objetivo de democratizar o acesso ao ensino superior, as regras de financiamento mudaram ao longo dos anos, tornando-se mais restritivas. Tais alterações reduziram significativamente o número de estudantes beneficiados e, por consequência, comprometem o fluxo de caixa das instituições que dependem dessas receitas. A falta de orçamento destinado ao programa também precisa ser discutida e por consequência o envolvimento do Congresso Nacional.
O impacto da inadimplência não se limita apenas às instituições de ensino. Ele se estende à qualidade dos serviços oferecidos e à sustentabilidade dos cursos, frequentemente levando à redução de investimentos em infraestrutura e no corpo docente, prejudicando assim o aprendizado dos alunos. Além disso, a evasão escolar representa uma perda significativa para o país, que observa uma diminuição na formação de mão de obra qualificada, essencial para o desenvolvimento econômico.
O cenário econômico atual é desafiador, e os números são claros indicadores de tempos difíceis para o Brasil e para países com estruturas econômicas semelhantes. A falta de investimentos em educação e a fragilidade das políticas de apoio são sintomas de um problema maior, que combina crises econômicas e a falta de priorização política. Sem uma abordagem colaborativa, os efeitos se perpetuarão, minando o potencial do país de formar profissionais preparados para o mercado de trabalho e para enfrentar os desafios globais.
Portanto, a pergunta “De quem é a responsabilidade pela educação superior?” deve ter uma resposta abrangente: é responsabilidade de todos. O governo precisa aprimorar e ampliar suas políticas, as instituições de ensino devem agir com consciência social e a sociedade civil precisa participar ativamente desse processo. Somente por meio dessa interdependência poderemos garantir que o ensino superior seja não apenas um privilégio de poucos, mas um direito acessível e de qualidade para todos, capaz de sustentar o crescimento e a inovação de que o Brasil tanto necessita.
É evidente que os desafios enfrentados pelo ensino superior privado no Brasil não podem ser resolvidos com medidas isoladas. É necessário um esforço conjunto entre o governo, as instituições e a sociedade para criar políticas de apoio financeiro aos alunos, garantir programas de empregabilidade para jovens e flexibilizar medidas que facilitem a permanência no ensino superior. Somente assim poderemos superar as adversidades da inadimplência e assegurar um sistema educacional mais acessível e sustentável.
Rodrigo Bouyer é avaliador do Inep e Sócio da Somos Young.