A invisibilidade dos policiais que são mortos em serviço no Rio de Janeiro
O desprezo pelas mortes desses policiais do Rio de Janeiro, sobretudo da policia Militar, que morrem nestas operações, seria pelo fato de muitos desses policiais virem do mesmo extrato social?
Não é de hoje que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, demonstra certo desprezo pela liturgia do cargo, pela importância de gestos simbólicos e pela institucionalidade da função.
No dia 12 de fevereiro de 2025, à noite, o governador foi assistir ao clássico carioca entre Flamengo e Botafogo. Nesse mesmo dia, a cidade viveu mais um momento de terror: tiroteios fecharam a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, na altura da Cidade Alta, em ambos os sentidos, em diferentes momentos da tarde. Quatro pessoas ficaram feridas, sendo duas baleadas, e um helicóptero do Grupamento Aeromóvel (GAM), da Polícia Militar, foi atingido – como ocorre em guerrilhas e guerras – e precisou fazer um pouso forçado em uma unidade da Marinha, na Penha.

Muitos militares que atuam nas operações no Rio moram em comunidades ocupadas por milícias. Não é (ou não deveria ser) difícil imaginar o dilema que enfrentam em operações como essas. É preciso frisar que não apenas o governo fluminense, mas também o Estado brasileiro parece desconectados da realidade do que ocorre no Rio de Janeiro nessas operações. A ADPF 635 do STF é apenas uma das camadas complexas desse banho de sangue, que mata muitos policiais militares – algo pouco mencionado. O desprezo pelas mortes desses policiais, sobretudo os da Polícia Militar, que perdem a vida nessas operações, estaria relacionado ao fato de muitos deles pertencerem ao mesmo estrato social das comunidades? Seria esse o motivo do evidente descaso da sociedade em relação às mortes desses policiais operacionais?
Não se trata apenas de apontar os dilemas de alguns militares, tampouco de atribuir culpa ao martelo pelo estrago que ele causa sem responsabilizar quem o empunha. O processo de invisibilidade vivido pelos policiais militares do Rio de Janeiro é algo estarrecedor. Isso não significa minimizar a realidade da corrupção amplamente difundida na corporação – não apenas na polícia carioca, mas em diversas outras pelo país – nem ignorar outros graves problemas estruturais. É indiscutível que os policiais cariocas precisam estar mais preparados para agir com discernimento, mas isso reflete a estrutura e a liderança que moldam o comportamento da tropa. Se a truculência e a falta de valorização vêm de cima, acabam ecoando em uma sociedade que, ao mesmo tempo em que se mobiliza para oferecer um copo de água a um morador de rua, naturalizou a ideia de chamar, de forma generalizada e aleatória, os policiais do Rio de Janeiro de bandidos.
Policiais militares são ferramentas, não os agentes pensantes. Embora os inúmeros casos de violência policial não estejam em discussão aqui, a intenção é provocar uma reflexão minimamente humana e empática sobre a realidade desses homens, que são enviados diariamente – no caso dos policiais do Rio de Janeiro – para uma guerra irregular, um verdadeiro envio à morte, enquanto o chefe das polícias do Estado parece atuar apenas como espectador do próprio governo.
Mariana Cotta é advogada, pós graduada em Penal e processo Penal pela EPD (Escola Paulista de Direito)