Minha experiência na Assembleia Legislativa de São Paulo, que se encerra ao final deste ano, pode ser comparada com a estadia num grande caldeirão. Entre a esperança por uma temperatura acolhedora e o terror da queimadura há quase nada que impeça a transição avassaladora.
Cheguei à política institucional impulsionada pelo atrito entre indignação e a expectativa de mudança e, diante dos novos desafios, me mantenho nesse “mood”. Contudo, um gosto amargo me assola ao notar alguns movimentos pessoais de deputados (isso se aplica a outras instâncias de poder) que, mesmo frente a uma dívida por representação ao seu eleitorado, entregam uma atuação absolutamente centrada em autopromoção e na disseminação de conteúdos cheios de preconceito.
Entre todos os absurdos da atual composição da Alesp, um evidente destaque se sobressai – os áudios misóginos de Arthur do Val. De todo modo, é preciso se atentar a todo cenário pré-estabelecido até que se chegasse ao cume midiático sobre o assunto.
O “Mamãe Falei” faz parte de uma geração de políticos adeptos à ultra personalização de seu suposto trabalho, que se atem à criação e manutenção de uma “persona” midiática, que se sustenta por meio das ferramentas comunicacionais da modernidade. Muito além do desvio de suas funções – de serviço ao povo –, temos aqui um caso em que se faz uso “da coisa pública” como meio para viabilizar o enriquecimento pessoal.

Estamos, portanto, ante uma via que unifica a ilegalidade à frágil educação do país, num front perigoso onde a pequena força de discernimento das massas se vê ameaçada por projetos única e exclusivamente publicitários. Vale o adendo: as redes sociais são veículos comunicacionais e devem ser utilizados como tal – o que fere a justiça é a monetização aliada à falsa propaganda, como ocorre no caso do vereador carioca Gabriel Monteiro, hoje réu “vitimado” pela ferramenta que tanto deu suporte à sua jornada política.
Se sabe que, plataformas como o Youtube possuem um sistema de monetização que remunera o usuário a partir de mil inscritos e 4 mil visualizações no canal. O termo “youtuber” já se configura dentro do escopo profissional, em razão da sua viabilidade para a captação de capital.
Entendo que seja necessário voltar ao item básico da política institucional, que se perde no imbróglio das dualidades pós-modernas. Por isso protocolei um projeto de resolução a esse respeito, que foi encaminhado ao julgamento da Comissão de Ética da Alesp. O documento expõe os males dessa monetização da política, que amplia ainda mais a extensa lista de regalias de quem ocupa o cargo público. O político é um servidor do povo, de suas propostas pelo coletivo. Não abramos mão disso.
Erica Malunguinho é educadora e ativista cultural. Mestra em Estética e História da Arte, tornou-se a primeira deputada estadual trans eleita no Brasil, em 2018, com mais de 55 mil votos no estado de São Paulo.