Chuva de críticas sobre os capacetes azuis
Questionada na Síria, a ONU finalmente recebeu do Conselho de Segurança a autorização de enviar observadores para supervisionar a evacuação de Aleppo. A entidade parece mais fraca do que nunca e mesmo as operações de paz suscitam críticas, como em Ruanda (1994), na Iugoslávia (1995) e mais recentemente na República Centro-Africana. Como reformá-las?
Para muitos, a ONU são as operações de manutenção da paz (OMPs). Elas envolvem mais de 128 mil civis e funcionários uniformizados (policiais, militares e guardas) em 39 missões em quatro continentes. A tarefa se revela tão ampla quanto ingrata. As críticas são acerbadas e os erros, em particular quando se trata de abusos sexuais ou de corrupção, geram, com razão, escândalos.1
Enquanto entre 1948 e 1988 a ONU só havia instalado quinze OMPs, estas experimentaram um aumento espetacular com o fim do enfrentamento Leste-Oeste. Entre 1988 e 2015, 56 delas foram criadas, com diversos graus de sucesso. O relatório Brahimi, de 2000,2 tirava algumas lições disso. Ele preconizava mandatos mais claros, uma melhor adequação entre os meios colocados em prática – muito padronizados – e o terreno envolvido, assim como uma coordenação mais estreita entre a sede da ONU em Nova York e as forças instaladas, a fim de obter mais eficácia.
No final de 2014, no entanto, soou um novo alarme: o secretário-geral Ban Ki-moon encarregou um grupo independente de alto nível de proceder a um exame aprofundado desses problemas. Enviado em 16 de junho de 2015, o relatório, conhecido pelo acrônimo inglês Hippo (High-Level Independent Panel on Peace Operations – Painel Independente de Alto Nível sobre as Operações de Paz), faz uma constatação incontestável: “De leste a oeste e de norte a sul, os governos e as organizações locais informaram de forma clara ao grupo que uma mudança era fundamental, tendo em vista que estavam em jogo, ali, nada mais, nada menos que ‘a credibilidade, a legitimidade e a validade da ONU nos anos que estão por vir’”.3
Para compreender esse diagnóstico alarmante é necessário voltar no tempo. Não se encontrará nenhum artigo consagrado aos capacetes azuis na Carta das Nações Unidas adotada em 1945. Eles são fruto de uma prática que remonta a 1948, com o envio de uma missão de observação à Palestina, mas, sobretudo, a 1956, com a instalação da Força de Urgência das Nações Unidas (Funu) após a crise de Suez. A seguir, o número das OMPs variou segundo o grau de entendimento que podia existir entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França). O capítulo VI é consagrado à regulação pacífica das disputas; o capítulo VII contém os princípios relativos à colocação à disposição da ONU de forças armadas e à constituição de um comitê de estado-maior, princípios que permaneceram como letra morta. Entre os dois, as OMPs constituíram uma espécie de capítulo VI-bis, dominado por três princípios fundamentais: o consentimento do Estado-anfitrião, a imparcialidade e o não uso da força, salvo em caso de legítima defesa dos capacetes azuis.
Sentinelas solitárias
Até o fim da Guerra Fria, as OMPs foram essencialmente forças de interposição. Elas tinham por missão fazer respeitar um cessar-fogo, servir de “tampão” entre Estados inimigos e assegurar o respeito a uma fronteira. A mais antiga, o Organismo das Nações Unidas Encarregado da Vigilância da Trégua na Palestina (Onust), mobiliza 387 pessoas em campo desde 1948. Criado em 1949, o Grupo de Observadores Militares das Nações Unidas na Índia e no Paquistão (Unmogip) envolve ainda 110 pessoas. Desde 1964, a Força das Nações Unidas Encarregada da Manutenção da Paz em Chipre (Unficyp) conta com 1.075 pessoas. Os capacetes azuis atuam aqui como sentinelas solitárias em disputas congeladas ou fossilizadas.
A partir dos anos 1990, os conflitos internos e as guerras assimétricas substituíram os conflitos entre Estados, ao mesmo tempo em que o colapso do bloco do Leste permitia encontrar um consenso entre os membros permanentes do Conselho de Segurança. Estabelecidas em geral com base em um acordo de paz que deveriam garantir que fosse respeitado por todos os partidos, as OMPs por outro lado também tiveram como missão contribuir para o restabelecimento de uma “paz sustentável” nos Estados fragilizados pela guerra civil, por meio da introdução de diversos componentes: humanitário, direitos humanos, segurança, desarmamento, desmobilização etc.
O tamanho das resoluções, que passou de uma ou duas páginas para cerca de quinze, ilustra o que os anglo-saxões chamam de uma ação “árvore de Natal”.4 Mandatos confusos, com episódios autônomos e sem sequência, sem prioridades estabelecidas entre os objetivos, estenderam as missões de maneira excessiva. É preciso fazer um balanço das expectativas por vezes desmedidas dos Estados e da preocupação permanente da organização de impedir a retomada dos conflitos, que arruína os investimentos consentidos em favor da paz.
As ações conduzidas no Burundi nos anos 2000 ilustram bem os esforços aparentemente intermináveis que as Nações Unidas devem despender com o objetivo de restaurar o Estado e o direito, sem que um possa existir sem o outro. Na sequência dos acordos de paz de Arusha em 28 de agosto de 2000, que colocavam fim a violências responsáveis por várias centenas de milhares de vítimas, foi instituída a Operação das Nações Unidas no Burundi (Onub) e, depois, em 2006, um escritório integrado (Binub). O plano estratégico adotado pela Comissão de Consolidação da Paz, criada para assegurar um acompanhamento a longo prazo dos Estados mais fracos, completou esse dispositivo em 2007. A ação no Burundi foi vista como um sucesso até 2015, quando novamente surgiram tensões graves após o anúncio da candidatura do presidente Pierre Nkurunziza para um terceiro mandato. O Conselho de Segurança autorizou então a chegada de 228 policiais das Nações Unidas, encarregados de observar e relatar a situação de segurança e violações dos direitos humanos.
No entanto, como pensar nas OMPs quando não existe, na prática, uma paz a ser mantida? Certos conflitos envolvem uma multiplicidade de grupos armados e provocam a reação da ONU sem uma concordância clara por parte do país-anfitrião, enquanto os apoios políticos regionais e internacionais se mostram hesitantes (esse foi o caso do Burundi em 2016). Essas dificuldades são encontradas no Mali, cujo norte viveu uma insegurança permanente e onde mais de 10 mil pessoas foram instaladas por ocasião da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali (Minusma).
Muitas missões se desenvolvem num contexto ao mesmo tempo perigoso para a segurança das tropas (os capacetes azuis são tomados por alvo, como no Mali em junho de 2016) e da população. Em 2000, o relatório de Lakhdar Brahimi tinha destacado que os capacetes azuis “deviam ser capazes de defender a si próprios, defender os outros componentes da missão e defender o mandato desta”. A proteção das populações civis foi erigida como princípio fundamental. A missão de certas forças, colocadas com cada vez mais frequência pelo Conselho de Segurança sob o capítulo VII, incluiu, portanto, expressamente a possibilidade de os capacetes azuis usarem meios “robustos” – em outras palavras, fazerem uso da força em legítima defesa não mais para sua própria segurança como no passado, mas para aquela de populações ameaçadas por um perigo grave e iminente.5 É o que ocorre desde 2011 no Sudão do Sul, mas também na República Democrática do Congo (RDC), onde estão instaladas as 25 mil pessoas da Missão da ONU para a Estabilização da RDC (Onusco).
Em cerca de sessenta anos passou-se de operações compostas de forças estáticas de algumas centenas de homens posicionados como vigias a operações multidimensionais que envolvem milhares de membros encarregados de tarefas que podem ir até a imposição da paz e o recurso à força. A experiência permitiu às Nações Unidas formalizar o quadro operacional e conceitual das OMPs com aquilo que se chama de “doutrina Capstone” (2008).6 Progressos consideráveis foram assim obtidos em matéria de formação das tropas e de afirmação de uma “tolerância zero” em relação aos abusos sexuais – que, no entanto, ainda são algo a lamentar. A pesquisa de um mínimo de interoperabilidade e o posicionamento prévio de certos meios permitem a introdução mais rápida de uma OMP após a decisão do Conselho de Segurança. Na sede das Nações Unidas, surgiram estruturas como o Departamento das OMPs (Domp) e o Departamento de Apoio às Missões (DAM) para melhor enquadrá-las.7
Esses esforços significam que as Nações Unidas resolveram dotar a si mesmas de um exército internacional, embora de novo tipo? A compatibilidade dessas evoluções com os objetivos da Carta, que alguns consideram exclusivamente devotada à regulamentação pacífica das disputas, pode suscitar questionamentos. O relatório Hippo parece ecoar implicitamente isso. Ele convoca para quatro reformas de base. Em primeiro lugar, a ênfase colocada na prevenção e no regulamento político dos conflitos. É ainda a política que deve determinar a concepção e execução das operações de paz. Dito de outra forma, a OMP não deve ser um paliativo para a ausência de acordo ou, pelo menos, do desejo de paz. Em segundo lugar, as OMPs, encarregadas de acompanhar e facilitar a paz, devem ganhar em eficácia estando mais bem adaptadas ao contexto local. Isso quer dizer acabar com as operações padronizadas privilegiando um recurso graduado de diferentes maneiras em função da situação, com base em um diálogo com as populações locais. A terceira orientação preconiza estabelecer parcerias para a paz mais numerosas, sobretudo com organizações regionais como a União Africana, cujo continente acolhe 70% das OMPs. Enfim, é preciso enquadrar melhor o recurso à força, o que supõe que os Estados que contribuem com tropas participem da reflexão no âmbito de uma “cooperação triangular” com o Conselho de Segurança e o secretário-geral.
A manutenção da paz, mais do que qualquer outro de seus campos de ação, traz a marca da dupla ambivalência da organização. Esta reúne Estados soberanos chamados a promover os valores humanistas que todos os povos solenemente proclamaram em 1945 e que supostamente os compartilham. Mas se por um lado ela é inteiramente devotada à paz, valor supremo que condiciona todas as suas outras ações, por outro sua Carta também previu a possibilidade de o Conselho de Segurança “decidir recorrer à força” (artigo 44). A sobrevivência de certos povos custa esse preço. Saberá o novo secretário-geral, António Guterres, empossado em 1º de janeiro de 2017, se fazer porta-voz da fórmula que abre a Carta – “Nós, povos das Nações Unidas” – e convencer os Estados-membros de que o caminho para a paz passa primeiro pela afirmação de uma vontade política inabalável de agir e pela decisão de não acomodar violências praticadas contra os povos nos quatro cantos do mundo?
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BOX: Contribuições variáveis
Em 31 de agosto de 2016, 123 países contribuíam para fornecer tropas policiais ou militares para as operações de manutenção da paz (OMPs) da ONU. Mas o esforço por parte dos Estados permanece bastante desigual. Dezoito deles, entre os quais Guiné-Bissau, Jamaica e Montenegro, colocam menos de cinco pessoas à disposição da ONU. Inversamente, os maiores contribuintes em tropas fornecem mais de 5 mil homens e mulheres. Trata-se de Bangladesh, Etiópia, Índia, Nepal, Paquistão e Ruanda. Alguns países podem encontrar nisso uma maneira de manter em outros terrenos um exército significativo, cujas despesas são reembolsadas pela ONU, o que favorece o despertar de certas vocações…
A desigualdade reina também entre os membros permanentes do Conselho de Segurança: com mais de 2 mil pessoas, a China ocupa hoje, com folga, a primeira posição, seguida por França (867), Reino Unido (337), Rússia (98) e Estados Unidos (68). O orçamento 2015-2016 das OMPs era de US$ 8,27 bilhões, o que corresponde a apenas 0,5% das despesas militares mundiais, estimadas em US$ 1,747 trilhão em 2013. Uma miséria… com a qual se pode pensar que as Nações Unidas fazem milagres, sobretudo impedindo as situações de se degenerarem.
*Sandra Szurek é professora emérita da Universidade Paris-Nanterre e vice-presidente da Associação Francesa para as Nações Unidas (AFNU).
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 114 – janeiro de 2017}