A revolta de Brest
A história da rebelião operária que perturbou a esquerda francesa, em agosto de 1935. A partir dos fatos, uma pergunta: é justo refrear os movimentos sociais, em busca de vitórias nas urnas?Benoît Kermoal
As barricadas fecham as ruas, mas abrem as perspectivas. Muitos podem tê-lo pensado em agosto de 1935: a cidade de Brest foi então o teatro de violentos confrontos, de embates sangrentos entre a população trabalhadora e as forças de repressão. A imprensa da época consagrou suas manchetes a acontecimentos hoje largamente esquecidos [1].
A Frente Popular [2] não foi somente o resultado de uma aliança eleitoral. Ela foi também? um poderoso movimento social. Na origem da “calmaria”?da primavera e do verão? de 1936, as revoltas de Brest (6, 7 e 8 de agosto de 1935) ocuparam um lugar importante. Elas obrigaram realmente todas as organizações de esquerda associadas à coligação a enfrentar as questões colocadas pelos manifestantes da Bretanha. Assistia-se a um processo revolucionário capaz de dinamizar a Frente Popular? Ou, ao contrário, deviam-se frear as reivindicações dos trabalhadores para não fragilizar uma aliança eleitoral envolvendo um partido moderado (os radicais)? Qual significado dar, enfim, a esse movimento de cólera, que não se deixava reduzir à atuação de agentes provocadores?
Os partidos políticos ? em primeiro lugar o Partido Comunista Francês (PCF), campeão do ativismo político e social alguns meses antes ? e os sindicatos tiveram, durante dez dias, de esboçar respostas para os anseios de trabalhadores, ao mesmo tempo massacrados pela crise econômica e violentados por uma repressão que levou à morte de três deles.
Estopim: ataque aos trabalhadores do Estado
Em julho de 1935, enquanto a esquerda festejava o nascimento da Frente Popular, o governo de Pierre Laval decidiu tirar a França da crise econômica impondo, por decretos-lei, importantes sacrifícios aos trabalhadores do Estado. A população de Brest era especialmente atingida. Em uma Bretanha fortemente rural, a cidade dependia do estaleiro que empregava 6 mil pessoas, a maioria trabalhadores pagos pelo Estado. Além disso, a história de Brest era marcada, desde o início do século, pelo avanço das idéias socialistas e libertárias, fazendo da cidade um enclave “vermelho” em um departamento de direita [3]. Mas, minada por divisões, a esquerda de Brest sofreu um relativo fracasso nas eleições municipais de abril de 1935, deixando as rédeas da cidade aos radicais, fortemente hostis aos socialistas e comunistas. A municipalidade estava pouco inclinada a aderir à dinâmica de união popular que se engrenava em nível nacional.
A esquerda percebeu nos decretos-lei de Laval uma afronta capaz de dinamizar o movimento unitário e de aumentar sua influência na cidade. Esquecendo as querelas passadas, os principais líderes sindicais organizaram um “Cartel de defesa dos serviços públicos” onde se encontravam todos os sindicalizados, assim como socialistas, comunistas e anarquistas. Apesar da proibição das forças de repressão, acabou se desenvolvendo uma manifestação improvisada. Evocou-se um “movimento espontâneo”; a ira dos trabalhadores foi aprovada pela população de Brest, que contava com numerosas famílias trabalhando no estaleiro. A contradição entre a revolta das massas e a moderação dos dirigentes, sindicais e políticos, que não desejavam essa manifestação, apareceria mais claramente nos dias seguintes.
O segundo ato se deu na segunda-feira 5 de agosto, dia de pagamento para os trabalhadores do estaleiro, que constataram em seus holerites as reduções de salários anunciadas (de 3% a 10% do total mensal). Alguns pararam o trabalho imediatamente e iniciaram uma manifestação no recinto do estaleiro, sob os olhares de um serviço militar de manutenção da ordem inquieto com a tensão nascente. Bandeiras vermelhas foram estendidas nos diferentes grupos. Cerca da metade dos assalariados aderiram à manifestação.
Em resposta à repressão, as barricadas
No dia seguinte, a prefeitura marítima reforçou as forças de repressão. As baionetas estavam bem visíveis. Uma nova parada do trabalho não seria tolerada. Muito rapidamente, os trabalhadores começaram a dar sinais de agitação. Pipocam brigas. Um trabalhador, Joseph Baraer, foi espancado até a morte pelos militares. Foi o estopim para as revoltas. Desencadeou-se a violência, o estaleiro foi fechado, os trabalhadores deixaram o lugar e se dispersaram pela cidade. Vitrines de lojas quebradas, incêndios de carros de polícia, bloqueio de tráfego ? aconteceu de tudo, sem coordenação aparente. A prefeitura marítima foi cercada; um trabalhador arrancou a bandeira tricolor francesa e a substituiu por outra. As autoridades perturbam-se: será uma bandeira vermelha? A bandeira da URSS? [4] O jovem foi abatido por um capitão-tenente, cujas ligações com o movimento de extrema direita da Cruz de Fogo logo foram descobertas.
A guarda móvel teve dificuldade para se livrar das primeiras barricadas espontâneas erigidas nas ruelas estreitas de Brest. Houve um morto, mais de 100 feridos. Os líderes sindicais e políticos foram atropelados pela violência dos trabalhadores. Somente os libertários e o comunista Paul Valière, que conseguiu se fazer ouvir, chegaram a canalizar as ações dos manifestantes. No dia seguinte, 7 de agosto, muitas centenas de guardas foram chamados como reforço.
À tarde, foram feitas novas barricadas, mas à violência incontrolada dos dias precedentes sucederam-se ações mais bem organizadas, com pequenos grupos de manifestantes, mais móveis, incomodando as forças de repressão. “Iremos assistir”, precisou um relatório do comissário de polícia ao prefeito do Finistere, “a uma guerrilha feita por grupos de dez jovens que irão atacar simultaneamente muitos pontos.” A noite levou a violência ao auge: todas as lâmpadas da iluminação pública foram destruídas, numerosas barricadas improvisadas estenderam-se pelo centro da cidade, os trabalhadores protegendo-se dos tiros das forças de repressão. Mais um trabalhador morto.
As organizações da Frente Popular tinham dificuldades em encontrar suas marcas. Representantes nacionais da CGT (socialista) e da CGTU (comunista) pediam calma; os jornais de esquerda criticavam os “agitadores” não identificados.
O funeral do primeiro trabalhador vítima da repressão aconteceu em 8 de agosto. “Eu presenciei o seu enterro”, diria mais tarde o militante trotskista André Calvès: “Nenhuma palavra. Sentia-se uma cólera terrível.” [5] Essa calma cheia de cólera só durou algumas horas. Os enfrentamentos seguiram-se por mais dois ou três dias, causando a morte de outro trabalhador, Pierre Gautron, em 10 de agosto de 1934.
Desconforto dos líderes da esquerda
As forças de manutenção da ordem, as autoridades, os líderes da esquerda, todos foram surpreendidos por esses dias sangrentos. Por razões opostas, cada um decidiu, no entanto, denunciar as manifestações e encontrar os culpados pelas revoltas. De acordo com as forças de repressão e as autoridades do Estado, os culpados estavam claramente identificados: principalmente militantes anarquistas, ainda numerosos em Brest, marcada pelo sindicalismo revolucionário, mas também comunistas, embora mais raros na cidade. “A tática dos trabalhadores é de inspiração comunista” e sugere uma “verdadeira tentativa revolucionária”, afirmava o prefeito do departamento.
É verdade que, alguns meses antes, o PCF havia distribuído brochuras chamando à insurreição, como o livro Vers l’Insurrection armée [Rumo à insurreição armada] de Neuberg, que incluía um capítulo sobre a “guerrilha urbana”… No entanto, em maio de 1935, Joseph Stalin havia assinado um tratado de cooperação com Laval, reconhecendo implicitamente a política de defesa francesa e encorajando o PCF a votar os créditos militares. Não era visto com bons olhos os comunistas colocarem em perigo a indústria armamentícia francesa, cuja menina dos olhos, no oeste do país, era o estaleiro de Brest. Quase ao mesmo tempo, o VII Congresso do Komintern [6], consciente de que a chegada de Hitler ao poder, em parte imputável às divisões da esquerda alemã, havia destruído o movimento comunista nesse país, adotou a linha de frente popular.
Um dos delegados franceses no congresso, Marcel Cachin, diretor do jornal comunista L?Humanité, ficou então horrorizado por constatar que a imprensa alemã via nas confusões em Brest a mão de seu partido. O jornal procurou, ao contrário, acalmar os ardores dos manifestantes. Seu redator-chefe, Paul Vaillant Couturier afirmou que nem “a Frente Popular nem os comunistas dos primeiros níveis quebraram vitrines, nem saquearam os cafés, nem arrancaram as bandeiras tricolores.” [7] Não era necessário assustar as classes médias e os radicais apoiando essa explosão de cólera. As organizações da Frente Popular viam o perigo que havia em defender essas manifestações de rua, quando a conquista do poder se daria pelas eleições previstas para alguns meses mais tarde. Seguindo os passos dos comunistas, os jornais de esquerda criticavam os agitadores sem poder identificá-los.
Muitas dezenas de trabalhadores foram presas; sempre prontos a desacreditar qualquer movimento social, os relatórios da polícia criticavam os “tarados” que haviam participado da balbúrdia. Socialistas e comunistas evocavam complôs, seja da extrema direita, seja de elementos incontrolados. Uma comissão parlamentar, que procedeu a uma investigação, não chegou a descobrir os eventuais “agitadores”.
Um pouco como as greves de junho de 1936, dez meses mais tarde, as revoltas de Brest foram antes de mais nada fruto de uma exasperação dos trabalhadores, assim como da esperança de mudança aberta pela Frente Popular. Militantes, assalariados, movidos por um sentimento de injustiça e vítimas de uma repressão sem precedentes, construíram um espaço de contestação de acordo com a tradição das lutas trabalhadoras francesas, mas pouco adequado ao contexto político do momento. Observador atento da vida política francesa, Leon Trotsky deduziu dos acontecimentos de Brest a necessidade de uma organização trabalhadora “de base”, mais adequada a provocar mudanças sociais que uma aliança eleitoral decretada “de cima” [8]. Os militantes libertários também apoiaram essa análise, que condizia mais com seus princípios, e acrescentaram que a ação direta trazia mais perspectivas que uma vitória parlamentar.
Um ano depois, fábricas ocupadas na França
De qualquer modo, era preciso encontrar culpados. Enquanto as autoridades do Estado esforçavam-se por destruir em Brest a militância trabalhadora, as organizações de esquerda buscavam estabelecer uma lista de responsáveis. O militante comunista Paul Valière serviu de bode expiatório. Verdadeiro personagem de romance, orador nato e revolucionário profissional, ele mostrou-se particularmente ativo durante os dias de revolta. Querendo coordenar a ação dos manifestantes, incitando à revolta nos outros estaleiros, Valière estava absolutamente fora da linha do partido. Ele foi acusado de traição, de roubo, de ser um agitador pago pela polícia. Excluído do PCF, seguiu com sua ação de militante em Brest e aproximou-se dos libertários. [9]
As manifestações de Brest espalharam-se para outros estaleiros, como em Toulon, Tarbes ou Lorient, mostrando a combatividade dos trabalhadores numa época em que a ameaça do fascismo e os efeitos da crise econômica fragilizavam um pouco mais a cada dia a democracia e a República. A aposta das organizações da Frente Popular foi privilegiar a ação pelas urnas ? portanto, esperar as eleições de 1936 ? mais do que apoiar um movimento cujo resultado lhes parecia imprevisível. Situação parecida aconteceu novamente com as ocupações das fábricas em junho de 1936, que dessa vez obrigaram o governo de Leon Blum a levar em conta as aspirações sociais dos trabalhadores e o potencial de revolta espontânea das massas. Em Brest, de qualquer forma, as eleições de maio de 1936 elegeram deputado o militante socialista Jean Louis Rolland.
Ao longo dos anos trinta, numerosos intelectuais de esquerda quiseram revelar ao mundo o desejo de revolta do mundo trabalhador. Um dos que o fez melhor foi o escritor comunista Paul Nizan no seu romance Le Cheval de Troie [O Cavalo de Tróia], que apareceu em outubro de 1935, relatando justamente uma manifestação trabalhadora e chamando à Revolução. Alguns meses antes, o escritor, como enviado especial do L’Humanité em Brest