A volta dos que não foram
Ainda que tenha participado de algumas instâncias menores, a França retorna somente agora à Otan, após mais de meio século oficialmente fora. Entre os desafios que tem pela frente estão a integração das ações da Aliança às da União Europeia e a coordenação dos novos membros vindos do Leste
Com frequência, a sede da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é alvo de ameaças. No imenso e desbotado complexo de edifícios situado na periferia de Bruxelas, uma voz dá a advertência pela rede de alto-falantes: “Alerta, antraz!”. As portas de saída são então fechadas, um perímetro de segurança é criado e uma tenda de descontaminação instalada. Bombeiros trajando roupas especiais de proteção contra ataques nucleares, radiológicos, biológicos e químicos entram em ação. Pela segunda vez em algumas semanas, um pacote suspeito foi enviado a um agente. Os funcionários, contudo, parecem indiferentes ao acontecimento: nada é capaz de interromper o fluxo constante de militares e civis nessa Babel que reúne cerca de 40 nacionalidades.
O Estado-Maior da Otan se refugiou nesta sede em 1966, após sua expulsão de Paris. Agora, a perspectiva de um completo retorno da França ao comando militar suscita o interesse e até mesmo certo entusiasmo entre seus dirigentes. “A Otan é objeto privilegiado das paixões francesas”, constata Jean-François Bureau que, antes de ocupar no quadro da organização o posto político mais importante atribuído a um francês – o de secretário-geral adjunto, à frente da divisão para a “diplomacia pública” –, havia exercido em Paris, a serviço de governos tanto de esquerda como de direita, a função de porta-voz do Ministério da Defesa.
Antigo braço armado do “mundo livre”, criado para defender os interesses da superpotência americana, a Otan poderia ter desaparecido no momento da dissolução do Pacto de Varsóvia e do fim da União Soviética, conforme lembra Paul Quilès, ex-ministro da Defesa no governo de François Mitterrand: “Mas os americanos e seus aliados preferiram manter a organização e atribuir-lhe uma série de novas tarefas, ampliando sua esfera de intervenção”, diz1. A principal delas é a luta contra o terrorismo, apresentada pelo atual secretário-geral da Otan, o holandês Japp de Hoop, como “a maior ameaça que pesa sobre a Aliança”.
“No Afeganistão, a Otan está encarando conflitos de uma nova natureza, verdadeiros desafios”, avalia Jean-François Bureau. Assim como a maior parte dos seus colegas, ele se mostra obcecado por essa guerra interminável: “A redução do nível do ‘hiperterrorismo’ e a manutenção da estabilidade são dois fatores inseparáveis nessa região”.
Talibãs, tribos, províncias, eleições, atentados, exército, polícia, drogas e a estabilidade do vizinho Paquistão são os ingredientes daquela que constitui a principal operação militar da Otan. “O palco do Afeganistão”, argumenta Bureau, “é um concentrado dessas ‘novas ameaças’ que obrigam a Aliança a se transformar por completo.”
O palco afegão
Tão logo assumiu suas funções, o presidente americano Barack Obama ordenou uma revisão completa dos arquivos sobre o Afeganistão, dando a impressão que pretende fazer desta a “sua” guerra, enquanto, paralelamente, coordena a retirada das tropas americanas do Iraque. “Nestes tempos em que os recursos estão limitados”, comenta Bureau, “ninguém, nem mesmo os americanos, podem assumir sozinhos o ônus de tais compromissos.”
Durante a visita que efetuou em 10 de março a Bruxelas, o vice-presidente Joseph “Joe” Biden antecipou-se à apresentação da nova estratégia para o Afeganistão a ser proposta por Washington, prevista para ocorrer durante a cúpula de Estrasburgo nos dias 3 e 4 de abril. Naquela ocasião, ele fez um apelo em favor de um “sobressalto civil”, no decorrer de um discurso marcado por uma tônica inovadora. Biden insistiu no fato de que a solução no Afeganistão não poderia ser apenas militar e estendeu-se até mesmo a pormenores, como a quantidade de conselheiros necessária em cada região do país para implementar uma reforma na agricultura. Os novos mandatários americanos também encampam a ideia de colaboração com os “talibãs moderados”, e preconizam o envolvimento do Paquistão, da Ásia Central, da Rússia e até mesmo do Irã no processo de “pacificação” do país. Porém, “tudo dependerá da capacidade dos soldados ocidentais de transferir o controle das operações para o exército local”, analisa um especialista2.
Além da sua intervenção no Afeganistão, a Otan vem conduzindo, desde outubro de 2001, a operação naval “Esforço Ativo”, iniciada na esteira dos atentados do 11 de Setembro. Cerca de 100 mil embarcações foram vigiadas ao longo de oito anos no mar Mediterrâneo, das quais mais de 160 tiveram de se submeter a verificações completas. Segundo seus promotores, essa ação preventiva destina-se a lutar contra as máfias. “Nós estamos tentando dificultar a vida de elementos hostis”, explica um oficial da Marinha. Diversas frotas oriundas de países não membros da Otan, incluindo a Rússia, participaram dessas operações.
Oficializando a reintegração plena da França na Aliança, no discurso de encerramento de um colóquio na École Militaire, em 11 de março de 2009, o presidente francês Nicolas Sarkozy insistiu no fato de seu país pertencer à família das democracias ocidentais: “O seu papel não é se situar a meio-caminho do mundo inteiro, ou seja, em lugar nenhum. A nossa aproximação da Otan consolida a independência nacional, ao passo que o nosso afastamento da Otan, tão alardeado, mas nunca concretizado de fato, limita nossas margens de manobra”. Será este o resultado de uma abordagem mais ideológica do “Sarkozy, o americano”, decididamente próliberal, interessado em virar a página do gaullismo?
Já em 1958, o general Charles de Gaulle havia indicado sua oposição radical aos projetos do então secretário de Estado americano John Foster Dulles, que pretendia implantar um sistema de defesa regional por meio de mísseis de alcance intermediário e armas nucleares americanas, os quais os países europeus teriam de aceitar em seu território. De Gaulle anunciou que a França só aceitaria armas nucleares dos Estados Unidos em seu solo com a condição de poder dispor delas como bem entendesse – o que Washington naturalmente não queria3.
À época, o general queria desenvolver uma política externa ambiciosa, por meio de relações com todos os continentes. Para tanto, propunha uma “terceira via” àqueles que contestavam a hegemonia americana, mas temiam um alinhamento com a União Soviética. Alguns anos m
ais tarde, em 1966, ele tomou a decisão de retirar a França do comando militar integrado e fechar as bases e os escritórios da Otan instalados em território francês.
A opção escolhida por Sarkozy é movida por objetivos radicalmente diferentes. No decorrer das últimas semanas, nas esferas de comando da organização transatlântica, os dirigentes optaram por se mostrar cautelosos, de modo a evitar criar qualquer obstáculo para o retorno do filho pródigo. Aliás, muitos deles minimizavam o alcance da “exceção francesa”, uma vez que na qualidade de quarto maior contribuinte financeiro da Aliança, ela já vem participando de 36 dos 38 principais comitês da Otan, com exceção do Comitê dos Planos de Defesa (DPC) e do Grupo dos Planos Nucleares (NPG). Da mesma forma, generais franceses vêm exercendo postos de comando nos Bálcãs e no Afeganistão desde 2004.
“A França já vinha contribuindo com boas quantias4, e pagava o preço do sangue no Afeganistão. Daqui para a frente, ela poderá também exercer sua influência na tomada de decisões”, comenta um especialista da organização que se diz espantado com o “alvoroço” provocado pela perspectiva de uma reintegração completa. Na opinião de um diplomata, havia sim uma exceção francesa, mas esta era tão-somente política: esse retorno constitui apenas uma “racionalização”, o “fim de uma incoerência”. Politicamente carregado de significados, ele se resume a um pequeno passo a ser dado no plano técnico: é o argumento do “último degrau a ser galgado” – um simples “ajuste”, conforme argumentou o primeiro-ministro François Fillon.
O caminho para esse retorno já havia sido aberto em 1995, na esteira da eleição de Jacques Chirac à presidência da República. Paris havia tomado a decisão de voltar a participar das reuniões dos ministros da Defesa e de reintegrar seus chefes de Estado-Maior no âmbito do Comitê Militar, exercendo com isso seu papel de operador no contexto do aparelho militar da Otan5.
Preocupação alheia
A maior parte dos representantes dos Estados-membros manifestou sua satisfação com o retorno oficial. Contudo, aqueles que haviam apoiado Washington de maneira incondicional, como a Grã-Bretanha e a Polônia, e poderiam legitimamente esperar um “prêmio de fidelidade”, já se mostram preocupados com o espaço que terão de conceder para dar lugar aos oficiais franceses. Especialmente no momento em que começam as negociações para a redução de um quarto do número total dos quadros integrantes da Otan, que deverão passar de 17 mil para 13 mil membros. Mas, será realmente significativa a nacionalidade desses oficiais, cuja função principal, em sua maior parte, consiste em transmitir instruções provenientes do Pentágono?
Para justificar esse retorno completo no âmbito da “família” ocidental, o governo Sarkozy argumenta que a Otan comprovou sua capacidade de gerir crises fora do espaço atlântico. Porém, em Bruxelas, muitos são os que apontam como a Geórgia ofereceu a prova de que “nada pode ser feito se não houver consenso”.
Da mesma forma, por ocasião da cúpula anterior da Otan em Bucareste, na Romênia, em abril de 2008, a França e a Alemanha haviam conseguido dissuadir o presidente George W. Bush de acelerar a incorporação na Otan da Geórgia e da Ucrânia.
Por sua vez, os militares franceses, motivados pela perspectiva de obtenção de empregos de prestígio nos comandos da Aliança para centenas de oficiais de alta patente – “Uma operação no exterior sem risco de morrer no combate”, brincou um especialista em questões de defesa6 – vêm se preparando há mais de dez anos para serem plenamente “compatíveis”: o Estado-Maior de vocação internacional implantado nas dependências de Lille recebeu seu certificado de “High Readiness Force” (HRF, Força de Alta Prontidão) em 2007, e pode comandar até 60 mil homens. Além disso, a maior parte dos procedimentos e dos equipamentos utilizados nas unidades francesas é agora “operável por todos”, ou seja, em adequação com as normas da Otan, assim como a língua única empregada por todos – o inglês!
Em Bruxelas, os militares franceses contam com a perspectiva de que, apesar da crise, a reintegração completa da França no quadro da Otan terá um efeito multiplicador para a indústria europeia de armamento: “Até então, os países do Leste hesitavam em comprar equipamentos franceses por temerem melindrar os americanos”, sublinha um general.
Além disso, nos últimos anos, o atraso tecnológico dos europeus em relação aos americanos não parou de aumentar. Se ele não for recuperado, conforme alerta um coronel, “será preciso aceitar a perspectiva de que o exército americano se torne o único capaz de cobrir todo o leque dos meios e das técnicas de guerra e de segurança, enquanto os exércitos europeus se limitarão ao papel de ‘supletivos’”. Desde já, a força de ataque nuclear britânica encontra-se na mais completa dependência dos seus fornecedores americanos. Além disso, quase todos os Estados da “nova Europa”, antigos clientes da União Soviética, se voltaram para empresas de armamento dos Estados Unidos.
Consciente dos problemas enfrentados pela Europa em matéria de defesa, Paris invoca uma “via pragmática”, segundo os termos empregados por François Fillon: a autonomia viria no decorrer do caminho, à medida que se estabelecer no quadro da Aliança “uma relação mais equilibrada entre os americanos e os europeus, que já se tornaram adultos em matéria de defesa”7. Essas declarações já foram comentadas na sede da Aliança, só que de maneira negativa: “A política europeia de segurança e de defesa [PESD] fracassou: a presidência francesa da União Europeia nada obteve a não ser picuinhas. Os aliados não querem desenvolvê-la fora da Otan. Se vocês quiserem fazer uma PESD que funcione, façam-na dentro da Otan!”.
De fato, essa é a tese dos britânicos, que vêm bloqueando obstinadamente a criação de um centro de comando autônomo da União Europeia e acabam de propor que a Otan retome uma prática abandonada desde a queda do Muro de Berlim: a criação de uma força militar permanente de 3 mil homens que, segundo o ministro britânico da defesa, John Hutton, devolveria a confiança aos países do Leste europeu, os quais se mostram preocupados desde a intervenção do exército russo na Geórgia, em agosto de 2008.
Para o antigo ministro francês das relações exteriores, Hubert Vedrine, não se deve alime
ntar ilusões em relação à defesa europeia: “Aquelas são atividades periféricas e marginais, que não passam de uma terceirização sem importância. É moeda falsa que serve para justificar um realinhamento ocidental puro e simples. Os aliados europeus da França não estão interessados nisso”8. Vedrine se diz preocupado com a possibilidade de que a atitude dos europeus, e agora a de Paris, venha a dar crédito à existência de um “bloco ocidental” dominador. Porém, “com uma maioria de países-membros pertencente às duas entidades, não se pode adotar uma visão ‘x’ em relação à Otan e outra ‘y’ em relação à UE”, analisa um alto executivo da Aliança.
O secretário-geral Jaap de Hoop vem tentando, não sem dificuldades, encontrar modos de discussão “informais mistos entre a UE e a Otan”, onde se cotejem os países que pertencem a ambas, os não membros da União (Islândia, Noruega, Turquia, Estados Unidos, Canadá) e os que não integram a Otan (Chipre, Irlanda, Suécia, Finlândia, Malta).
No que diz respeito ao campo de ação e às missões, existe uma concorrência de fato entre as duas organizações. Alguns argumentam em favor de uma divisão do trabalho: caberia à União Europeia coordenar, por exemplo, as especialidades da polícia, civil ou militar, a luta contra a pirataria, ou ainda as operações na África, e até mesmo o conflito entre Israel e a Palestina, do qual a Aliança prefere, em princípio, manter-se afastada.9 Já a Otan dirigiria as operações militares pesadas.
Mas, “seria uma falta de realismo”, sublinha o Livro Oficial francês sobre a Defesa e a Segurança, “querer reservar para a Otan as operações de forte intensidade, e para a União Europeia os conflitos considerados de baixa intensidade, tais como a estabilização ou reconstrução de um país arrasado”10.
Outro eixo importante é o da ampliação política através da integração de Estados do Leste. Fundada em 1949 por 12 países, a Aliança conta atualmente 26 membros, os quais em breve passarão para 28. “Onde isso irá parar? Ninguém sabe”, comenta uma assessora do secretário-geral. “Trata-se de uma Aliança de valores. Todo pedido deve ser considerado.” A Albânia e a Croácia já têm assento no Conselho Atlântico, na qualidade de membros convidados, o que constitui a última etapa antes da sua incorporação. Será mesmo sensato seguir aumentando a Aliança dessa forma, quando se sabe que isso aumenta o risco da obrigação de envolver um número grande de países na defesa de um deles?
Em Bruxelas, os dirigentes negam a ampliação, de maneira constante e irrestrita, de seu raio da atuação: “Nós jamais iríamos nos atrever a querer tomar o lugar das Nações Unidas”. Aliás, todas as missões, exceto a “Esforço Ativo” no Afeganistão, têm sido executadas sob mandato do Conselho de Segurança da ONU, explicam. Contudo, em 23 de setembro de 2008, Ban Ki-Moon, o secretário-geral das Nações Unidas, e Jaap de Hoop assinaram discretamente um acordo pelo qual a Aliança adquiriu estatuto de co-responsabilidade na manutenção da paz mundial. Já nos anos 1990, na esteira da crise iugoslava, a ONU havia feito da Otan seu “braço armado”, sem levar em conta a dependência da organização em relação aos Estados Unidos.
Espaço restrito
Interessada em provar sua utilidade, por meio da ampliação das suas missões (envio de corpos expedicionários, operações de controle de áreas e de ajuda humanitária em caso de catástrofe etc.) e da sua alçada territorial (estendendo suas ações até a Ásia Central e do Sul), a Aliança se considera “prestadora de serviços militares” em prol da ONU e comemora a explosão desta “parceria” nos Bálcãs e no Cáucaso, além do Magreb, dos emirados do Golfo e “até mesmo da Colômbia e de Cingapura, que se juntaram a nós no âmbito da Força Internacional de Assistência e de Segurança, no Afeganistão!”
“As portas estão abertas para todo mundo, exceto para a Rússia!”, se queixa, por sua vez, Dmitri Rogozin, o representante permanente de Moscou junto à Otan, que também possui um escritório na sede de Bruxelas. Ele considera como “péssima surpresa” a série de mudanças que conduziu muitos países fronteiriços da Rússia a aderir à Aliança. “Para nós, a Otan é um bloco militar estrangeiro que, além de tudo, tende a meter o bedelho nos problemas políticos internos dos países”, insiste o diplomata russo, para quem a cúpula de Bucareste, em abril de 2008, havia dado uma espécie de sinal verde à Geórgia para que ela solucionasse pela via militar seu conflito com a Ossétia do Sul.
“Quem decide que a Ucrânia é candidata [à incorporação na Otan]? O presidente? A sua mulher?”, ironiza Rogozin, que afirma com malícia que não mais que 25% dos ucranianos seriam favoráveis à integração de seu país à Otan, ou seja, menos, segundo ele, do que os próprios russos, com 35%! Segundo ele, a Otan “acabou entendendo finalmente que é impossível solucionar qualquer problema no âmbito do espaço euro-atlântico, sem Moscou”. Convencido de que os ocidentais buscam cercar a Rússia, o presidente Dimitri Medvedev prometeu, em 17 de março, um “rearmamento em grande escala”.
“A Otan não considera a Rússia como inimiga”, insistem os dirigentes na sede da Aliança. Todos eles temem que se instaure uma bipolarização negativa, como no tempo do enfrentamento entre o Leste e o Ocidente: “Trata-se de um interlocutor difícil, com quem o diálogo vem sendo restaurado aos poucos depois do esfriamento consecutivo à crise georgiana. Entretanto, está fora de cogitação conceder-lhe direito de vistas sobre a questão da integração de novos países na Otan”. No início de março, a nova secretária de Estado americana, Hillary Clinton, aprovou a retomada de relações formais com a Rússia, que estavam suspensas havia seis meses. No mesmo dia, o embaixador russo Rogozin não escondia seu orgulho, em Bruxelas, ao anunciar que Moscou autorizava a passagem pelo seu território de um primeiro trem levando material americano destinado às tropas da Otan no Afeganistão.
Entretanto, muitos temem que um retorno da Rússia à esfera de influência da Otan – o qual é considerado inútil no pior dos casos, e, no melhor, prematuro – equivalha a abandonar a especificidade
diplomática da França, o papel de mediadora que ela ainda poderia pretender exercer. Quatro antigos primeiros-ministros franceses, tanto de direita como de esquerda – Laurent Fabius, Alain Juppé, Dominique de Villepin e Lionel Jospin – manifestaram-se contrários a essa possível aproximação russa.
Por enquanto, as vantagens obtidas por Paris com a atribuição de dois altos comandos também são objeto de debate. Colocada à frente do Comando Estratégico da Transformação das Forças da Otan (ACT), baseado em Norfolk – o primeiro do qual os americanos abrem mão em 60 anos –, a França deverá ser encarregada da “transformação”, palavra-chave que resume um aspecto essencial da ideologia da Otan desde a queda do Muro de Berlim. Uma diplomata explica que se trata de preparar os exércitos a “passar do estático para o expedicionário”: “A função e objetivo principal continua sendo a segurança coletiva, o que é definido pelo Artigo 5. O que mudou foi a ampliação do raio de ação para além das fronteiras”.
O comando de Norfolk deverá se empenhar igualmente na elaboração do novo conceito estratégico da Aliança, que precisa ser capaz de levar em conta “a incerteza estratégica” e as novas ameaças (terrorismo, cibercriminalidade, pirataria, armas químicas ou biológicas etc.), assim como a proteção antimíssil, ou ainda a articulação e o entrosamento das atividades com a União Europeia.
Por sua vez, o comando de Lisboa, que seria também outorgado a um francês, é apenas um dos nove Estados-Maiores regionais da Aliança: dotado inicialmente de um contingente de 50 mil homens, ele está encarregado da Força de Reação Rápida (NRF), cujos objetivos acabam de ser reduzidos pela metade, por falta de meios.
Claro, nem tudo mudou: é evidente que os americanos conservam o comando supremo das forças aliadas na Europa (Saceur), no quartel-general de Mons, na Bélgica.
*Philippe Leymarie é jornalista da Radio France Internacionale.