Afirmação incerta
Quinze anos depois da independência, a identidade bielo-russa ainda luta para se consolidar. A maior dificuldade está na influência russa, construída durante o enfrentamento comum contra o nazismoAlexandre Billette, Jean-Arnault Dérens
A redação da revista Nacha Niva, no centro de Minsk, parece mais uma colméia onde se reúnem todos os atores do movimento nacional bielo-russo. Estudantes assistem um curso noturno da Universidade Popular (proibido pelas autoridades), enquanto voluntários encadernam exemplares da revista: como todos os veículos da mídia independente, o jornal foi excluído do sistema público de distribuição da imprensa. “Dezesseis jornais foram proibidos. Quase todos eram escritos na língua bielo-russa”, explica Andreï Dynko, o jovem redator-chefe da revista.
A política de promoção da língua e da identidade nacionais, conduzida após a queda da União Soviética, foi suspensa desde que Alexandre Lukachenko chegou ao poder. Foi ele quem devolveu à língua russa o status de “segundo idioma oficial do Estado”, ao lado do bielo-russo [1]. Contudo, esta igualdade é totalmente fictícia. Se algumas inscrições oficiais são bem redigidas em bielo-russo, todas as mídias públicas e órgãos administrativos empregam somente o russo, que domina sem disputa a vida pública e social, ao menos nas grandes cidades.
Além de tudo, Lukachenko, que se expressa usando um russo cheio de nuances do bielo-russo, explicou que somente duas línguas seriam capazes de se adaptar ao mundo contemporâneo: o russo e o inglês.
A situação da Escola Bielo-russa é emblemática desta realidade. Surgido em novembro de 1990, este estabelecimento alternativo teve origem em uma rede de cursos dominicais que começaram a ser oferecidos mais ou menos clandestinamente nos anos 80, permitindo que todos aprendessem ou melhorassem o domínio da língua. Sob direção de Uladzimir Kolas, este sistema paralelo passou a gozar de um renome bastante superior ao número de estudantes inscritos. Sua reputação era tamanha que o Estado convocou os professores a publicar manuais escolares em língua bielo-russa. Dois meses após sua eleição, Lukachenko tomou a decisão de baixar um primeiro decreto para a área da educação. Sem maiores explicações, o presidente queria proibir todos os manuais escolares em bielo-russo publicados após 1991. O poder foi obrigado a recuar sobre esta questão: não havia livros suficientes da época soviética para que fosse possível aplicar efetivamente a arbitrariedade pretendida.
Apesar das várias manifestações dos professores, pais e estudantes das escolas, sustentados por um grande número de intelectuais bielo-russos, a instituição foi fechada em junho de 2003. “Amargamos de seis meses a dois anos de prisão por participação em uma associação não registrada. Mas decidimos persistir nesta aventura”, explica um responsável pelo colégio. Sem local para funcionar, a escola viveu dois anos letivos difíceis: os cursos aconteciam em apartamentos privados, discretamente transformados em salas de aula improvisadas. Este ano, a escola aluga uma pequena casa na periferia, bem distante do centro de Minsk. Professores e estudantes têm de enfrentar horas de trajeto para chegar escola. Apesar das dificuldades, “estamos aqui para estudar na nossa língua”, explica um aluno.
Um passado de dominações
Quinze anos depois da independência, a identidade bielo-russa ainda tem dificuldades para se afirmar. Localizado na encruzilhada dos Impérios, o território bielo-russo pertenceu, durante a Idade Média, ao Grande Ducado da Lituânia; e depois à “Rzeczpospolita”, república nobiliárquica lituano-polonesa formada no século XVI. O império dos czares pôs as mãos sobre a Bielo-Rússia, graças às três divisões do território da Polônia, em 1772, 1792 e 1795. O país passou, então, a sofrer uma intensa russificação.
No fim do século XIX, nasceu um movimento nacional bielo-russo. Essencialmente cultural, ele se inseriu no quadro dos nacionalismos românticos europeus. Durante a I Guerra Mundial e a guerra civil russa, a Bielo-Rússia foi um campo de batalha que não conseguia ser afirmar como um ator autônomo, apesar da breve experiência como República Popular Bielo-russa Independente, em 1918-1919. O Tratado de Riga (1922) dividiu a Bielo-Rússia entre a Polônia e a URSS. Após o pacto germano-soviético de 1939, a URSS recuperou a Bielo-Rússia ocidental, antes que o país sofresse a invasão alemã, em 1941.
A redescoberta de identidade foi valorizada nos primeiros anos da independência. Mas uma parte importante da opinião pública não aderia a este projeto nacional, considerado incerto demais
Em 1945, a Republica Socialista Soviética da Bielo-Rússia era um país devastado, com a infra-estrutura e cidades destruídas. Um elemento essencial da sociedade havia sofrido particularmente: a população judia, largamente majoritária antes da guerra na maioria das cidades, como Minsk, Grodno ou Vitebsk, a cidade natal do pintor Marc Chagall. As terras bielo-russas encontravam-se na “zona de residência” onde o império czarista tolerava a presença judia. Com a quase desaparição da população judia, perdeu-se também boa parte da história a da cultura nacional.
De 1945 a 1990, a Bielo-Rússia conheceu um desenvolvimento econômico rápido e uma intensa industrialização. A russificação se deu sem que os dirigentes comunistas locais tentassem resistir a este fenômeno, enquanto a sovietização das cidades e do campo acabava de destruir a paisagem tradicional. A língua e a cultura bielo-russas, oficialmente protegidas, estavam, na verdade, confinadas em um espaço puramente folclórico.
Os movimentos dissidentes que apareceram nos anos 80, sobretudo após a catástrofe nuclear de Tchernobyl (1986), da qual a Bielo-Rússia foi a primeira vítima [2], utilizavam de bom grado as referências nacionalistas bielo-russas, notadamente por se distinguir da Rússia e re-vincular a identidade do país a um espaço centro-europeu. Esta redescoberta de identidade foi valorizada nos primeiros anos da independência, mas uma parte importante da opinião pública não aderia a este projeto nacional, considerado incerto demais. A chegada de Lukachenko acabou de quebrar o movimento.
As ambiçõs de Lukachenko
Na verdade, o presidente cultiva mais uma nostalgia da época soviética do que o nacionalismo russo. “Lukachenko quer se apresentar como uma alternativa a Putin. Sonha em ser o chefe de um novo grande Estado que reúna dois países. O objetivo não é que a Bielo-Rússia seja reduzida à posição de simples província russa. O projeto de união com a Rússia deve ser compreendido dessa maneira”, explica Liolik Uchkine, cronista da Nacha Niva. Nestes últimos anos, o discurso do poder sofreu uma nítida inclinação. A união política com a Rússia parecendo impossível, as autoridades valorizaram a experiência do Estado Bielo-russo e a posição específica do país que não seria “nem a oeste, nem a leste”. Diversas novelas de televisão se dedicaram a retratar a Idade Média.
A nostalgia soviética abriga, entretanto, a principal força ideológica do regime. Ela se enraíza na experiência maior que representa a II Guerra Mundial e o combate de partisans bielo-russos que coordenavam a resistência nas zonas ocupadas. Este tema tem um eco real no país, onde os veteranos de batalha são ainda numerosos e também onde as referências de identidade bielo-russas são pouco enraizadas. Por exemplo, não existe igreja ortodoxa bielo-russa independente e o arcebispo Filaret de Minsk, antigo deputado no Soviete Supremo da URSS, permanece fiel ao patriarcado de Moscou, assim como o regime de Loukachenko.
Contudo, Andreï Dynko retoma com esperança o exemplo do país vizinho, a Ucrânia. “Há dez anos, ninguém falava ucraniano nas ruas de Kiev, que hoje é uma cidade predominantemente ucranofônica, graças a uma política específica de promoção da identidade nacional.” Para ele, a Ucrânia e a Bielo-Rússia são nações ainda imaturas, e a construção nacional caminha junto da democratização. “A ’revolução laranja’ do outono de 2004 foi uma revolução nacional que permitiu à Ucrânia refundar sua identidade. O regime de Lukachenko representa, talve