Agora pode desmatar a Amazônia?
Os danos ao meio ambiente são entendidos como um efeito colateral, um resultado inevitável do progresso. O Senado, neste caso, destrói o que são as defesas do interesse comum e valida a exploração predatória dos recursos naturais, atuando em defesa dos interesses empresariais
Há neste momento todo um debate sobre a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, focado na possibilidade ou não da exploração do petróleo na Margem Equatorial do Rio Amazonas. Mas a questão vai muito mais além. O que está em pauta é o modelo de desenvolvimento e o papel do Estado como regulador e fiscalizador das leis que protegem o meio ambiente e o interesse comum. Com a lei aprovada, Ibama, ICMBio, Funai e Ipam saem fragilizados, com muitas de suas competências esvaziadas ou transferidas para governos estaduais e municipais.
A bancada ruralista, apoiada pela Confederação Nacional da Indústria e várias outras associações que envolvem empresas que operam em áreas como infraestrutura, transportes, energia e mineração, impôs a aprovação do PL n. 2.159/2021 no Senado, na quarta-feira (21/5), por uma votação expressiva: 54 votos a favor e 13 contra. Catorze senadores se ausentaram da votação. Os governadores dos estados do Norte orientaram suas bancadas a votar pela aprovação do projeto de lei. Todos querem se beneficiar dos royalties e do crescimento econômico da região graças a essa nova atividade extrativa. Os danos ao meio ambiente são entendidos como um efeito colateral, um resultado inevitável do progresso. O Senado, neste caso, destrói o que são as defesas do interesse comum e valida a exploração predatória dos recursos naturais, atuando em defesa dos interesses empresariais. Reservas indígenas, comunidades quilombolas, populações ribeirinhas e tradicionais são entendidas como obstáculos ao desenvolvimento.

Já o agronegócio festeja o resultado, uma vez que não será mais necessário o licenciamento ambiental para suas iniciativas de expansão da área de cultivo ou de criação de gado. A nova lei prevê para esses casos que basta uma autodeclaração de que cumpre as leis. O resultado esperado é o aumento brutal da grilagem e dos incêndios em matas nativas. É a liberdade de mercado que reivindicam.
Foi só o Ibama, em abril, embargar 70 mil hectares de terras onde houve desmatamento ilegal e multar os proprietários das fazendas responsáveis, proibindo que tivessem acesso ao financiamento do Plano Safra, que a máquina política do agronegócio se mobilizou. Entre outras iniciativas, o governador do Pará, Helder Barbalho, foi convocado pelos ruralistas para negociar com o governo federal.
Numa articulação com as bancadas parlamentares do Norte do país, que querem a exploração do petróleo na Margem Equatorial, os ruralistas resgataram um PL de 2021 e o aprovaram no Senado com uma rapidez inusitada. Se a Câmara dos Deputados aprová-lo também, não haverá mais impedimento para a grilagem e o fogo. O espaço está aberto para que se aprove a barbárie. Na prática, a voracidade dos empresários se impôs sobre o interesse comum.
O respeito aos direitos sociais e políticos, políticas sociais amplas e efetivas, um sistema político e jurídico voltado à ampliação da democracia e à redução da desigualdade e da pobreza, a busca pela sustentabilidade ambiental – tudo isso cai por terra. Controladas pela direita, pelos donos do dinheiro, as instituições democráticas estão cada vez mais distantes das expectativas das maiorias, e a correlação de forças no Parlamento não ajuda a defesa de direitos. São os limites da participação política em uma institucionalidade desenhada para garantir a maioria aos donos do dinheiro.
Os movimentos sociais, os trabalhadores organizados, as greves e as passeatas pressionaram o processo constituinte para assegurar e ampliar direitos na Constituição de 1988. Os setores conservadores contra-atacaram e, especialmente depois do golpe parlamentar de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff, pressionam continuamente para cortar o orçamento das políticas sociais, congelar o salário mínimo, precarizar a Previdência. Agora eles têm maioria. Defendem o Estado mínimo. Acusam os governos de corrupção. Criticam o sistema. Privatizam as empresas públicas. Transformam educação e saúde de bens públicos em mercadoria. E, com uma política de comunicação que trabalha há décadas a doutrina neoliberal, vão ganhando adeptos no mundo popular e fazendo alianças, como com as igrejas neopentecostais. Seu objetivo declarado é combater o mal, isto é, os setores democráticos, progressistas, de esquerda, a imprensa contra hegemônica e independente, o PT, Lula.
Os donos do dinheiro não querem tributos sobre sua riqueza e sua renda. Preferem reafirmar o abismo social que os obriga a morar em condomínios fechados. E aí se afirma um impasse: se a democracia não é capaz de minimamente redistribuir a riqueza social para atender a necessidades básicas das maiorias, então ela não serve mais para canalizar as tensões políticas. O conflito transborda, o crime organizado avança, mobilizações fascistas passam a ter espaço na sociedade, a democracia fica ameaçada.
A desigualdade e a pobreza se ampliam em todo o mundo, não sendo uma particularidade do Brasil. O modelo de desenvolvimento capitalista ataca e destrói a natureza por toda parte. E é preciso enfrentar essa questão.
“Tem ficado cada vez mais claro que a inclusão, a equidade e uma alta qualidade de vida não podem ser plenamente resolvidas por meio das soluções de mercado. Para que o crescimento seja equitativo, o capitalismo como o conhecemos não pode ser mais a força dominante para a melhoria econômica.”[1]
Uma sociedade não pode ser mais governada para atender os interesses das empresas, sacrificando as grandes maiorias e extraindo delas a riqueza que acumulam. Questionar esse modelo de governança é questionar o próprio capitalismo. Essas questões estruturais se atualizam nas conjunturas, abrindo a cada passo novos horizontes.
As eleições de 2022, por estreita margem de votos, garantiram a continuidade da democracia e, mesmo com a tentativa de golpe de Estado que se seguiu à posse de Lula, ela se manteve como regime político. Mas a estratégia de criação de um amplo arco de alianças para enfrentar o fascismo cobra seu preço. Há setores do governo, vários ministérios, que apoiam a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
Há ainda um caminho a percorrer para a validação e implementação dessa lei. Ela precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados, e seu presidente, Hugo Motta, expressa o desejo de vê-la ratificada ainda em junho. Mas os protestos e a resistência não vêm somente dos ambientalistas – até o Ministério do Meio Ambiente anuncia que vai judicializar sua aprovação. Vai propor sua inconstitucionalidade e levar a questão para o Supremo Tribunal Federal.
Se a correlação de forças dentro da Câmara dos Deputados favorece os que querem o desmatamento da Amazônia, as manifestações públicas da cidadania perante os deputados federais são a forma de resistência para impedir que isso aconteça. Essa resistência talvez seja a melhor contribuição da cidadania brasileira para a COP30.
[1] Keyu Jin, A nova China – Para além do socialismo e do capitalismo, Edipro, São Paulo, 2024, p.256.