Ainda estamos aqui!
Ainda Estou Aqui, lançado em 2015, é um livro que deve ser lido, relido e debatido em todos os cantos do país. E muito mais após a última década, quando pessoas saíram às ruas para pedir a volta do regime de exceção
Após confirmar-se a vitória no Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, Ainda Estou Aqui, consagra-se como uma obra literária e fílmica indispensável para conhecer mais um dos piores períodos de nossa história.

O livro do jornalista Marcelo Rubens Paiva é um relato pessoal, vivo, orgânico de alguém que viveu o período ditatorial no país. Em uma linguagem que ora parece intimista, ora de um livro histórico, Marcelo nos faz conectar com suas memórias mais tristes pelo desaparecimento do seu pai, o ex-deputado federal, Rubens Paiva. Mas também é um momento de tristeza quando relembra a luta de sua mãe Eunice Paiva pela solução da morte de seu marido.
Memórias que vão. Memórias que se perdem. Refazem. E memórias que nunca mais serão as mesmas. O luto, a morte não resolvidos, a tensão gera uma doença que faz esquecer. O Alzheimer. Um presente melancólico que se desconecta de um passado trágico. E uma mãe, Eunice, que já não lembra do filho, Marcelo.
Embora o livro pareça um relato pessoal, é também uma fonte de pesquisa histórica sobre o período da ditadura militar. As memórias de Marcelo se envolvem em uma trama documental que mostra como o regime de exceção caçava qualquer tipo de pessoa que não se enquadrava nos padrões de bom cidadão. Ele diz que “Todo mundo que era contra a ditadura era comunista. Todos se tornaram suspeitos, subversivos em potencial. O comunista estava na fronteira, atrás da porta, na sombra, na igreja, na escola, no cinema, no teatro, na música (…)” (Paiva, 2015, p. 90).
Como a ditadura conseguia controlar seus opositores? Como conta no livro: com tortura. Não precisava de juízo legal para prender suspeitos de “Revolução”. Eles torturavam ao som de Jesus Cristo, de Roberto Carlos, nas imediações militares. E quando convinha, isto é, tal como ocorreu com Rubens Paiva, criavam narrativas para esconder seus crimes cometidos.
E nessa trama de registros históricos e memórias do passado, Marcelo consegue transitar sua narrativa entre o passado de um acontecimento não solucionado e o presente em busca da verdade. E nós, leitores, esperamos ansiosamente pela solução justa: a denúncia dos criminosos e o reconhecimento de que o estado brasileiro cometeu crimes contra o deputado federal Rubens Paiva.
Ainda Estou Aqui, lançado em 2015, é um livro que deve ser lido, relido e debatido em todos os cantos do país. E muito mais após a última década, quando pessoas saíram às ruas para pedir a volta do regime de exceção, inclusive, buscaram apoiar uma tentativa de golpe contra as instituições democráticas no último 8 de janeiro de 2023.
A vitória no Oscar só consagra aquilo que está presente no livro: não há espaço para regimes antidemocráticos no Brasil. E nós, cidadãos, que nascemos sob a égide da Constituição de 1988 devemos lembrar diariamente que assim como Eunice Paiva, nós estaremos aqui, vigilantes, contra o esquecimento das atrocidades cometidas aos direitos humanos no país entre 1964 e 1985.
Danilo Sorato é professor de História e Relações Internacionais. Doutorando em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisador do Laboratório de estudos sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB/UFF) e Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e do Planejamento Espacial Marinho (CEDEPEM/UFF/UFPel). Escreveu diversos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre as relações internacionais do Brasil, em especial os governos Temer, Bolsonaro e Lula.
Referências Bibliográficas
PAIVA, Marcelo Rubens. Ainda Estou Aqui. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2015.