Ajustes nos custos de produção. A solução? Baixar os salários
A camisa de força macroeconômica da União Europeia não permite outra perspectiva além do dumping salarial organizado. Em um momento em que a negociação coletiva e o aumento salarial parecem impossíveis no quadro legal europeu, o foco das negociações passou a ser a redução da remuneraçãoAnne Dufresne
(Diante da Bolsa de Valores de Paris, sindicalistas protestam, no dia 18 de janeiro de 2012, por emprego e salário)
Abril de 2010. A Troika, composta da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do FMI, intervém nos processos de negociação coletiva grega. Ela exige uma redução dos salários do setor público em cerca de 25%, assim como a diminuição do salário mínimo. Em junho de 2010, o mesmo trio lança um dispositivo especial para pressionar o governo romeno a “adotar uma legislação trabalhista revisada e uma legislação sobre a negociação coletiva com o objetivo de reduzir o custo da contratação e melhorar a flexibilidade dos salários”.1 No dia 7 de junho de 2011, a Comissão Europeia solicita à Bélgica que reforme seu sistema de indexação salarial porque nesse país “o custo unitário da mão de obra aumentou mais rápido que nos países vizinhos”.2 Grécia, Romênia, Bélgica… Há alguns meses, Bruxelas colocou a questão salarial no centro da estratégia de resolução da crise que assola a Europa. Em outras palavras, passou a pressionar as autoridades nacionais a reduzir os salários. O Tratado de Maastricht, em vigor desde 1º de novembro de 1993, estipula, contudo, que “a Comunidade não brindará apoio ou auxílio às atividades dos Estados-membros em termos de remuneração” (artigo 2.6) – cláusula renovada no Tratado de Lisboa.
Apesar de a questão dos salários ter sido excluída das prerrogativas da Comunidade Europeia (CE), as contingências impostas pela União – do controle dos déficits ao controle da dívida – tinham como finalidade, em parte, garantir a “moderação salarial”. Essa diretriz foi tomada a distância, sem intervenção direta. Não é o mesmo, segundo o presidente da CE, a recente evolução da ação de Bruxelas não é uma brincadeira. “O que acontece atualmente é uma revolução silenciosa, passo a passo, em direção a uma governabilidade econômica mais sólida. Os Estados-membros aceitaram – e espero que tenham compreendido bem – conceder às instituições europeias poderes importantes em matéria de fiscalização”,3 afirma José Manuel Barroso.
Os governos uniram-se para adotar, na escala europeia, uma política comum de regressão salarial. O Pacto Euro-plus, firmado em março de 2011, acelera a desmobilização dos modelos de negociação coletiva. Para além de limitar as dívidas e déficits públicos – que deseja ver inscritos na legislação de cada país –, a União Europeia intervém nas negociações nacionais para impor sua concepção de disciplina salarial. Em outras palavras, “o pacote sobre a governabilidade econômica” (six-pack) de outubro de 2011 confere ao pacto – um simples acordo político entre Estados – o peso de contingência jurídica.
Esse dispositivo, que contém seis legislações europeias, foi adotado em caráter de urgência e com toda discrição. Pilotado pela Direção-Geral de Negócios Econômicos e Financeiros (DG Ecfin), por ministros da Economia e pelo BCE, prevê um “plano de bordo” em caso de “desequilíbrio macroeconômico” ou “falta de competitividade”, considerada muito importante para Bruxelas. Se um país não se conforma com as recomendações, torna-se sujeito a sanções financeiras. Em matéria de salários, o indicador definido como limite dessa arquitetura não tem nada de trivial: privilegiou-se o custo unitário da mão de obra (Cumo) em vez de discutir que parte das riquezas nacionais é revertida em remuneração.4 Enquanto o primeiro indicador reflete a evolução dos salários em relação ao resto da União Europeia, o segundo analisa a distribuição das riquezas entre trabalho (salário) e capital (lucro). O argumento da “competitividade” pouco disfarça a natureza do projeto: uma intensificação da concorrência entre os assalariados europeus em uma União Europeia cujos idealizadores afirmavam que ela favoreceria a cooperação entre seus membros perante o cenário internacional.
O modelo alemão
Nesse contexto, surge um novo modelo econômico: a Alemanha, cujas reformas, realizadas por Gerhard Schröder (1998-2005), transformaram-se em paradigma de modernidade. Em 30 de março de 2010, Christine Lagarde, então ministra da Economia francesa, observava: “A Alemanha cumpriu um excelente trabalho ao longo dos dez últimos anos ao melhorar a competitividade e exercer uma forte pressão sobre os custos da mão de obra”.5 Pouco depois, Jean-Claude Trichet, que então ocupava o cargo de diretor do BCE, reforçava essa visão: “As empresas alemãs souberam adaptar-se rapidamente à globalização. […] O fato de estarem atentas aos custos de produção e empreenderem reformas para tornar a economia mais flexível serve como exemplo a todos os seus vizinhos”.6
Contudo, se Schröder foi rapidamente tachado de “camarada dos patrões”, é porque sua batalha pela competitividade resultou em uma derrota social. A estratégia alemã de desinflação competitiva – crescimento da competitividade das exportações pela redução dos salários – constitui um perfeito contraexemplo de cooperação europeia.7 No fim da década de 1990, a Alemanha justificou essa política pelo desequilíbrio da balança comercial e pela perda da eficácia de sua economia logo depois da unificação; hoje, os indicadores privilegiados pela ortodoxia em vigor saíram do vermelho e passaram ao verde.
Interdependência
Ao apresentar a Alemanha como um modelo de solução para a crise, muitos omitem que Berlim consegue vender seus produtos porque seus parceiros os compram.8 As exportações alemãs dependem, portanto, do consumo de outros países da região, ela mesma tributária do poder de compra de suas populações. Dito de outra forma: os déficits comerciais de alguns condicionam os excedentes de outros, a tal ponto que, para o economista e editorialista do Financial Times, Martin Wolf, a superação da crise atual implica que, nesse âmbito, “a Alemanha se faça menos alemã”.9 Apesar disso, os oráculos de Bruxelas não retrocedem na mensagem: as capitais europeias são convidadas a imitar Berlim – o que significa consolidar uma dinâmica que já se estabelecia desde a década de 1980.
Nessa época, o Sistema Monetário Europeu (SME) impôs a seus membros uma política de vinculação ao Deutsche Mark e a submissão à dupla ortodoxia monetária e orçamentária ditada pelas autoridades monetárias alemãs. Naquele momento, diferentes medidas permitiram aos Estados melhorar seus custos relativos de produção, entre elas a desvalorização da moeda (a partir de estratégias sobre as taxas de câmbio) e a desinflação competitiva (a partir de estratégias sobre os salários, fiscalização etc.). No início da década de 1990, os critérios de ajustes estruturais impostos pelo Tratado de Maastricht consagraram a opção por uma coordenação liberal das políticas econômicas, resultante das relações de força entre os grandes países.
Enquanto a França reivindicava a moeda única como garantia de integração europeia diante de uma Alemanha novamente unificada, o chanceler Helmut Kohl impunha, em troca, o modelo alemão de banco central e sua obsessão anti-inflacionista. O modelo fiscal da zona do euro estabelece que o déficit público não deve passar de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), e a dívida pública, de 60% do PIB. Os governos devem visar um “grau elevado” de estabilidade dos preços (ou seja, garantir “uma taxa de inflação que não ultrapasse em 1,5% a taxa média dos três Estados-membros que apresentam os menores índices de inflação”). Nesse cenário, as remunerações não são objeto de qualquer medida direta.
Em 1999, o nascimento do euro marcou um ponto de virada:10 a moeda única impedia aos Estados qualquer desvalorização ou outras estratégias sobre as taxas de câmbio para otimizar os custos relativos de produção – situação que resultou na pressão constante sobre o poder de compra dos trabalhadores europeus.
Durante esse período, as políticas de negociação coletiva conheceram uma transformação fundamental e se tornaram profundamente defensivas. Sob a pressão das reestruturações em curso e do aumento do desemprego em massa, muitos dos sindicatos europeus (os alemães na liderança) revisaram e flexibilizaram suas reivindicações. Ao negociarem sob a ameaça de prejudicar a competitividade nacional, a prioridade passou a ser, em vez do aumento salarial, a conservação do emprego.
A longa série de acordos empresariais que aumentam a carga horária em troca da garantia da manutenção dos postos de trabalho ilustra a tendência de desvalorização da negociação setorial em toda a Europa, como o caso da Siemens (Alemanha) em 2004 ou da Bosch (França) em 2005. A extensão da jornada de trabalho equivale a uma redução nos custos da mão de obra. “A Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) considerava que a moderação salarial era uma contingência necessária em um período de forte desemprego (12% a 13% na Europa)”, conta Jean Lapeyre, secretário-
-geral da organização na época. “Pensávamos que deveríamos fazer esse esforço em nome do emprego. […] Ademais, sentimos que fomos traídos e enganados pelos empregadores, pois a parte salarial não parou de regredir e as condições de contratação não melhoraram.”11
Nesse cenário, a própria natureza do salário alterou-se. Antes objeto de deliberação política por excelência, a remuneração tornou-se um fator ordinário de pressão inflacionista ou de melhoria da competitividade – processo que esvazia a discussão crucial sobre a distribuição de renda.
No contexto da União Europeia, os atores econômicos que se ocupam da questão criam um impasse em torno do papel da esfera política na escolha das opções econômicas. Segundo eles, os parceiros sociais – convocados a serem “responsáveis” – deveriam ter como única ambição facilitar a aplicação das diretrizes econômicas: “Os parceiros sociais deveriam seguir demonstrando responsabilidade e negociar com os Estados-membros acordos salariais regidos pelos princípios gerais que orientam as políticas econômicas”.12
Em Bruxelas, a questão salarial foi excluída do âmbito social e projetada no âmbito das políticas econômicas comuns. A camisa de força macroeconômica da União Europeia não permite outra perspectiva além do dumping salarial organizado. Em um momento em que a negociação coletiva e o aumento salarial parecem impossíveis no quadro legal europeu, o foco das negociações passou a ser a redução da remuneração. Esse processo flui como se não fosse possível imaginar uma coordenação das negociações para reivindicar o aumento salarial, a ferramenta por excelência dos representantes dos trabalhadores na luta pela distribuição da riqueza.
BOX:
Uma década de derrota social na Alemanha
“Criamos um dos melhores setores de trabalho a baixo salário da Europa”, felicitava-se o socialista Gerhard Schröder em 2005, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos. Desde 2003, as políticas de flexibilização do mercado de trabalho (Lei Hartz) empobreceram consideravelmente a Alemanha. O trabalho temporário tornou-se regra, o seguro-desemprego vinculado ao salário foi suprimido e surgiram os “minitrabalhos” (empregos flexíveis que pagam 400 euros por mês). Em 2011, 40% dos trabalhadores alemães foram recrutados com contratos precários e 6,5 milhões eram empregados “a baixos salários” (menos de 10 euros por hora).1 As negociações coletivas também se tornaram muito vulneráveis. De todos os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Alemanha é o que teve a mais lenta progressão de salários entre 2000 e 2009. Em termos reais (considerada a inflação), as remunerações nesse país baixaram 4,5%, enquanto na França e na Finlândia cresceram, respectivamente, 8,6% e 22%.2 (A. D.)
1 Para mais detalhes, ler Bispinck Reinhard e Schulten Thorsten, “Trade union responses to precarious employment in Germany” [Respostas sindicais ao trabalho precário na Alemanha], WSI-Diskussionspapier n.178, dez. 2011.
2 Organização Internacional do Trabalho (OIT), “Relatório mundial sobre os salários 2010/2011. Políticas salariais em tempos de crise”, Genebra, nov. 2011.
Anne Dufresne é socióloga e encarregada de pesquisa do Fundo Nacional da Pesquisa Científica (FNRS – Sigla em francês) , na Bélgica. Autora do livro Le salarie, un enjeu pour l’eurosyndicalisme: historie de la cordination des négociations collectives {O salário: um desafio para o sindicalismo europeu – história da coordenação das negociações coletivas}, Presses Univesitaires de Nancy, 2011.